Profundidade psicológica, mundos interiores se manifestando num regurgitar cênico atravessador em pleno “solo”, terra latente.
Cena carioca chamada “SOLO”, ganhou a oitava edição do concurso seleção Brasil em Cena do CCBB, e está em cartaz no próprio Centro Cultural.
Dramaturgia de Fabrício Branco. Direção/ encenação de Viniciús Arneiro. Assistente de direção Andreas Gatto. Direção de produção: Sérgio Saboya.
Um coveiro solitário, em apego profundo à terra, onde dedica e demonstra todo seu amor, ou à falta de amor, atenção, lança/ transborda seus sentimentos em sua gratidão ao solo, devido às rejeição, exclusão durante sua vida, num apego e dedicação/ devoção a seu único e presente amor; à terra.
Talvez seja onde brote uma esperança de amor próprio, auto estima perdida, ou quem sabe achada, depende do olhar de quem enxerga. Apoiado por três personagens que se revezam e refletem suas mazelas, revoltas, faltas, se completando e se entrelaçando na angústia e devoção dos quatro seres em cena. Um desfiar cênico que nos atravessa com sórdidas revelações de suas particularidades.
Coveiro, mulher gorda sem limites em seus prazeres, um mendigo revoltado e bem resolvido e um pastor empoderado.
Todos “vomitando” suas exclusões, esmiuçados em performances/ atuações convincentes e impetuosas, em esgar cênico.
O espetáculo nos convence em peculiares e primorosos signos teatrais de esmero detalhado, que literalmente dá luz ao valioso, latente e eloquente texto/ dramaturgia, e às fidedignas interpretações. Um apurado trabalho cênico, onde atores se desnudam e vestem à carapuça, jóia literária de Fabrício Branco.
A narração de sua história pelo coveiro, em corpo e voz crível, nos revela os afetos e as oportunidades perdidas ou não dadas na trajetória cheia de falhas sociais, se transformando em comportamentos e temperamentos de conduta não aprovada.
Seres humanos” falhos”, “revoltados” e ao mesmo tempo muito bem resolvidos em suas opções ou falta de opções na vida. Oportunidades que não vieram, em pensamentos e atos que passam a ser a verdade de cada um. Às máscaras caem e sem nenhum pudor são propagadas naturezas e desejos mais íntimos. O retrato nuançado, heterogêneo, de uma sociedade que nos impede, nos rouba e nos exclui.
Figurinos cenicamente de grande efetividade e funcionalidade de Ticiana Passos. Belos e desenvoltos nos corpos dos atores.
Bernardo Lorga pontua uma iluminação de acabamento impecável , alheando/ enlevando às atuações no desenlace textual.
A dramaturgia de Fabrício Branco é escancarada de verdades íntimas e bem resolvidas, misteriosa e reveladora, sombria e à luz de um holofote que nos enxerga e nos belisca machucando. Um texto de reflexão, verdades e identidades psicológicas. Uma escrita artesanal, sensível, como ele fez em “NA PAREDE DA MEMÓRIA”, sobre vida e obra de BELCHIOR, que tive o prazer de resenhar uma crítica teatral.
O caminho da direção/encenação de Viniciús Arneiro é artesanal como à escrita. Ambos amalgamados, em revelação de identidades de uma sociedade que nos tolhe/ impede.
Um aparente trabalho exigido em cada performance, em esgar/trejeitos aprimorados e convergindo com a proposta.
Um banquete cênico reluzente em tamanho de uma passarela, na criação cenográfica de bela inspiração nas mãos de Fernando Mello da Costa. Um prazeroso constatar na desenvoltura das cenas muito bem solucionadas, tanto encima ou embaixo da passarela/ banquete/ cemitério ficcional e presencial.
Os intérpretes, absortos, à flor da pele, em seus personagens, destrincham uma relevante contribuição em cenas peculiares e de grande entrega nas suas composições. Palmas esfuziantes para: Aliny Ulbricht, Bárbara Abi-Rihan e Jansen Castellar.
Kadu Garcia nos presenteia em orquestração cênica de corpo e voz, intimista, porém, em visceral talento. Um esmiuçado coveiro em verdade absoluta carregando os afetos e não afetos, os apegos, claramente perpetuados à terra.
O espetáculo “SOLO” é o fim, o começo, a esperança, o destino ou à rédea que não temos. Buscamos à qualquer custo. Neste caso, o custo, é o se doar em cena teatral lapidada, que se concretiza em escrita e arcabouços cênicos com mesura.
A trajetória de cada um, sua natureza, suas revelações e transformações. O desmascarar de conduta social, que nos é exigido. Os segredos da terra cultivado pelo que acreditamos e sendo obrigados a nos reinventar. O homem que confessa, sozinho, ou não, seus devaneios e segredos mais abissais/indecifráveis.
“Cada qual em seu próprio solo”.
O rosto pode enganar em candura, mas os olhos escancaram à alma.
Fabrício Branco
2 Comments
Regina Cavalcanti
Parabéns pela crítica! Fiquei super interessada, já coloquei na minha agenda!
Luiz Carlos Cirino
Linda crítica, Francis! Vou assistir!