Crítica Teatral de “Mata meu pai”

A FEBRE DA JUSTIÇA; NÃO QUEIRAM USURPAR A NECESSIDADE DE EXISTIR, DE SER MULHER.

O espetáculo ” MATA TEU PAI”, com encenação de INEZ VIANA, CIA. OMONDÉ, texto da premiada dramaturga GRACE PASSÔ, e protagonizado pela atriz DÉBORA LAMM, faz mais uma temporada no sempre bem cuidado Teatro Poeira, Botafogo.

É uma releitura bem contemporânea e ácida do mito de MEDEIA, de EURÍPIDES. Com produção dedicada e expressiva de MARIA ALBERGARIA e CLAUDIA MARQUES. Nova empreitada no cenário carioca da respeitada CIA. OMONDÉ, dirigida por INEZ VIANA.

“MATA TEU PAI” contesta, expõe, denúncia a condição dos imigrantes femininos, e os valores usurpados pela sociedade, na figura masculina, das mulheres. Expõe o feminino e o preconceito de maneira direta, esfuziante, com intenção de realmente incomodar aqueles que vestirem a carapuça.
Todos os signos teatrais são repletos de metáforas. Metáfora de luz na ousadia de ser cortante e agressivo, porém, delineia as cenas com muita teatralidade. Metáfora dos figurinos, evocando estamparias com muitas cores, como que clamando por alegria, paz e vida. Metáfora no cenário, fazendo alusão a uma montanha geométrica, entulhado por aparelhos tecnológicos que não podemos mais usufruir. Metáforas para gritar, e depressa, que precisamos sermos salvos.

INEZ VIANA, em sua encenação/direção, se amálgama, conecta, ao texto, colocando na cena um coro de mulheres idosas da comunidade da Gamboa, e junto com elas um homem travestido, referente ao preconceito sofrido pelas vítimas de terem a coragem de se revelarem como são. Ela estabelece uma interação muito forte com a platéia, no sentido de querer mostrar a necessidade de termos atitudes perante preconceitos estabelecidos, e não acharmos que tudo é fruto do destino, principalmente a condição das mulheres perante a sociedade. Viana faz uma encenação agressiva, no sentido de querer dizer o quanto precisamos de termos as mulheres presentes, gritando por justiça, não se acomodando, tendo febre muito alta de justiça, diante da condição que a sociedade as colocou. Uma direção cheia de nuances, limpa. Investe na interpretação potente e marcações bem solucionadas.

DÉBORA LAMM, como a representante das mulheres, é intensa, convicta, empoderada, sem perder as nuances interpretativas. Coloca seu talento e emoções com maturidade de mulher imbuída daquele contexto proposto, e defendendo com unhas e dentes. Uma atriz da cena, do palco, do visceral. Uma indomável mulher se despindo e se vestindo de coragem e ousadia cênica. Uma voz nuançada. Presente. Uma interpretação austera, porém, com total conexão com o público.

A dramaturgia de GRACE PASSÔ faz uma conexão direta com a origem de MEDEIA, com os imigrantes atuais. Transforma todo o texto no feminino, para empoderar a mulher. Dizer que tudo parte dela, e sobretudo, por causa dela. “EU SOU DO TAMANHO DO AMOR”. Essa frase é uma homenagem à maternidade, onde tudo começa.

PASSÔ cria uma autonomia em sua dramaturgia a partir do mito de MEDEIA, de EURÍPIDES. Um olhar desmistificado em direção ao clássico.
MARCIA RUBIN cria uma direção de movimento voltada para o inconsciente, os sonhos, as fantasias da protagonista. Coloca no coro das “Meninas da Gamboa” a responsabilidade de traduzir o delírio ousado de MEDEIA. Todas “jovens” acima de 65 anos. Um trabalho concentrado e plausível das “Meninas…”; ALICE ARAÚJO, ANA MARIA NOGUEIRA, ELZA MOREIRA, LAURA FERREIRA, MARIA APARECIDA MARINO, MARIA LUIZA VALDIVINO, NELSON MARINO, NOEMIA DA SILVA, ROSA RUFFO, RUBIA CORREA, TEODORA ALVES, VIARA DE SOUZA, VERA LUCIA DE FARIA e VERA MÁRCIA DE FARIA.

O cenário de MINA QUENTAL, faz uma alusão a uma montanha de entulhos de tecnologias que não nos atende mais. Criativo e de grande plasticidade.

FELIPE STORINO, com uma direção musical, fazendo alusão às desnecessárias guerras que nos atormenta. Intervenções preciosas.
NADJA NAIRA e ANA LUZIA DE SIMONI, com uma iluminação cortante, delineando as cenas com muita teatralidade. Em conexão com os outros signos.

Os figurinos de SOL AZULAY evocam cores, estamparias, clamando por paz, alegria, vida. O espetáculo “MATA TEU PAI” clama a favor da mulher. Uma febre que necessitamos diagnosticar e curar imediatamente, impedindo que os “homens” USURPEM seus diteitos, ânsias, prazeres. A cura dessa febre de justiça, para que elas possam ter visibilidade que tanto merecem.

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