Crítica Teatral de “Eu só queria que você não olhasse pro lado”

EM PROFUNDO EXPRESSIONISMO EMOCIONAL, ATRIZ EXPÕE SUA ALMA EM ARTESANAL EMPATIA CÊNICA. UMA MEDÉIA ATUALÍSSIMA DE GRANDE CARGA PASSIONAL.

Num ambiente absurdista/em devaneios, fora e dentro de uma banheira branca, à atriz e diretora Rose Abdallah encara seu primeiro monólogo, celebrando 30 anos de carreira, desfiando um tema bem familiar: O CIÚME. Em elevado grau patológico, num humor ácido, com momentos de espirituosa “zombaria”, questionando o por quê de tanto amar, desconfiar, inseguranças e contradições.

No pequeno e expressivo templo/espaço do Centro Cultural Sérgio Porto, está em cartaz “EU SÓ QUERIA QUE VOCÊ NÃO OLHASSE PRO LADO”.
Um solo interpretado por Rose Abdallah, com direção de Guta Stresser e assistência de Jozi Granha.

Dramaturgia inédita do ator, poeta, dramaturgo e roteirista Herton Gustavo Gratto. Produção de Simone Vidal e Sandro Rabello.

Uma mulher derrotada por um ciúme doentio e vingativo, decide dar um fim à própria vida em seu arrefecer/desalento, diante de uma vida obscura. Uma Medéia atualíssima de grande carga passional.

No seu leito de morte, uma banheira coberta de “sangue” ou molho de tomate, seu molho preferido, confessa todos seus excessos sórdidos cometidos, revestida de uma aura de escuridão, não deixando de exalar um humor velado, que contrapõe o denso da escrita/texto.

Letícia Ponzi(cenografia) e Patrícia Muniz(figurino), assertivamente ambienta o espaço cênico e atriz com detalhes bem manuseados e elegância de vestimenta. Destaca-se uma cadeira “velha” com proveito teatral em beleza, explorada na movimentação expressiva feita por Abdallah. Um corpo que fala em gestos sensuais e delineados, bem acomodado encima do objeto cênico(cadeira).

Dani Sánchez cria uma iluminação no caminho do ambiente absurdista, convergindo com o existencialismo, intimista e revelador quando precisava. Com poucos recursos, porém, enobrecendo à cena e dando visibilidade à proposta da encenação. Uma luz em ligação direta com densidade cênica e bem detalhada.

Toda direção musical de André Paixão é tocante, levando à cena para um lugar catártico propositalmente pensado, tendo seu auge ao som de “Bom, Je ne regrete rien”, EDITH PIAF, que abraça o espetáculo e o público, em seu drama inquietante e pertubador. Lindíssimo!

Guta Stresser delineia à cena potencializando o drama/tragédia com uma sensibilidade e rigor teatral, com certeza vindo de sua alma brilhante de atriz, que só fortalece o caminho percorrido, dando ao solilóquio o desespero estético nas movimentações/marcações e nos gestuais de uma atriz obediente em disciplina vocacional.

Um expressionismo/interior/emocional dirigido e obedecido na atuação.
Herton Gustavo Gratto, ator, poeta, disperta e infiltra em pródiga literatura, em forma de rima, à decadência humana. Um texto espirituoso, de humor velado em sua tragicidade, de alta significância inquietante às almas humanas.

Um cárcere particular em vísceras expostas, de um amor patológico/ ciúmes. Como já havia dito em comentário/ crítica da leitura dramática: Herton, em aparente ascenção no cenário teatral, talvez tenha se embrenhado na passionalidade de Medéia, em densa teatralidade patológica à beira de um abismo sem volta.

O que dizer de Rose Abdallah?! Bravíssimo!
Completando 30 anos de experiência e vocação teatral, reuni em cena, muito bem amparada, não apenas seu talento e força dramática. Injeta em suas vísceras a dor, a ironia, o humor velado, o passional da atriz/ personagem implacável, “gritando” com sua potente e teatral voz, em nuances encorpadas de graves e agudos, o quanto sua crível presença e maturidade cênica é necessária e singular. Sua figura/físico, imponente, de aparência bela, se finca no palco com nuances e curvas dramáticas , literalmente se desnudando para o suicídio final em seu leito, a banheira.
Uma atriz de idiossincracias/ temperamento/ natureza irrefutável/ incontestável em cena.

“EU SÓ QUERIA QUE VOCÊ NÃO OLHASSE PRO LADO” é um espetáculo em forma de dor, em profundo expressionismo interior patológico, que nos acomete, nos identificamos de alguma forma. Um relato de um comportamento desmedido, inseguro, nos empurrando para um calvário muito particular. 

As contradições do ciúmes nos faz cegos e dependentes dos nossos sentimentos interiores mais vulneráveis.

Precisamos nos diagnosticar, nos permitir a viver sem amarras.
“Ninguém sabe os males que se escondem num coração humano”.
“EU SÓ QUERIA QUE VOCÊ NÃO OLHASSE PRO LADO”, porém, olhe para frente e venha conferir em relato/ espetáculo existencialista, vital, atemporal, de urgência necessária.

Como já disse acima e vale repetir: UMA MEDÉIA ATUALÍSSIMA.

Espetáculo NECESSÁRIO

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