Crítica Teatral do espetáculo: “RIOBALDO”

(Adaptação da obra literária de JOÃO GUIMARÃES ROSA)

RESSIGNIFICAÇÃO CÊNICA CAPITANEADA E PERMEADA POR UMA SIMPLICIDADE CATEGÓRICA.

“Carece de coragem”

A partir da saga do jagunço, Riobaldo, é feito um recorte do clássico “Grande Sertão: Veredas”, no qual o monólogo vem partejar/dar luz ao papel das mulheres  na trajetória deste sertanejo/jagunço, disseminando reflexões sem medidas sobre a vida.

O amor entre dois homens, velado, num caminhar conflituoso, e capciosos desdobramentos rumo ao poder.

Questões de motes psicológicos, religiosos, culminando num dualismo, na visão do mundo que o divide em poderes opostos e incompatíveis, maniqueísmo discutível, através de uma bem urdida e apreendida contação de história. 

O sertão é o cenário nu e cru para tornar conhecidos desejos ocultos ou não, e um ódio que derrama sangue, num erudito misturado ao místico, nessa obra impactante e desveladora.

Um expressivo momento teatral  depurado, que reverbera amores, aflições, desejos, empatia na construção da cena, amadurecido por uma pesquisa que descortina as aventuras de uma plaga/região tão presente e ao mesmo tempo tão ausente em nosso humilde conhecimento.

Tudo que miramos é simples, porém, extremamente necessário.

Uma encenação transparente na invulnerabilidade e favorecida na beleza de um texto clássico expoente da nossa cultura, bem compreendido e apreendido pelos “jagunços” dessa empreitada; diretor e ator.

O simples, o modesto, o contido, e o ressignificar, são os protagonistas das veredas do universo de Gilson de Barros e Amir Haddad, nos dando a oportunidade de genuíno embrenhamento no sertão, concomitantemente com as veredas de GUIMARÃES ROSA.

O texto “Grande Sertão: Veredas, representa toda uma concepção literária/dramatúrgica difícil de ser absorvida na maioria das vezes.

Linguagem rebuscada? Sofisticada? Apesar do autor colocá-la muito coloquialmente na dimensão de suas veredas, num cenário sinistro, lutuoso.

Vocabulário particular advindo do interior, ornamentado de “elegia”, espécie de poema triste, melancólico, sobretudo, viril.

Acrescenta o sensual com brutidão/aspereza num amor de “lirismo desenfreado” , com embates dos jagunços, num possante almejar de poder absoluto, mesmo que muitas vezes descabido, na ânsia existencial entre o bem e o mal.

O espetáculo conta com anos de estudo e pesquisa, num monólogo capitaneado na simplicidade de conhecimentos cênicos feéricos , em seu ajustamento, através de uma sedutora dialética, na arte de argumentar.

Uma contação de história a partir de um texto verboso, já existente, numa reunião de ideias contrárias num só pensamento.

Um “copidescar” com identidade, sublimado por um ator árdego e experiente; “carece de coragem”.

O sertão está lá, em cena, dentro do intérprete e invadindo todo espaço cênico/público. Bravíssimo!!!

O espetáculo sabe intercalar os vários segmentos da narrativa,  com identidade, com uma grande força dramática e doce interpretação; um voo livre costurado e guiado no mais sensível e verdadeiro aflorar cênico.

Submerge no universo cruel e sedutor do “jagunço-mor” JOÃO  GUIMARÃES ROSA. Encontra os atentos olhos e corações, não nos deixando nem respirar sem molhar a retina, diante de tudo que, capciosamente, o ator nos faz presenciar.

Karla de Luca, imiscuída na encenação,apresenta um cenário e figurino sóbrio, assertivo, em afluência e encontro com a proposta.

O Mestre Aurélio de Simoni, em sua iluminação não matizada, porém, “conflagra a chama”, tornando a cena viripotente, como os desejos e lutas do sertão. Quando o que parece nada, sobressai na inquietude do autor.

Gilson de Barros aplanou e apurou um texto palavrório em nuances literárias, com oratória discorrida na intimidade e carisma de um intérprete que seduz o seu público. Ele faz uma adaptação reduzida, simplificada pelo diretor, que detém  em si e para o espectador, o conhecimento necessário.

O ator usa um discurso sem artifícios, com veracidade, e muita por sinal.

Gilson de Barros ubíquo/onipresente, carismático e etéreo.

Um amálgama de aclimatação miraculosa em circunstâncias cênicas de uma escrita particular, sofisticada? Rebuscada? Veem para crerem.  Com emocionante habilidade, ofício, no capitanear teatral de perfeita contextura na direção de Amir Haddad.

“RIOBALDO” é como um léxico, reunião de vocabulário, de línguas, reunião de astúcia oratória de pleno carisma, instigante e estonteante, na obra de GUIMARÃES ROSA.

O intérprete, numa construção calcada no carisma, vale repetir,  envolvente, simplificada por uma direção de ressignificação, nos leva à uma emoção miraculosa, como já disse e não custa reforçar.

O permeamento decisivo na empatia de uma cena/espetáculo teatral.

Um trabalho, em todos os seus signos teatrais, de cunho artesanal.

Como diz GUIMARÃES ROSA:

“A VIDA CARECE DE CORAGEM”.

“O SERTÃO TÁ DENTRO DA GENTE’.

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