O Blog/Site – Entrevistas NECESSÁRIAS – abre as cortinas em 2021, com a vida e obras cênicas realizadas pelos artistas do universo teatral e da dança, acarinhando um pouco todo nosso desespero e vazio – diante da calamidade que roubou a cena – por enquanto. Calamidade desgovernal e pandêmica.
Começamos no cenário teatral, abrindo com chave de diamante, com meu querido e grande artista da cena carioca: Claudio Mendes – ator, diretor e autor.
35 anos de carreira, dono de um trabalho de diversidade – empreitadas diferentes, diretores e diversas escolas e tendências em todas as áreas, colocando-o embrenhado na flexibilidade como ator – respondendo e surpreendendo autores, diretores, público e crítica.
Sua carreira tem início nos anos 80, num texto de Cora Rónai, sobre a obra de Sempé e Gosciny – “O Pequeno Nicolau”, com direção de Claudio Baltar, no Teatro Gláucio Gill. Esse teatro, alguns anos depois seria sua segunda casa, ao ocupá-lo com o Centro de Demolição e Construção do Espetáculo, grupo dirigido por Aderbal Freire-Filho.
– “Quase 70 espetáculos de teatro como ator, autor e diretor, dos quais eu destaco, pela importância e relevância que tiveram para história do teatro carioca e pela influência que exerceu em uma geração de artistas”:
“Pequenos Trabalhos Para Velhos Palhaços”, de Matéi Visniec e direção de André Paes Leme, com Alexandre David e Augusto Madeira;
“O Que Diz Molero”, Romance-em-cena de Aderbal Freire-Filho, sobre a obra de Dinis Machado. Direção de Aderbal Freire-Filho. Com: Chico Diaz, Raquel Iantas, Augusto Madeira, Gillray Coutinho e Orã Figueiredo.
“Bugiaria”, dramaturgia e direção de Moacir Chaves, sobre documentos históricos. Com: Cândido Damm, Orã Fiqueiredo, Josie Antello, Claudio Baltar e Alberto Magalhães.
– “Outra característica importante é que meu trabalho nunca esteve concentrado em teatros da Zona Sul do Rio de Janeiro. Ele sempre esteve misturado no tecido vivo da cidade. Já me apresentei em escolas, bibliotecas, hospitais, canteiro de obras, praças e até em teatros, aqui, em vários lugares do Brasil, e até fora dele; em Portugal, Paris e Uruguai” – diz Claudio Mendes.
Em televisão, foram mais de 50 participações em novelas, séries, programas de humor, e no cinema mais de 20 filmes.
– “Destaco ainda profissionais de diversas áreas que com seu conhecimento e sabedoria, e sua fanaste arte de ensinar, ajudaram a construir a base do edifício sólido de minha carreira: Ana Frota (voz), Rossela Terranova (Corpo), Lucas Ciavatta e Ricardo Góes (Música)”.
– “Como diretor eu destacaria”:
– “A Casa de Bernarda Alba”, de Federico Garcia Lorca, onde dirigi um elenco de 15 pessoas, encabeçado por Suzana Faini no papel título e tendo ainda no elenco: Regina Gutman, Rosa Douat, Marianna Mac Niven, Rita Elmôr, Dayse Pozatto, Angela Bellonia, Célia Grespan, Jeanine Moreno, e também, Duda Sodré, Muriel Madlen, Cátia Ramos e as participações especiais do violonista de Flamenco Allan Harbas e do bailarino e ator Francis Fachetti”.
“França Antártica”, dramaturgia de Claudio Mendes e Alberto Magalhães, sobre documentos históricos que narram a vinda de Villegagnon e a tentativa frustrada da fundação da França Antártica no Brasil. Com: Amora Pêra, Marianna Mac Niven, Leonardo Miranda, Alberto Magalhães e Dalmo Cordeiro.
– “Direção do espetáculo Manuel Bandeira do Brasil – Estrela da Vida Inteira do Grupo Hombu, sobre dramaturgia construídos por mim sobre a poesia de Manuel Bandeira. Muito orgulho”!
As direções de 4 espetáculos dos Irmãos Brothers – Três Marujos Perdidos no Mar, Três Marujos Perdidos na Selva, Arraial Brothers, Perdidos na Cidade, além do Show da Irmãos Brothers Band “Eureka”.
– “Na linha de shows também tive a sorte de dirigir um belo trabalho do qual muito me orgulho, o Show para crianças “Barulinho” das Chicas, Prêmio Tim de Melhor Grupo de MPB”.
– “De minha carreira, eu ainda destacaria os artistas com quem tive a honra, a sorte e o prazer de trabalhar, fosse como ator ou como assistente”:
No Teatro Infantil: Ilo Krugly (Ventoforte), Lucia Coelho (Navegando), Grupo Hombu.
No Teatro adulto: Amir Haddad, Aderbal Freire Filho.
No cinema: Julio Bressane, Arnaldo Jabor, Zelito Viana, Silvio Tendler.
Na televisão: Carlos Manga, Roberto Talma, Daniel Filho, Mauro Mendonça Filho, Luis Fernando Carvalho, Jayme Monjardim (mais de 50 participações).
Entrando na Entrevista NECESSÁRIA com Claudio Mendes:
Fachetti – Não posso deixar de explorar e obter valiosas informações – como fiz aqui nas entrevistas necessárias com outros artistas – que fizeram seivosa e imprescindível passagem pelo Centro de Demolição e Construção do Espetáculo, capitaneado por Aderbal Freire Filho.
No seu olhar, aponte as impressões e aprendizados que obteve nesse templo cultural.
Claudio Mendes – Acho que para além de sua indiscutível contribuição artística para o teatro carioca, o CDCE contribuiu de forma definitiva para a política cultural da Cidade do Rio de Janeiro. Aderbal e mais de 40 atores, participaram da gestão de três teatros públicos (muitas vezes com nenhuma ou pouquíssima verba!), e nesses teatros desenvolveram uma ocupação plural, democrática, ética e consistente, cujos resultados reverberam até hoje.
O CDCE realizou espetáculos de reconhecida importância como “A Mulher Carioca aos 22 Anos”, “O Tiro que Mudou a História”, “Tiradentes – A Inconfidência no Rio”, para citar os que ficaram eternizados na memória da cidade. Mas o Centro, como chamávamos, também teve um programa muitíssimo consistente de intercâmbio que apresentou ao Rio o melhor da produção cultural do país, abrindo definitivamente as portas de nossa cidade para grupos como Galpão (BH), Bando de Teatro Olodum (BA), Grupo Piolin (PB), Poranga (AC), além dos internacionais Odin (Dinamarca), Munganga (Holanda), Abraxa (Itália), só pra citar alguns.
Além disso publicamos os “Cadernos de Espetáculos”, realizamos seminários, exposições, criamos uma biblioteca com 500 textos de teatro, sala de vídeo e até uma feira de livros na porta do Glaucio Gill. Participamos de ações como a da Cidadania Contra a Fome e Pela Vida do querido Betinho.
Era tanto teatro que se produzia no CDCE, que teve de se desdobrar em alguns subgrupos como a Cia do Paraíso (no foyer da Galeria do Carlos Gomes), tocado pelo Gillray Coutinho; o Teatro Carlitos (que era montado
com arquibancadas no palco gigantesco do Carlos Gomes); o Núcleo de Dramaturgia Inglesa, que se ocupava das montagens de Shakespeare e de dramaturgos contemporâneos ingleses (parceria com a Cultura Inglesa), que por sua vez gerou o Núcleo de Teatro a Céu Aberto, onde um lindo Teatro Elisabetano foi montado e circulou pela cidade do Rio de Janeiro (Museu da República, Uni-Rio, Centro Cultural dos Correios), ambos tocados pelo queridíssimo e saudoso Marcos Vogel; e por fim o Núcleo de Teatro Para Infância e Juventude tocado pelo Dudu Sandroni no Ziembinski.
Todos os atores circulavam por esses núcleos. Atores que trabalhavam incansavelmente ensaiando, estudando, desenvolvendo projetos, atuando em todas as áreas da criação, mas também organizando arquivos, fazendo contabilidade e até lavando privada. Tudo isso para falar da pluralidade de suas ocupações nessas gestões.
Mas penso que um dos momentos mais importantes da história do Centro, foi justamente quando deixou de realizar suas atividades, forçados pelo abrupto fechamento do Teatro Glaucio Gill pela FUNARJ. Naquele momento ficou muito claro para a sociedade a total ausência de uma proposta do Estado para a política cultural e por outro lado ficou claro a força do trabalho realizado pelo CDCE.
Em uma vigília na frente do Teatro Glaucio Gill, fechado, durante semanas, o grupo mobilizou a classe artística em sua representação mais plural, e trouxe para a discussão vários grupos de teatro, formadores de opinião, políticos, e com muito debate, muita celebração, muita arte e respaldados também pela presença de nomes de peso como Hebert de Souza (o Betinho), Lula, Benedita da Silva, propusemos à cidade um longo debate sobre políticas públicas que culminou com a criação de um longo e abrangente seminário realizado no Teatro Princesa Isabel, gentilmente cedido pelo querido Orlando Miranda, onde vários modelos de criação e produção artística e de gestão estavam representados.
Todo esse trabalho serviu de incubadora para a criação da Rede Municipal de Teatros, onde a partir do modelo proposto e desenvolvido pelo CDCE, foi elaborada junto a Secretaria Municipal e com a colaboração de Aderbal Freire Filho, Domingos Oliveira, Alcione Araújo, Marcio Souza, uma proposta para o teatro carioca: a criação de uma Rede Municipal de Teatros.
A então Secretária de Cultura, Helena Severo, depois de vários encontros com estes artistas, criou a rede, que contava com alguns teatros da Prefeitura e outros que foram encampados para este fim, e entregou a gestão destes teatros a reconhecidos diretores para que desenvolvessem lá, além dos trabalhos com as suas companhias, uma programação diversificada e de alta qualidade. Basta ver o resultado das ocupações de Domingos, no Planetário, do Abujamra com os Fudidos, no Glória, o Aderbal e o CDCE no Carlos Gomes para ter certeza de que esse modelo foi extremamente democrático e frutífero e serviu de referência à várias ocupações que se deram depois.
O Centro de Demolição e Construção do Espetáculo foi uma espiral do tempo (para falar também do símbolo que escolhemos para representá-lo!).
Afirmo, sem medo de errar, que muitos dos artistas que participaram desse movimento, sendo ou não ligados diretamente ao Centro, são os que ainda hoje estão por aí cobrando das autoridades uma política cultural pública consistente, plural, democrática, de acessibilidade. São os que estão reinventando o teatro a cada dia. Descobrindo novas formas de produção, criação e realização deste belo ofício. Esse sim, é o maior legado deixado pelo CDCE.
Fachetti – Claudio Mendes, ator, destaca nessa entrevista, três momentos cênicos, por sua relevância e influência para uma geração. Fale para nós sobre cada um desses espetáculos, e cite pontos nevrálgicos/cruciais que os diferencia dos inúmeros trabalhos efetivados na cena teatral.
Claudio Mendes – Então vamos na ordem cronológica:
“Bugiaria” – acho que o grande barato deste trabalho foi a força daquele coletivo de atores. A ideia em si não tinha nenhuma novidade. Eram textos históricos, narrados pelos atores. Cada hora um vinha à frente e dizia um texto, basicamente. Mas as “bugiarias” que criamos juntos para cada cena ao longo do processo de ensaio, é que foi se transformando no espetáculo que era uma unanimidade.
Cada um lançou mão de seus “truques”, daquilo que melhor podiam explorar das maneiras mais inusitadas e fomos colocando tudo isso em função do espetáculo.
A entrega total daqueles atores escancarando as incoerências, se permitindo uma liberdade total, um dispudor do ridículo, criaram o grande barato do espetáculo! Era isso que fazia com que a platéia viesse com a gente.
Se você tentasse acompanhar algum fio de história, achar sentido na narrativa daqueles documentos, não ia conseguir elaborar muita coisa. Mas ao se entregar à nós atores, o público vivenciava uma experiência muito pessoal, onde até os textos (ou pretextos se quisermos chamar assim!) ganhavam novos sentidos pela apropriação totalmente peculiar que cada ator fazia deles.
“Bugiaria” foi um espetáculo dos atores que o fizeram e por isso ele tinha tanta força e influenciou uma geração de atores depois.
“Pequenos Trabalhos Para Velhos Palhaços” – a história desse espetáculo é linda. Em 1999 nós ganhamos o patrocínio do CCBB para realiza-lo com direção de Luiz Carlos Vasconcelos. Já tínhamos uma carta assinada por eles. R$ 92 mil e poucos reais!!
Um pouco antes de assinarmos o contrato, o Luiz teve que sair do projeto para dirigir um projeto dele na Paraíba, o Riso da Terra. Por conta da saída dele o CCBB tirou o patrocínio. Acho que eles não estavam patrocinando o projeto em si, mas o Luiz, talvez! Ainda oferecemos Antonio Pedro, Tonico Pereira, Paulo de Moraes, como substitutos a ele, mas o CCBB acabou cancelando o espetáculo.
O ator Alexandre David, que foi o cara que nos apresentou o texto e teve a ideia de montá-lo no Brasil, tinha vindo de Paris com os últimos tostões para fazer o espetáculo. O Augusto Madeira, então, abrigou-o em sua casa e decidimos chamar o André Paes Leme para dirigir o espetáculo. Foi a decisão mais acertada que tomamos. Entramos numa sala de ensaio sem saber o que seria.
Depois de, se não me engano, uns 8 meses de trabalho, decidimos que estávamos maduros o suficiente para mostrar nosso trabalho e que iríamos participar do FRINGE – do Festival de Teatro de Curitiba.
No FRINGE, você ia por conta própria (passagem, estadia, alimentação). Eles te davam o teatro e uma sala de imprensa se você quisesse fazer a divulgação do seu trabalho. Decidimos fazer uma apresentação fechada no Sergio Porto aqui no Rio para arrecadar uma graninha para cobrir os gastos que tínhamos tido com a produção e assim fomos pra Curitiba!
O Gugu (Augusto Madeira) pegou o carro do Tadeu Aguiar emprestado e foi dirigindo até lá, depois de um longo dia de gravação. Eu fui jogando água na cara dele para ele não dormir no volante e íamos parando de vez em quando num boteco de beira de estrada pra um café! Ficamos hospedados em um colégio que o André conseguiu para gente!
O teatro que a organização do Festival nos colocou era longe do Centro, como se fosse assim a Cidade das Artes aqui no Rio, num domingo à meia-noite!! Tinham 4 pessoas na platéia! Nós éramos três atores! Uma dessas pessoas era o Sidney Cruz, que na época era responsável pelo projeto Palco Giratório do SESC e nos convidou para fazer parte do circuito naquele ano! O outro era Nelson de Sá, crítico da Folha de São Paulo, que deu uma capa da Ilustrada para falar dos dez melhores espetáculos do festival, no qual fomos incluídos entre os dez!
Com esse cartão de visitas de volta ao Rio, fizemos uma temporada no Teatro do Planetário, na época administrado pelo Domingos Oliveira. O ano era 2000! Nessa temporada recebemos ótimas críticas e aí não paramos mais. Pra encurtar, foram diversos Festivais de Teatro pelo país, Palco Giratório, Paris e Pau (França), num Festival de Teatro Português e uma histórica temporada que fizemos no Teatro Glória em que vendíamos ingressos a R$ 1,99 na primeira semana e que iam aumentando de valor ao longo da temporada até chegar à R$ 9,99. Casa lotada! Como eu e Gugu fazíamos um espetáculo no CCBB às 19hs, criamos um charme para temporada no Glória que era receber grupos de palhaços para abrirem o espetáculo e assim ganharmos tempo pra chegarmos no teatro via Aterro do Flamengo!
Se apresentaram: Anônimos, Marias da Graça, Doutores da Alegria, Gigantes da Lira, Palhaço Xuxu, Palhaço Mussarela, Cia Etc & Tal.
Todo mundo lembra desse espetáculo, pelo fato de que o público sorteava a cada noite quem de nós faria cada personagem! Havia um dado cujas faces eram as nossas fotos da carteira de trabalho e esse dado era jogado por alguém da platéia e assim determinávamos quem ia fazer que personagem a cada noite! Isso era surpreendente. Nós três sabíamos todo o espetáculo de cór. E as pessoas voltavam para ver as outras formações!
Tinham coisas curiosas. O Alexandre David fez, por 13 vezes seguidas o personagem Pepino, que era o último a entrar em cena e o mais velho dos três palhaços!
Havia um ventilador em cena que girava no ritmo dos sentimentos dos personagens ou das cenas. Mais tarde o Selton, que viu nossa temporada no Glória, acho que mais de uma vez, colocou essa idéia do ventilador no seu filme “O Palhaço”.
Ano passado comemoraríamos os 20 ano de montagem, com uma nova montagem, mas a pandemia não deixou. Estamos tentando agora para 2021. E daqui a 20 anos, quando estaremos todos com 70 anos, as idades mais aproximadas dos personagens, vamos fazer de novo!
É uma promessa que fizemos eu, Gugu, Alexandre e André! Os Orixás nos permitam que possamos cumprí-la!
“O Que Diz Molero”- Quando assisti em 1990 “A Mulher Carioca aos 22 Anos”, me encantei! Estava vendo o nascer de uma idéia desenvolvida lindamente pelo Aderbal, que era o romance-em-cena, do qual já se fizeram teses e estudos sobre.
Não poderia imaginar que 13 anos depois estaria fazendo com ele o seu segundo, e definitivo em termos de consagração, romance-em-cena!
Aderbal tinha comprado o romance Português de Dinis Machado em um sebo e guardou! Um dia decidiu fazer.
Meses e meses de ensaio no Casarão Austregésilo! Quatro horas e quarenta e cinco minutos de espetáculo, com dois intervalos! Fomos capa do segundo caderno, e considerados como “um dos melhores espetáculos dos últimos dez anos”! Seis atores, quase trezentos personagens! Só eu tinha trinta e oito! Fizemos várias temporadas no Rio. Uma delas no Teatro do Leblon, onde cada noite tínhamos um ator convidado lendo o Guarda da Última Fronteira, personagem do romance.
Leu com a gente Marieta Severo, Osmar Prado, José Mayer, Marília Gabriela, Camila Pitanga, Zélia Duncam, Giulia Gam e muitos outros.
Fomos ao Uruguai integrando o Festival César Campodónico, à Portugal, temporada de um mês de terça a domingo no Teatro D. Maria II!
Linda a história de Molero! Linda e definitiva! Quando você sobe hoje as escadas do Oi Casa Grande poderá ver uma foto nossa lá no alto – como o último espetáculo que encerrou as atividades do original Teatro Casa Grande, palco de momentos importantíssimos do nosso teatro e da luta de nossa classe!
Fachetti – Você é um artista com larga experiência nas diferentes linguagens que um ator “persegue” – teatro, tv e cinema – e que se adaptou muito bem em todas, com muita visibilidade. Como você diz: “Uma das características do meu trabalho sempre foi a diversidade”.
Discorra, através da sua vivência, nesses caminhos tão díspares , mas que ao mesmo tempo se convergem tão necessariamente para o artista, o que cada um norteia e desnorteia na construção da cena?
Claudio Mendes – O cinema é a arte do diretor, do diretor de fotografia, do editor! A televisão também, mas a TV é também a arte do autor. Nenhuma novela se sustenta sem um bom enredo e um bom texto! Já o teatro é a arte do ATOR!Televisão e cinema não são artes dos atores! Você pode fazer cinema e televisão sem atores, mas não pode fazer teatro! O ator de teatro fará cinema e TV com alguma facilidade, com pequenas adaptações.
O ator que só fez cinema ou televisão terá uma imensa dificuldade no teatro! Eu fiz muito cinema e muita televisão, trabalhei com diretores incríveis e dei a sorte de estar em trabalhos muito bacanas, com excelentes colegas e autores incríveis! Mas não há comparação entre esses trabalhos e as coisas que fiz em teatro. Eu acho que fiz crescer os trabalhos que fiz em cinema e TV, mas tenho certeza que as coisas que fiz em teatro me fizeram crescer!
Fachetti – Quando citou, destacando alguns espetáculos feitos como diretor, o que existia neles de mais tangível, valioso, para a cena teatral? Quais seriam os diretores que indicaram o caminho mais assertivo de uma direção, e porquê?
Claudio Mendes – Os diretores com quem eu trabalhei e que mais me influenciaram na direção foram o Amir Haddad, o Aderbal Freire-Filho, o Ilo Krugly e a Lucia Coelho. Com o Aderbal, eu entendi as infinitas possibilidades do palco. Aderbal é um metteur-en-scène de primeira. Sabe fazer a cena com os melhores e mais simples recursos que o teatro oferece.
Já o Amir me orientou na direção dos atores, no desmonte da máscara ideológica de cada um, no olhar sobre a dramaturgia, o autor e a sociedade que ele viveu, na equalização do conhecimento entre todo o grupo e no gerenciamento das emoções desses maravilhosos atores.O Ilo me ensinou a liberdade na criação, a permissão da fluência de um processo de criação de um espetáculo. Permitir que ele próprio vá achando o seu curso. Além do uso de todas as referências que possam ajudar a contar esta ou aquela história!
E a Lúcia foi o amor! Lúcia era amor! Foi isso que ela me deu, não me ensinou, que essas coisas de amor não se ensina. Mas ela despertou em mim.
Claro que eu já amava o teatro, mas não sabia nominar esse amor, dar voz à ele. E a Lúcia me encheu do meu próprio amor.
Fachetti – A grande Suzana Faini, encabeçou a obra literária “A casa de Bernarda Alba”, que você dirigiu – e eu experienciei a surpresa marcante na minha carreira, de estar em cena, fazendo intervenções com a dança flamenca, com música ao vivo – tocada pelo grande violista flamenco Allan Harbas.
Sua encenação dessa obra icônica foi bem peculiar. Fale desse trabalho – belo, necessário e de singularidade cênica.
Claudio Mendes – A Casa de Bernarda Alba foi um dos encontros mais importantes desses meus 35 anos de carreira.
Ele é um pouco uma síntese da minha trajetória no teatro. Síntese da alegria de realizar esse ofício e fazer dele um eterno exercício de novas descobertas, de amizade, de amor, de conhecimento, de liberdade e de prazer. E também síntese da minha luta diária para superar as dificuldades de realizar esse ofício, agravadas pela falta de transparência na política pública para a cultura do país.
Nós fizemos aquele espetáculo – que ocupava todo o palco aberto do Teatro Nelson Rodrigues – com uma linda cenografia de Ronald Teixeira e uma luz sensacional de Renato Machado, colocamos em cena 15 pessoas, entre elas você, coreografado por Tiza Harbas, duas referências na Dança Flamenca, e mais o Allan Harbas, violonista de extrema competência, tocando ao vivo as músicas compostas ou recolhidas no folclore espanhol pelo próprio Garcia Lorca!
A Verônica Fernandes e o Neko Pedrosa, nossos produtores, foram maravilhosos! Montar essa estrutura toda com R$ 80.000,00 e tudo dar certo?!! No amor?! E na competência! Esse trabalho foi uma escola pra mim em todos os sentidos!
Mas claro que o prazer maior foi dirigir um elenco de nove mulheres, nove atrizes incríveis, ter tido a oportunidade de dirigir a Suzana, que é uma atriz a quem eu sempre admirei e reverenciei, e que se deixou dirigir por mim de maneira generosa!
Nove atrizes de naturezas e origens tão distintas e um texto dos mais poderosos da história da dramaturgia. Uma escola!
Espetáculo “A Casa de Bernarda Alba”. De Frederico Garcia Lorca. Direção Claudio Mendes.
Na foto às atrizes:
Suzana Faini no papel título, e tendo ainda no elenco: Regina Gutman, Rosa Douat, Marianna Mac Niven, Rita Elmôr, Dayse Pozatto, Angela Bellonia, Célia Grespan, Jeanine Moreno, e também, Duda Sodré, Muriel Madlen, Cátia Ramos.
Participações especiais do violonista de Flamenco Allan Harbas e do bailarino e ator Francis Fachetti.
Fachetti – “Maria”, seu monólogo comovente, sobre vida e obra do compositor e cronista – Antonio Maria; minimalista, necessário etc.. está em cartaz no novo formato, com direção de Inez Viana, no Teatro Petra Gold, de 06 a 27/2.
Fiz a crítica teatral dessa cena, que está dentro desse Blog/Site. O que este espetáculo, que você interpreta de maneira etérea e com propriedade, te agregou? Um dos marcantes solos teatrais que será sempre lembrado.
Claudio Mendes – Levei 12 anos para realizar o “Maria”!
Desde 2006 eu colocava o projeto em todos os editais de cultura públicos e privados do Rio de Janeiro e nada! Nenhum deles nunca se interessou pelo Maria. Cheguei uma vez a ser aprovado por um edital do Estado mas depois me ligaram dizendo que havia sido um engano a minha aprovação!
Em 2018 eu resolvi finalmente fazer de qualquer maneira, sem nenhum recurso, chamei a minha amiga Inez Viana para me dirige, ela topou na hora! Foi uma parceira maravilhosa! E ainda me trouxe de presente Marta Paret de assistente, e a Maria Clara Valle – nossa violoncelista – que infelizmente não está conosco na temporada do Petra Gold. Inez trouxe uma plasticidade, uma leveza, uma inteligência para o espetáculo, que eu, pela minha proximidade com o material não teria tido distanciamento.
Arranjos para violoncelo sobre as canções do Maria, compostos pelo Ricardo Góes, maravilhoso!
Flavio Souza fez os figurinos. Silvana Andrade, minha prima e parceira querida, fez a programação visual e as mídias sociais e a Bárbara Montes Claros, fez a direção de Produção com amor e competência, tudo que se deseja de um bom produtor! Essa via longe! Fui indicado a dois prêmios (CESGRANRIO e Botequim Cultural) e Paulinho (Paulo César Medeiros) a um (CESGRANRIO). O espetáculo está vivo até hoje!
Minha mãe, D. Lêda, que era uma apaixonada pela MPB, já havia me apresentado o Maria compositor de Valsa de Uma Cidade, manhã de Carnaval, Suas Mãos.
Quem me apresentou o Maria cronista foi o Aderbal! Fazíamos um espetáculo chamado “No Verão de 1996…”, em que havia um personagem, feito pelo Zé Mayer, que era uma apaixonado por Maria e dizia trechos de crônicas suas!
Eu adorei e o Aderbal então me emprestou dois livros de crônicas dele, publicadas após sua morte (Maria, embora fosse um craque no manejo da língua brasileira, nunca teve nada publicado em vida, a não ser nas colunas dos jornais).
Minha alma colou na dele e a ideia de um espetáculo veio todo na minha cabeça. Mas só dez anos depois eu o transformei aquela ideia em projeto.
O SESC Copacabana, que estava há um ano fechado para reformas, viu no espetáculo a possibilidade de abrir as portas com um personagem tipicamente copacabanense (Maria viveu boa parte da vida em Copacabana!), e estreamos dia 01 de abril de 2018 no SESC Copacabana. De lá pra cá já foram 4 temporadas, sendo que a última no Teatro Solar de Botafogo foi interrompida no meio, por conta da pandemia.
Em compensação, agora em 2021, ano do Centenário de Antonio Maria, já temos essa temporada do Petra Gold, um circuito de viagens pelo estado do Rio pela Lei Aldir Blanc, um convite da Fundação Joaquim Nabuco para as comemorações do centenário em 17 de março no Recife e esperamos que venha muito mais! Maria merece essa homenagem!
Lembrando a todos, que a temporada que está acontecendo nesse mês, tem sua última apresentação nesse sábado, 27/02, às 20:00 hs, no Teatro Petra Gold. Presencial e online. Imperdível!
Essa valiosa entrevista, foi com o necessário artista de 35 anos de carreira, dono de um trabalho de diversidade no cenário teatral, abrindo com chave de diamante as entrevistas – meu querido, e um dos grandes da cena carioca: Claudio Mendes – ator, diretor e autor.
Na próxima quarta, 03/03, os holofotes das – Entrevistas NECESSÁRIAS – estarão direcionados para distintos universos artísticos.
Seu ofício, com mote no universo cênico; dança, teatro, e no cinema, é embasado por um cabedal de pesquisas, estudos e feitos marcantes, dentro e fora do Brasil:
Diretora teatral, coreógrafa e cineasta – Regina Miranda.
1 Comment
Gedivan Albuquerque
Que trajetória rica, querido Claudio. Vi uma parte desses espetáculos que você fêz e até hoje são referência pra mim, como ator e diretor. Estou compartilhando essa entrevista com pessoas da minha equipe de trabalho. É necessário conhecer tanta história de coragem e perseverança, com tanto pé no chão e uma infinidade de idéias na cabeça, azeitadas com o coração. Obrigado por mais uma vez me fazer confirmar meu objetivo de sempre. Viver da arte, com a arte.