Crítica Teatral de “A marca da água”

A VIDA E SEUS EMBATES; REALIDADE, DELÍRIO, SONHO, BUSCA INCESSANTE POR UMA LIBERDADE.

A ARMAZÉM CIA. TEATRAL, retorna a cena carioca, depois de merecidos prêmios, dentro e fora do Brasil, com o espetáculo A MARCA DA ÁGUA, texto de MAURÍCIO ARRUDA MENDONÇA e PAULO DE MORAES e encenação também de PAULO DE MORAES.

Uma CIA. Teatral que durante 30 anos apostou, e imprimi um trabalho cênico calcado no ator e nas suas incansáveis e inúmeras possibilidades de se reinventar cenicamente. O ator com seu empoderamento, o faz tudo, uma aposta no vísceral da atuação. Além disso a CIA. ARMAZÉM criou um linguajar específico ao longo dos anos, fazendo o espectador identificar rapidamente sua proposta em cena. Imprimiu seu linguajar, criando seus próprios textos. Coloca no espaço da cena sua identidade e cria seus próprios signos teatrais já impregnados nos seus trabalhos.

Uma linguagem fragmentada, nos impondo uma “lógica interna”, como eles mesmos denominam. Essa “lógica interna” é o trunfo e o grande mérito da Cia.; Uma cena encharcada, tomada de teatralidade.

Uma mulher casada embrenhada em seu cotidiano, 40 anos, recebe a “visita” no jardim de sua casa, no mínimo inusitada, surreal; Um enorme peixe vivo. Perturbada com a surpresa misteriosa, ela retoma lembranças e vivências de uma doença neurológica, que a atingiu no passado, recorrente de um acidente causado dentro da água, em sua infância. 
Na sua memória e no decorrer de seus dias, a água e uma música de extrema poesia, passam a permear sua vida, a levando para momentos reais e fantasiosos.

O espetáculo A MARCA DA ÁGUA, nos remete ao mundo que parece almejar por uma liberdade interior e palpável dentro de um universo que vivemos, cheio de contradições. A protagonista em sua relação direta com a água, música, delírios, fantasias e influenciada por um acidente em sua infância, nos mostra atitudes, ânsias, urgências, em suas relações humanas. Uma busca por uma liberdade, como se seus sentimentos confusos, fantasiosos e urgentes, fossem todos possíveis num mesmo momento. A aparição de um surreal peixe gigante em seu jardim, desencadeia uma sucessão de embates imediatistas e que a oprimem e a libertam. Uma incansável luta por uma liberdade interna/externa que todos nós almejamos, independente de doenças, sejam elas neurológicas ou não.

A dramaturgia de MAURÍCIO ARRUDA MENDONÇA e PAULO DE MORAES, inspirada no universo neurológico do britânico OLIVER SACKS, também nos coloca num linguajar azeitado pelo caminho do Teatro do Absurdo. Um texto de grande poesia, evocando um universo onírico, calcado numa realidade que nos é bem presente. As fantasias, sonhos, os delirantes momentos que nos aflora diante de nossas particularidades mundanas.
Uma dramaturgia que interage diretamente com a cena, a música tão forte e impactante, o cenário expressivo por uma luz necessária e determinante. Um texto de caráter reflexivo/teatral.

A encenação do cuidadoso e inventivo PAULO DE MORAES, transita nos embates, no onírico, na busca. Ele faz de todos os elementos cênicos uma única arma a favor do espetáculo. MORAES dá voz não só aos atores.Faz a cena andar em direção incessante de um delírio que nos é possível sim, e nos pertence interna e externamente. Uma encenação conectada e penetrada pela poesia.

Cenografia também de MORAES, exemplifica a conexão e a existência poética do espetáculo. 

Figurinos de RITA MURTINHO é um grande e prazeroso achado dentro de um momento tão onírico. Um trabalho de enorme especificidade e pesquisa.

MANECO QUINDERÉ faz uma iluminação dando voz e detalhamento aos “gritos” tão intensos dentro do trabalho. Uma luz imperiosa.
A sensibilidade e a beleza poética da música de RICCO VIANA é no mínimo comovente e certeira. Lindo!!!

Causa enorme impacto e diz muito ao espetáculo o trabalho de Videografismo de RICO e RENATO VILAROUCA. Momento de muita relevância, beleza.

Um elenco de talentos precisos e particulares. Cada intérprete com grande presença e conscientes de seus personagens. Entrega total é visível. Destaque para a sensibilidade de PATRICIA SELONK. São eles: RICARDO MARTINS, MARCOS MARTINS, MARCELO GUERRA, LISA EIRAS e PATRICIA SELONK.

O espetáculo A MARCA DA ÁGUA é mais uma importante cena/proposta/pesquisa de uma CIA. Teatral merecedora de muitos aplausos.

Embates da vida; Realidade, delírio, sonho, busca incessante por uma liberdade. Onde estará esta tal “liberdade”.

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