CRÍTICA TEATRAL DO ESPETACULO: “O PREÇO”

A ESSÊNCIA HUMANISTA E SUPERLATIVA DE UMA DRAMATURGIA NECESSÁRIA, EM SEIVOSOS DESEMPENHOS NA CENA CARIOCA.

Algumas citações contidas no programa da Cia. Teatral Epigenia: “A Cia. Teatral Epigenia é uma Cia. de teatro humanista. Seus projetos falam do ser humano contemporâneo”.

“A liberdade está intrinsecamente ligada às suas escolhas e tem seu preço”.

“PLATÃO faz SÓCRATES se referir a uma máxima do oráculo em Delfos: Conhece-te a ti mesmo”.

“O Preço, que está entre as peças mais finamente estruturadas e sofisticadas de MILLER, fala como as pessoas constroem uma autonarrativa, e como nos encaixamos no mundo, e o papel que nosso senso de ética tem na construção de nossas ações”.

“Por que os homens são o que são e não o que gostariam de ser, ressaltando à importância de causa e efeito”.

” O projeto da Cia. Epigenia prevê uma encenação e uma trilogia de peças de MILLER em parceria com a família do autor”.

Dois irmãos de essência e comportamentos extremamente contrários, dez anos afastados, com um pai usurpador e egoísta, se encontram para desocupar um imóvel após a morte do pai. Um deles afastado por conta própria todos esses anos, retorna trazendo à tona acertos de contas familiares, embates belicosas, diferenças aparentes e veladas, rancores, ressentimentos, em momento extemporâneo e limítrofe de suas vidas. No contraponto dessa família existe uma mulher apaixonada e pragmática e um vendedor de móveis carismático e jocoso. Interferem veementemente no destino de Walter e Vitor. Todos aguerridos, defendendo sua essência/índole, e pagando o preço por suas escolhas.

Em cartaz no Sesc arena Copacabana uma arquitetura teatral de maestria humanista, numa atualidade genuína que nos perturbaa e nos inquieta; “O PREÇO” do americano ARTHUR MILLER. Com a Cia. Teatral Epigenia em seus relevantes 19 anos. Direção de Gustavo Paso. Tradução fluida e preços de Thiago Russo e Gustavo Paso.

No elenco: Luciana Fávero, Gláucio Gomes, Erom Cordeiro e Rômulo Estrela. Direção de produção esmerada de Luciana Fávero. ARTHUR MILLER perpetra uma arquitetura dramatúrgica, lembrando da máxima Sartreana de que estamos condenados à liberdade, sem possibilidade de alegar inocência.

Há uma teia articulada numa escrita de urgência inidônea/ atitudes inapropriadas. Coloca à sociedade cara à cara com o outro, numa interatividade, propondo um acordo, para nos livrarmos de nossa culpa? Uma obra de essência humana e capciosos embates questionadores.
MILLER propõe um contexto dramático, furioso e contestador nas relações humanas, familiares, de cada indivíduo, em superlativa crítica aos núcleos sociais. O nosso silêncio pode desencadear à nossa culpa, transbordando uma acidez severa em acertos de contas devastadores. 
Conflitos familiares, egocêntricos, ceifando nossos ideais e nossos sentimentos mais nobres.

O espetáculo é alentado na arte do diálogo, argumentando com clareza os embates físicos e emocionais, construídos na direção de Gustavo Paso. Uma direção rigorosamente bem marcada em espaço cênico e exigindo e obtendo do elenco interpretações enfáticas e eloquentes.

Gustavo Paso nos dá um espetáculo interativo e calcado no texto misterioso, instigante e imprevisível do dramaturgo. Personagens de enormes conflitos interiores e totalmente absorvidos pelos atores.

Direção, trama, atuações jogando para o público julgamento de valores e perturbações que nos identificamos de imediato. Aí está à interatividade.
“Quando o outro não nos fornece justificativas para um problema, o silêncio nos permite tirar às próprias conclusões”. Uma narrativa de reviravoltas inesperadas que deixa o espectador perplexo e atento.

Essa narrativa possui cenário bem disposto encima de um belíssimo tapete aviltante e tomando todo espaço cênico, criado por Gustavo Paso.
Um figurino muito bem adequado por Luciana Fávero.
Bernardo Lorga nos dá um desenho de luz clarificando à aguda direção, e a percepção exata na maturação emocional e física dos atores.
Assertiva direção musical de André Poyart.

O elenco é acirrado, numa austeridade disciplinar brilhante, amadurecida, senhores de seus personagens; Luciana Fávero, Gláucio Gomes, Eron Cordeiro e Rômulo Estrela.

Luciana Fávero é uma companheira apaixonada, ambiciosa, num pragmatismo decisivo e envolvente. O fio condutor e apoiador do marido e no desencadear de muitas cenas.

Gláucio Gomes emana uma malandragem argumentativa em perfeito contexto de seu personagem. Carrega um carisma estonteante de um vendedor de móveis cheio de novidades. Impõe em cena um humor elegante.

Erom Cordeiro é a empáfia travestida de arrependimentos em seu personagem. O bem sucedido que quer ditar às regras. Presença marcante do frustrado que incita atitudes belicosas.

Rômulo Estrela é a surpresa cênica em convincente construção. Seu personagem é inundado na credulidade. O ingênuo surpreendentemente combatente. De sentimentos nobres num personagem que abdica de seus ideais por amor ao pai explorador, e por acreditar em outrem.
Seivosas e comoventes interpretações.

“O PREÇO” é um espetáculo de reviravoltas literária, que nos arrebata num ritmo de fôlego intenso. Que possui uma identidade e que o espectador se identifica em seus universos familiares impetuosos entre o bem e o mal. Cada personagem é analisado e “julgado” pela ótica baseada na experiência de cada pessoa presente na platéia.

Uma obra-prima crítica, política, existencialista e explícita.
Uma linguagem de essência, de relações expostas numa trama plural em força e fúria.

“O PREÇO”/ARTHUR MILLER alertá-los de que há um preço pela nossas escolhas, e mais uma vez; como fiz SARTRE: “ESTAMOS CONDENADOS À LIBERDADE, SEM ALEGAR INOCÊNCIA”.

Um espetáculo de poderes opostos e incompatíveis. O dualismo entre dois princípios opostos; O BEM E O MAL.

Um necessário trabalho articulado e descortinado pela Cia. Teatral Epigenia, que precisa ser assistido e aplaudido de pé.

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