QUANDO O CORPO CRIA, GRITA, REVERBERA, NUM ESGAR DE MOVIMENTOS HISTRIÔNICOS, CLAMANDO PELA LIBERDADE QUE QUEREM NOS FURTAR.
A CIA. DE DANÇA RENATO VIEIRA com quase 30 anos de atividades em corpos expostos em palcos, dá um grito de histrionismo corporal diferenciado. Em cartaz no simpático teatro Gláucio Gil, dirigido pelo seu mentor RENATO VIEIRA, com assistência da competente bailarina e também coreógrafa SORAYA BASTOS. Divide coreografias com BRUNO CEZARIO, bailarino de talento reconhecido fora do Brasil.
“A LIBERDADE NÃO PODE PEDIR AUTORIZAÇÃO PARA EXISTIR”. Verdade absoluta e indiscutível, porém, alguns “cidadãos” insistem em querer nos furtá-la.
BLUE BONJOUR TRISTESSE é um espetáculo montado e costurado através do improviso.
Improviso de corpos bem direcionados, conscientes, ululantes, emitindo sons de lamentos corporais, como uma oração. Improviso do grito, da força com “revolta”, um berro uivando no histriônico mais íntimo do corpo; ALMA e CORAÇÃO.
Comprometimento na criação.
Um trabalho que se deixa levar pelo explícito e descarado momento atual, num denso teatral guiado pela indignação, senso crítico, e calcado na técnica, no reverberar dos corpos, da música, espaço, luz, e a maestria de RENATO VIEIRA.
Trabalho de pesquisa, com uma formação diferente do habitual feito pela Cia; 8 homens/bailarinos “livres”, donos de si, e comandados por outrem, desenvolvem em conjunto, solo, duos, trios, uma gama de sentimentos reprimidos e proibidos, com um vigor embrenhado de virilidade, suores ao vento, movimentos precisos e preciosos, vontade cênica de brigar, se debater, berrar, numa reinvidicação encantada e fundamentada.
Espetáculo criado com referência na música STRANGE FRUIT, cantada por NINA SIMONE, que marcou época sendo chamada de ” música do século”, se encaixando muito bem nesses dias que vivemos de crueldade racial, sexual, política e religiosa. Inspirado também no BLUES, na verborragia literária, agregando no universo do espetáculo a poesia paradigmática, modelar, da polonesa WISLAWA SZYMBORSKA, poesia chamada de: CEM PESSOAS.
Em voz off de SURA BERDITCHEVSKY. Um encontro cênico do poema de SZYMBORSKA e o BLUES, um presente dos deuses do linguajar coreográfico e da teatralidade.
CEM PESSOAS é um poema metafórico que suscita a capacidade das pessoas em demonstrar atitudes relevantes ou não, conforme nossa “disponibilidade”. A única certeza que a poesia nos dá é que em CEM PESSOAS todos serão MORTAIS, simplesmente genial.
A direção e concepção do indignado/genial RENATO VIEIRA bebe na fonte da atualidade intolerante cruel. Prato cheio para um gênio escultor de movimentos sensoriais/sensuais. Conduz com maestria no espaço da cena, corpos com fome de justiça e densidade coreográfica. Suores ao vento por movimentos bem elaborados e ao mesmo tempo livres na competência da virilidade. Exaustão e exatidão no esgar, trejeitos de cada entrega. É como se víssemos e ouvíssemos os berros, gritos de VIEIRA em cada desenvolto girar de seus obedientes pupilos. Uma concepção nascida com a obrigatoriedade densa de cessar com a injustiça que nos move, ou melhor, que não nos deixa mover. Uma criação de corpos com sons corporais de lamento, em oração.
As coreografias de RENATO VIEIRA e BRUNO CEZARIO delineiam o espaço com o viril contido em cada um, carregado de técnica com base na dança clássica, de contemporaneidade explícita e mesclando vários caminhos corporais que agregam a força dramática contida no decorrer de BLUE BONJOUR TRISTESSE. O palco é cortado com forças de cada músculo bem trabalhado e corpos nus na busca de liberdade. Alguns momentos são de extrema inventividade e beleza estonteante e necessária. Vale destacar o trio de bailarinos, FELIPE PADILHA, JOÃO DA MATTA e MARLON AILTON, no extremo de encantamento de linhas, saltos, levantes, braços cortantes e expressividade. Movidos por uma trilha sonora mesclando batidas de latas, berimbau, palmas e alguns outros instrumentos de percussão, que levamos na memória numa catarse instantânea.
A trilha sonora composta pelo criativo/surpreendente FELIPE STORINO consiste numa bem marcada e bela linha percussiva, que mescla sons diversos de vários instrumentos musicais, causando impacto e momentos preciosos.
Uma iluminação de BINHO SCHAEFER que acomoda muito bem toda corrente coreográfica, dando visibilidade na necessidade certa.
BRUNO CEZARIO propõe um figurino acertado aos corpos e de funcionalidade.
A produção, como a própria CIA. se revela de extremo esmero.
DINIS ZANOTTO, ELTON SACRAMENTO, FELIPE PADILHA, FLÁVIO ARCO-VERDE, JOÃO DA MATTA, MARLON AILTON, JOÃO MANDARINO e BRUNO CEZARIO. Bailarinos que executam no limite da entrega, exaustão, técnica, em uma masculinidade que faz toda a diferença num trabalho representativo, cheio de simbolismos, exemplificador. Uma virilidade histriônica no agregar de uma luta, na busca de uma justiça que almejamos.
O espetáculo BLUE BONJOUR TRISTESSE é dança, teatro, arte, necessidade.
Leva em sua cena final rematada, metafórica, exemplar, seu mentor, num solo de sua própria genialidade, fazendo que seus pupilos se dispam e os entregue suas roupas carregadas de preconceitos e crueldades.
RENATO VIEIRA cria, expõe, presenteia e nos desnuda da hipocrisia.