Crítica Teatral de “O açougueiro”

UM LAMENTO EXPRESSIONISTA EM TEATRO/DANÇA/CANTO, DE DELICADEZA ARTÍSTICA FEROZ.

Com discurso teatral focado em amor, preconceito, intolerância e violência de gênero, “O AÇOUGUEIRO”, volta à cena teatral carioca no charmosíssimo Teatro Maison de France, trazendo na bagagem vários prêmios merecidos.

Dramaturgia de SAMUEL SANTOS, tendo como protagonista, ALEXANDRE GUIMARÃES, ambos pernambucanos.

Em narrativa abordando/aproximando o interior sertanejo/nordestino e humano, descortinando à vida de Antônio, um pobre garoto que cresceu querendo ser açougueiro por ter passado fome. O sonho vira realidade e o protagonista, em meio à dois tipos de carne, animal e humana, casa-se com Nicinha, uma ex-prostituta.

O texto é recheado em diálogos, cantos, manifestações culturais, como os aboios(canto típico), reisados e toadas de vaqueiro.

Autor e intérprete mergulham em significativa e valiosa pesquisa sobre o teatro físico e antropológico.

Dramaturgia, encenação/direção de SAMUEL SANTOS, impõe primorosa contextura/trama, numa conspiração teatralizada/folclórica do universo nordestino, incluindo personagens típicos e animais inerentes ao sertão, focando no boi, em destaque imprescindível. Uma ferrenha crítica social. Um urdir filigranado de alcance verborrágico/poético.

O espetáculo possui uma comunhão de ideais e críticas sociais que com certeza vem da profunda pesquisa realizada. Os signos cênicos se agregam em perspicácia criativa entre texto, iluminação precisa e atuação sensorial/física.
À cena teatral é arrebatadora em sua conexão urdida/sagaz de grande significância e simbolismo na história. O boi como mote/fio condutor da tragédia, se transmutando em outros animais e personagens, expondo a crueldade humana atolada no preconceito. O protagonista num ritual sublime concebido corporalmente por AGRINEZ MELO, que cria no gestual, uma coreografia à disciplina do ballet clássico, sendo obedecida por cada músculo do ator. 

Apesar de uma história trágica, ela nos cobre com o amor entranhado no personagem, pela prostituta massacrada pela inveja/preconceito. A inveja é o pior defeito que podemos nos apegar. Ela destrói com requintado sabor de vitória.

Os aboios, típicos cantos nordestinos, cantigas e toadas de vaqueiro, nos remetem aos lamentos flamencos de Palos/rítmos densos, angustiados de amores perdidos, inerente à música e dança flamenca, que eu bem conheço, em minha investida nessa arte redentora.

Tudo se entrelaça à pesquisa da fisicalidade e antropologia colocada em cena. Uma preparação vocal feita por NAZARÉ SODRÉ de beleza maviosa, na voz de GUIMARÃES.

O figurino também de AGRINEZ MELO se conecta com os adereços de MARIANA MAZZA, nos remetendo ao doloroso sertão, num amor sensorial e corporal exposto milimétrica mente na desenvoltura dramática visivelmente coreografada, execulta por Antônio/GUIMARÃES.

Uma iluminação que se destaca/sobressai em detalhamento, potencializando à escrita e a história, também criada por SAMUEL SANTOS. À luz cênica penetrante, aguçada num monólogo do corpo, voz, na realidade da cultura nordestina.

Uma produção nua, crua, calcada na multifacetada ousadia estética, metafísica, no intérprete, no texto, iluminação e na direção de movimento coreografada. Produção realizada por ALEXANDRE GUIMARÃES.
A performance/interpretação de GUIMARÃES é um tragar/arrastar cênico em dinamismo, rítmica, físico e emoção aguda. Uma fome em cena alimentada por sua vocação em amplo movimento heterogêneo no palco.
Seu comportamento é visceroso, arraigado, comprometido.

“O AÇOUGUEIRO” é uma pequena obra-prima em forma de monólogo/lamento expressionista, que alcança objetivos valiosos em seus signos teatrais, coroando todos os esforços dos artistas e técnicos envolvidos. Que consiga percorrer cada cantinho levando essa necessária literatura/performance à todos ávidos por cultura.

Espetáculo NECESSÁRIO.

– Última apresentação no Teatro Maison de France, dia /07/6, próxima quinta feira.
– Imperdível! Assistam!

Show CommentsClose Comments

Leave a comment