QUANDO A CAPACIDADE DE SE REINVENTAR, SURPREENDE NOSSAS PRÓPRIAS EMOÇÕES E NOS LEVA ALÉM.
“AGOSTO”, espetáculo com encenação de ANDRE PAES LEME, tendo como assistente de direção ANDERSON ARAGÓN, está em cartaz no Teatro Oi Futuro Flamengo, zona sul, com uma esmerada produção de ANDREA ALVES e MARIA SIMAN.
O espetáculo fala sobre uma família, da qual o patriarca desapareceu, deixando a esposa e as três filhas sem notícias. Um poeta que atingiu a notoriedade, porém, há muitos anos não queria mais escrever. Um homem misterioso. Além disso, nos revela como o relacionamento humano, pode e interfere diretamente em nossas personalidades. Tudo isso, a partir da chegada de uma serviçal, descendente de índios, para cuidar da matriarca doente, e das três filhas.
A matriarca da família sofre de um câncer na boca, e a interferência de cada personagem diante desse fato, denúncia a postura ácida e decisiva das pessoas presentes nessa “trama” de escrita empoderada e grandiloquente.
A dramaturgia acontece através do embate entre as mazelas expostas de cada personagem inserida nesse drama. Aspectos íntimos escondidos, vão se revelando e nos impactando.
A doença, o calor do local onde se passa a história, além da casa sempre escura propositalmente, onde não se sabe quando é dia e noite. Um lugar obscuro, tenebroso e sem vida.
Decepções, frustrações, carências, são colocados de dentro para fora e de fora para dentro, atingindo todos nós que estamos presenciando, e nos identificando com esses sentimentos, essa constatação mascarada do ser humano. As interferências emocionais, os dilemas, constroem essa peça calcada numa verborragia qualificada e que nos faz refletir.
O dramaturgo norte americano TRACY LETTS, nos remete, mesmo de longe, ao nosso tão aclamado, reverenciado e imprescindível NELSON RODRIGUES. Assim como NELSON, ele usa a “máscara” do ser humano para alimentar nossos desejos vorazes e nossa volubilidade interior incontrolável.
Um texto cortante, ácido, com necessidade absoluta de ser entregue a intérpretes famintos pela cena teatral.
A versão traduzida por GUILHERME SIMAN é de linguajar precioso, dando margens a sensíveis construções das personagens.
A encenação/direção de ANDRE PAES LEME, com assistência de ANDERSON ARAGÓN, é de enorme genialidade cênica, usando a interação total entre texto/personagens/espaço, num rítmo dinâmico e preciso. Não deixa escapar e nem desvaloriza nenhum momento dramatúrgico. Uma movimentação dirigida com clareza, colocando em primeiro plano ainda mais o texto/interpretações. Intercala os diálogos feitos em espaços diferentes do palco e ao mesmo tempo, sem atropelamentos, fazendo os atores se concentrarem com precisão, sem perder o foco de uma história que nos envolve completamente.
Cenografia de CARLOS ALBERTO NUNES feita com direcionamento correto de encontro a encenação, com economia nos objetos dispostos.
PATRÍCIA MUNIZ adequa os figurinos na necessidade que as cenas exigem.
A trilha sonora de RICCO VIANA colocada na medida certa, e enaltece o todo.
RENATO MACHADO cria uma iluminação decisiva, brilhante, surpreendente, envolvente. Coloca o público de cara com uma parede de luz, desnudando as emoções exacerbadas. É a verdade absoluta revelada pela luz. Decisivos e preciosos embates. Uma iluminação merecedora de aplausos sem fim. Um dos grandes méritos desse trabalho/espetáculo.
Um elenco com intérpretes diferenciados e plausíveis. Todos imbuídos de suas cenas, imprimindo na hora certa seus talentos para o palco. São eles:
GUIDA VIANNA (Violet), LETÍCIA ISNARD (Bárbara), ALEXANDRE DANTAS (Steve), CLAUDIA VENTURA (Karen), CLAUDIO MENDES (Charlie), ELIANE COSTA (Mattie), ISAAC BERNAT (Beverly/Bill), LORENA COMPARATO (Jean), MARIANA MAC NIVEN (Ivy), JULIA SCHAEFFER (Johnna), GUILHERME SIMAN (Charlie Júnior).
Destacando-se muito o trabalho irretocável, de enorme brilhantismo cênico da merecida GUIDA VIANNA. Um momento cenicamente especial para DIVA impregnada, com grande poder de persuasão, na sua maturidade cênica, em nosso cenário teatral carioca.
Vale ainda enaltecer, e muito, os intérpretes; LETÍCIA ISNARD, CLAUDIO MENDES e ELIANE COSTA. LETÍCIA ISNARD, fazendo a filha Bárbara, tão pragmática, implacável e ácida, quanto a mãe Violet. CLAUDIO MENDES, fazendo Charlie, como um marido e pai dedicado, generoso e afetuoso. Imprimi seu grande talento em deliciosas pitadas de humor e inteligência na cena.
ELIANE COSTA, fazendo Mattie, uma mulher amarga. Com presença forte e interpretação cheia de convicção. “AGOSTO” é uma obra-prima teatral, que nos mostra personagens construídos com esmeradíssima dedicação e talento. Acima de tudo, coloca o público perante relações que nos confronta e nos desafia. Relações que exercemos, manipulamos e nos inserimos nesses valores/atitudes, que nos faz refletir o quanto necessitamos lapidar aquilo que chamamos de “caráter”.