Retrospectiva:
Bailaora e Maestra:
MARIANA ABREU – Direto de São Paulo.
Entrevista NECESSÁRIA – volta ao universo da dança – flamenco.
Sempre admirei, nos momentos que pude mirar, a energia que exala – essa moça/mulher, que tenho o prazer de estar no meu Blog/Site.
Mariana Abreu, com presença marcante em cena – expressividade teatral – que para mim é fundamental e de extremo necessário nessa arte.
Corpo diferenciado em esgares técnicos e de envolvimento, calcados na pesquisa, coragem de ser flamenca para nos encantar.
Experiência não falta e nem talento; Mariana Abreu é bailarina, diretora artística, coreógrafa e figurinista, maestra…
Mariana Abreu.
– Antes de entrarmos na retrospectiva de Mariana abreu faremos uma pequena atualização de alguns trabalhos efetivados neste momento. Mariana Abreu volta de Jerez dia 12/03.
São eles:
Mariana Abreu, que se encontra em Jerez/Espanha diz:
“Depois de 4 anos voltar a Jerez é emocionante. Ver que artistas e Companhias sobreviveram à pandemia e re (existiram) para fazer arte e criar novos mundos no mundo. Para eu estar aqui tem muito amor de muita gente que moveu esta realidade. Gratidão á todos”!!!
Através da arte flamenca viajamos com Dona Maria para a Espanha, sua terra natal.
“Mujeres De Agua”.
Mariana Abreu.
Mariana Abreu em “Hasta la peineta” – 2019.
Mariana Abreu em ensaio – 2019.
Entrando na Retrospectiva da – Entrevista NECESSÁRIA com:
MARIANA ABREU.
F.Fachetti – O amalgamar da tradição flamenca à contemporaneidade, é uma de suas metas, incluindo o corporal, com mote na cultura brasileira.
Nos desvele as peculiaridades desse seu trabalho.
Mariana Abreu – Há vários caminhos para se trabalhar com a linguagem flamenca e isso me fascina.
Para falar mais sobre este assunto, podemos primeiro conversar sobre “tradição”. O que atualmente chamamos de “puro” e “tradicional” vejo como uma estética que se firmou em determinado período histórico. Não é como o flamenco começou, e acho muito necessário conversarmos sobre isso, para não criarmos a castradora ideia de que há uma fonte da qual jorraria toda a “flamencura”, consequentemente, havendo os eleitos que dela bebem.
Cronologicamente, o hibridismo é anterior, e ao meu ver, está mais próximo da essência do flamenco do que estaria o purismo.
Uma arte, tão viva e imensa, não se trata simplesmente de reprodução de uma forma hegemônica.
Portanto, não tenho como meta esta amálgama, ela se dá naturalmente. Me comunico através do flamenco de forma híbrida, utilizando todas as influências que me constituem enquanto artista brasileira.
Cresci ouvindo Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e os ícones flamencos chegaram depois, mas não com menos impacto. Me arrepio da mesma forma ouvindo um cante ou um maracatu.
Para que as artes se conversem em mim sigo estudando, estudando e estudando um pouco mais. Afinal se trata de buscar sermos autênticos com responsabilidade, integridade, humildade e honestidade, reverenciando quem veio antes e semeando o amanhã.
Inmersión 2019.
Inmersión 2018.
F.Fachetti – Com sua experiência de cabedal oriundo de estudos, delineie um caminho para os iniciantes na complexa arte e compasso flamenco, que os ajude a “doutrinar” seus ouvidos bailando em compassos tão, quase “inatingíveis” – bailar flamenco é apaixonante, mas, exige obstinação.
Mariana Abreu – Vou citar a frase de uma amiga que tenho usado muito em sala: “se não é divertido não é sustentável”. Não que aprender Flamenco seja um passeio num parque temático. Mas, quando foi que limitamos tanto nossa percepção de diversão?
Superar uma dificuldade, trabalhar, refazer, suar nossas conquistas, aprender … tudo isso é maravilhoso e divertidíssimo ao meu ver.
Tem aluno que aprende mais fácil com a contagem milimétrica dos passos. Outros, precisam entender a musicalidade. Há pessoas que precisam criar para si narrativas internas, pequenas histórias. Acessar sentimentos mais subjetivos é o caminho de alguns.
Como professora, a responsabilidade em ser sempre aprendiz é ainda maior, pois, precisamos saber nos colocar em qualquer um destes caminhos junto com todos. Sabe qual sua facilidade? Potencialize e desfrute! Sabe seus desafios? Supere-os e desfrute da mesma forma!
Uma aluna me disse que “dançar flamenco é percorrer caminhos estranhos ao corpo, mas conhecidos da alma”. Você sente este encontro? Então, meu conselho seria seguir sua alma e se permitir viajar para dentro, por meio do flamenco.
Mariana Abreu em “Personas”.
Feira Flamenca 2019.
F.Fachetti – A oportunidade de nos embrenharmos no clã da arte flamenca – Espanha – nos empodera, e nos permite transcender na mirabolante façanha em adquirir a desejada técnica nos tornando “profissionais”. Para mim – Maestros Flamencos – são aqueles donos da cultura; somos apenas aprendizes vorazes e viramos professores – no meu olhar.
Na Espanha quem são esses Maestros que você mais aprendeu, te empoderou, que te fez sentir flamenca, e porquê? Cite pelo menos três e diga o porquê.
Mariana Abreu – Estudar na Espanha é uma meta para qualquer estudante de flamenco. Como berço deve ser visitado e reverenciado. Mas, conheço muitas pessoas extremamente comprometidas, estudiosas e que, por realidades financeiras, não estiveram lá.
Com a globalização temos a oportunidade de receber diversos professores no Brasil e seguir os estudos. O acesso à informação também está mais democratizado através da internet. Então as possibilidades, para mim, estão mais ligadas à conexão e à auto responsabilidade, do que a poder estar na Espanha.
Eu tive a possibilidade de estar lá por várias vezes e – a cultura sempre me foi grande maestra. Estar imersa na língua espanhola, na culinária, nas paisagens, tudo sempre me modificou enquanto pessoa e consequentemente como bailaora.
Pensando agora nesses maestros que tive, acho um tema bem delicado. Por que? Porque acho que são muitos os grandes professores que temos ao longo da carreira e muitas vezes citar somente alguns me deixa apreensiva. Também, pois acredito que a “vivência de maestro” é algo muito individual. Alguém pode ter tido um grande impacto na sua carreira e para sua colega ao lado foi somente uma boa aula, um belo baile coreografado. Mas vou citar algumas pessoas que reverencio e explicar os porquês.
La China foi a primeira grande maestra na minha trajetória. Além de ser grande bailaora, suas aulas são lições de flamenco e vida. Muito exigente consegue extrair da gente o melhor, pois, está completamente presente, com um olhar profundo para cada aluno.
Inmaculada Ortega é uma pessoa de uma doçura e atenção ímpares. Ser sua aluna é um aprendizado de como ser professora também. Além disso tive o privilégio de ser dirigida por ela como bailaora. Assistir a ela coreografando e dirigindo me ensinou muito.
Carmen La Talegona é a maestra que tira do eixo. Você acha que está fazendo algo bem? Espere até fazer a aula dela (risadas). E, mesmo dando umas doídas às vezes, sair da zona de conforto é o que nos impulsiona para frente. Então todos os encontros com a Carmen mudam a gente para sempre, nos fazem melhores.
SIM! – “Todos os encontros com Carmem mudam a gente para sempre” – ratifico. Eu vivi essa experiência aqui no Rio por alguns poucos anos.
Antonio Canales é maestro de gerações de maestros. Tive a oportunidade de trazê-lo ao Brasil em 2013 e foram dias de aprendizado extremo. Suas palavras, sua presença em cena. Compartilhar o palco com ele foi algo indescritível.
Alfonso Losa além de ser um bailaor incrível é, ao meu ver, alguém que nasceu também para a sala de aula. Então, sigo sendo sua aluna virtualmente quando não consigo fazer aulas presenciais.
Antonio Canales e Mariana Abreu – 2013.
Espetáculo de comemoração – 20 anos de carreira.
F.Fachetti – Fale para nós sobre o Grupo Soniquete Arte Flamenca e consequentemente o Estúdio.
Mariana Abreu – Imagina, que o Grupo Soniquete começou em 2002. Eu tinha apenas 21 anos e comecei a dirigir uma companhia. Então, os integrantes que por ele passaram, foram fonte de um grande aprendizado. Estar nesta posição me forjou enquantobailaora, professora e pessoa.
Tudo começou uns anos antes (creio que 1999 ou 2000) quando minha Maestra Verena Menichelli se mudou para Europa e me deixou como professora de algumas turmas suas em Valinhos – SP.
Ela me disse “Cuida deles senão te mato! São muito especiais”! (risadas). E eram mesmo.
Anos depois, fiz uma audição que resultou na primeira formação do Grupo Soniquete. Alguns integrantes desta, ficaram por mais de 15 anos. Como Carlinhos Rowlands, que foi também diretor coreográfico e professor no Estúdio Soniquete até sair em 2019.
Também, entraram no Grupo pessoas que vieram de um grupo de estudos que se formou na Unicamp e, que se tornaram também profissionais do flamenco como Sara Lima e Fabiana Ghisolfi.
Com a Fabiana, depois de anos seguindo caminhos diferentes, tenho o prazer de estar trabalhando novamente, a recebendo como professora no Estúdio e parceira em montagens artísticas.
Passaram pelo Soniquete grandes nomes do flamenco, muita gente especial. Eu amo trabalhar em grupo. Acho que a riqueza que cada um é, faz com que trabalhos coletivos sejam ricos, plurais, densos. Além de grandes aprendizados humanos. Ter companhia me fez ter a coragem necessária para empreender e, em 2009, abrir o Estúdio Soniquete Flamenco.
Foi e é um sonho concretizado com muito apoio da minha família. A casa era dos meus avós, meus pais ajudaram a reformar. Honro muito e agradeço pelos privilégios.
Ao mesmo tempo me desvela o quão desrespeitados somos enquanto empreendedores da arte neste país, quantos são os desafios que se apresentam.
Mas sempre sinto que, ter o Estúdio, me permite trabalhar cotidianamente nos meus sonhos artísticos e pedagógicos. Ver os alunos e artistas que por lá passam deixando suas histórias, oferecendo suas visões de arte, é o que me alimenta a alma.
Espetáculo “Madres” – Estúdio Soniquete, 2015.
“Personas”.
F.Fachetti – Sinceramente, diga como você vê o flamenco do Brasil? E quais os lugares mais expressivos dessa arte, e porquê?
Mariana Abreu – Vejo o flamenco brasileiro em pleno desenvolvimento. Temos grandes eventos, muitos professores sendo trazidos por produções locais, diversas escolas e profissionais reconhecidos nacionais e internacionalmente; bailaores e músicos brasileiros, triunfando na Espanha. Um cenário que tem muitos desafios, mas, que ao meu ver, prospera e floresce.
Senti isso muito na primeira edição do Inmersión, um evento internacional que produzo com Leila Vecchio desde 2018.
Como somos muito apaixonadas por esta arte, fizemos uma edição que reuniu diversos convidados nacionais, além dos convidados espanhóis – Jesús Corbacho (cante), Antonio Molina “El Choro” (baile) e Jesús Carmona (baile). Uma produção gigante para duas pessoas assumirem. E deu certo! Temos mercado, temos aficcionados, temos público.
Agora sinto que os próximos passos são em fomentar a cooperação e organização entre as produções e escolas flamencas de todo país.
Para responder à segunda parte da pergunta e complementar a resposta da primeira, quero contar um pouco sobre o Soma Flamenco.
Em 2020 promovi uma ação que visava receber o cantaor Diego Zarcón para uma aula de cante para os alunos do Estúdio Soniquete. Querendo agregar parceiros, fui falando com alguns profissionais, outros foram se engajando por conta própria e tudo virou um grande evento com várias escolas parceiras, muitos alunos, muitas pessoas flamencas envolvidas. E veio a pergunta após o encontro: vamos fazer o tão sonhado coletivo flamenco brasileiro? Vamos aproveitar esta reunião que foi a “limonada” que fizemos com os limões pandêmicos? Este foi o início do Soma Flamenco, um coletivo que reúne hoje mais de 100 pessoas que trabalham com flamenco em todo Brasil.
Estar neste coletivo me fez conhecer muito mais profundamente a realidade do flamenco fora de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Campinas e Curitiba – que são cidades referência – por terem um amplo cenário com escolas, tablaos e grupos reconhecidos.
Estes locais reúnem muitos profissionais mas há, em todo território brasileiro, trabalhos maravilhosos, grandes profissionais, pessoas que são referências nacionais e que tem projeção internacional.
“Flamencas 2019”.
F.Fachetti – Ministrou cursos no exterior – França e Itália – e ministra cursos no Brasil. O que você nos diz sobre o flamenco na França e Itália? Terminando, como está sendo se reinventar nesta pandemia? O que tem feito de trabalhos?
Mariana Abreu – Os cursos na França e na Itália foram uma experiência maravilhosa. Não tive uma visão ampla do flamenco nestes países, mas compartilhar o amor pelo baile com estrangeiros foi uma conexão muito bonita. As muitas dificuldades com as línguas foram todas mitigadas pela linguagem que nos unia: a arte flamenca.
Se reinventar em tempos pandêmicos, está sendo maravilhoso e horrível ao mesmo tempo. Possibilidades que estavam em segundo plano saltaram aos olhos e as agarramos com obstinação.
Tenho hoje alunas do Rio de Janeiro, de Ribeirão Preto, Salvador, Recife, João Pessoa e várias outras cidades até no exterior. Isso é mágico. Mas, não posso tocar meus alunos presenciais para corrigir. Dar aulas de máscara me levou a cantar menos em sala (percebi isso recentemente e com pesar).
Produzi mais cursos, podendo receber alunos de todo país, mas não podemos fazer o Inmersión em 2020.
Investi em diversos vídeos de dança, trabalhos que me realizaram muito, mas só me apresentei em um tablao, ao lado de colegas, uma vez no período de um ano.
Enquanto escola ficamos sempre à deriva com as instruções do poder público, que não quer o ônus político de fazer um lockdown, quando este seria necessário, e o isolamento se alonga no que parece ser uma pandemia infinita no Brasil – que passou de ser referência em vacinação para a desorganização e escassez que vemos agora.
Fazer arte para resistir e existir é o meu grande trabalho atualmente.
Flamenco na Catedral Metropolitana de Campinas.
Espetáculo “Nosso Flamenco”.
QualificaçõesProfissionais:
·Bailarina / Professora de dança flamenca / Diretora artística / Coreógrafa
·Figurinista.
·Realiza trabalhos artísticos a partir do universo flamenco, desde sua tradição à sua contemporaneidade. Também trabalha a linguagem corporal da fusão do flamenco com elementos da cultura brasileira.
Trajetória artística:
Iniciou seus estudos em dança flamenca aos quatorze anos. Em 1998, viajou à Espanha para aprimorar-se com professores como: Timo Lozano e Maria Magdalena.
Ensaio 2014.
De volta ao Brasil, ingressa no grupo profissional “Luna Flamenca Cia. de Dança” em 2000, recebendo premiações em festivais como o “Festidança” em São José dos Campos – SP. No mesmo ano inicia o curso de Artes Corporais na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), o qual concluiu no ano de 2004.