Crítica Teatral de “Um berço de pedra”

UM BERÇO DE PEDRA EM BUSCA DE UM BERÇO COM ALMA.

“Como um palco onde se desenrola a existência humana, o útero já foi santuário para o sacrifício – o fazer sagrado”. Assim diz a psicóloga MONIKA VON KOSS.

Entre a acidez e a elegância, a dor e a busca desenfreada, o lamento e a esperança; assim NEWTON MORENO se coloca em suas dramaturgias imprescindíveis e necessárias.

Textos que investigam a trajetória da mulher na vida contemporânea, através do viés da MATERNIDADE.

Uma maternidade permeada de buscas, dores, ausências, e em busca de alma e não de pedras.

“UM BERÇO DE PEDRA”, espetáculo em cartaz no lindo teatro Sesc ginástico, no centro, tem direção de WILLIAM PEREIRA, numa potente dramaturgia de NEWTON MORENO.

Cinco histórias sobre o universo feminino. Cinco histórias sobre a urgência da maternidade e o que ela nos provoca, e nos trás como consequências. Histórias que expõe a mulher a partir de suas facetas e dilemas, que nos provoca e nos mostra o tamanho de suas feridas: AS MÃES. Feridas do feminino que imploram para terem visibilidade e serem cuidadas. Sem essas mulheres não estaríamos aqui. Sem seu amor; sem sua ânsia; sem seu útero; o mundo não existiria.

Um espetáculo que é um cenário deste mundo de intolerâncias e embrutecido, que nos deixaram ou que nós mesmos construímos.
Um trabalho que coloca na nossa frente um deserto desprovido de altruísmo, emoções e almas vivas. Nossos olhos vêem em cena restos de tragédia grega, das guerras, dos refugiados, dos desaparecidos, e no meio disso tudo, mães buscando e defendendo suas crias.

A dramaturgia de NEWTON MORENO é feita de uma imensa poesia pétrea, escrita que fica, que não vai nos deixar nunca, impregnada em nosso mundo das idéias. Uma escrita como uma canção de eterno lamento, nos remetendo às sofridas e intermináveis paixões que a música flamenca nos oferece. A busca do amor, e as dores que rasgam nossos corpos, como o flamenco nos faz sentir, e queremos impregnar em nossos corpos enquanto dançamos. Uma escrita que tenta embalar com carinho e afeto a nossa compaixão pela dor alheia. Um dramaturgo da alma viva, no meio das pedras, da carência buscando atenção, das necessidades em busca daquilo que não mais nos pertence. Um texto de contundência e qualidade irretocáveis. Sem dúvida, é embrenhado nele que esse espetáculo se faz tão icônico.

WILLIAM PEREIRA faz uma encenação e uma cenografia totalmente amalgamadas às urgências cênicas do dramaturgo. Uma encenação vinda das vísceras de seus intérpretes, com uma ocupação da cena cheia de apoderamento.

Uma cenografia que nos leva a um grande deserto, com areia, com corpos que são enterrados e almejados por essas mães, em constante apelo a procura de seus filhos. Cenografia como espelho da alma materna desértica e carente. Ávida pelo amor de seus filhos. Um espaço cênico ocupado pela ânsia da busca em meio a um deserto incerto e mortal. Uma cenografia cruel, de teatralidade simples e imponente.

Os figurinos neutros, evocando uma carência sem fim. CRISTINA CAVALCANTI se coloca presente corretamente nesse contexto de busca, e até de morte, quando uma das atrizes, toda de preto, simboliza essa morte tão presente cenicamente. Trilha sonora também de WILLIAM PEREIRA embrenhada no contexto de cada cena. Perfeito.

MILÓ MARTINS cria uma iluminação cortante e vertical. Corta a ânsia dessas mães e verticaliza suas carências com muita claridade. O branco das luzes, como que implorando a paz, a vida, a trégua.

Visagismo correto e dentro da proposta cênica de LEOPOLDO PACHECO.
Um elenco de grandes e entregues intérpretes; CRISTINA CAVALCANTI, DEBORA DUBOC, JAIRO MATTOS, LILIAN BLANC, LUCIANA LYRA E SÔNIA GUEDES.

Corpos, vozes e emoções, imbuídos de dores e uma lamentação por algo perdido. Emblemáticas e tocantes interpretações. O espetáculo “UM BERÇO DE PEDRA”, tem uma alma ávida de urgências da maternidade e do precioso amor, que todo ser humano necessita.

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