O Blog/Site começa com a retrospectiva das inúmeras Entrevistas Necessárias (78), feitas durante o período pandêmico com os diversos artistas do Universo teatral e da dança – incluindo tv e cinema.
Tem a honra e o prazer de desenredar a trajetória de vocação, talento e muito carisma, de uma das expoentes da arte dramática – televisiva, cinematográfica e teatral: Analu Prestes.
Atriz, cenógrafa, autora, figurinista e artista plástica. Começou sua carreira em 1971.
Uma atriz essencialmente de teatro, onde se firmou, e vem cintilando uma carreira cada vez mais expressiva com trabalhos peremptórios.
Na teledramaturgia fez e faz personagens impondo seu carisma com uma força naturalista, que a linguagem exige – uma linguagem que se difere muito dos palcos.
Alguns trabalhos no cinema também a notabilizou.
Sua trajetória teve início com a formação na Fundação Armando Alvares – FAAP, SP.
Contabiliza mais de 40 mil registros fotográficos, que acabou numa exposição em Londres.
Faz uma “exposição diária no facebook dos seus registros fotográficos inefáveis. Uma artista multifacetada.
– Entrando na Entrevista NECESSÁRIA com:
Analu Prestes
Francis Fachetti – Fale um pouco da sua formação na Fundação Armando Alvares – FAAP – SP. O que mais te marcou e contribuiu para seu despontamento, e certezas artísticas?
Analu Prestes – Fui para a FAAP com 15 anos, levada por minha mãe, para um curso livre para adolescentes de artes plásticas e teatro, cujo professor era o Naum Alves de Souza. Lá, eu encontrei a minha tribo. Encontrei o espaço para crescer livremente através da arte. Tive a certeza absoluta que era isso que eu precisava fazer na vida. Lá, eu convivi com artistas múltiplos como eu, que deram origem ao Grupo Pod Minoga, que fez história no Teatro Paulista.
Arquivo pessoal.
Francis Fachetti– Dentre seus prêmios em cenografia, gostaria que escolhesse um para falar, se aprofundar nele em sua importância cultural, destrinchando-o um pouco para nós.
Analu Prestes – Eu recebi três prêmios em cenografia. Um por: “ Clarice, um coração selvagem”, com Aracy Balabanian; “Uma noite na Lua”, de João Falcão, com Marco Nanini, e com “Sonhos para Vestir”, de Sara Antunes. Fui selecionada para a Quadrienal de Praga 2011, e trouxemos a Triga de Ouro para o Brasil.
Esta instalação – que eu criei para esse trabalho de Sara Antune -, foi muito marcante para mim, porque foi a partir de um conto de Bartolomeu Campos de Queirós, que eu me inspirei para criar aquele tecido bordado `a mão, de 3 m X 3 m, que só aparecia no final, e se transformava num rio de seda, que vinha por todo o espaço, até a saída – isso no SESC COPACABANA.
Tinha palavras, pássaros, flores e centenas de alfinetes, que alinhavava tudo isso. Tinha uns vestidos de papel feitos com cartas. Um baú de metal, um carretel de linha, e um grande caderno onde ela anotava as palavras que o público dava a cada performance. Um trabalho sobre delicadeza, origem, sonhos e amor. A cada dia um novo sonho tomava corpo. Foi um trabalho de integração total entre a Vera Holtz, que orquestrou o solo, a Sara, o Paulo César Medeiros, e eu. Criamos um céu de palavras iluminadas, em pequenos guardanapos bordados. Era tudo feito à mão!
Arquivo pessoal.
Francis Fachetti – Relembre, alguns personagens feitos na TV e no cinema, mais prazerosos de construir, e que marcou, como pessoa e artista.
Analu Prestes –Eu vou falar de dois personagens da TV:
A Vó Tita; de Além do Horizonte. Era uma curandeira que criou as 3 netas desde pequenas, e moravam numa cidade ribeirinha. Foi incrível passar uma novela inteira numa cidade cenográfica linda, como se eu estivesse no Amazonas, com seus mercados populares, sua igrejinha e aquelas casas todas construídas em palafitas. Essa Vó, era valente, peitava toda uma bandidagem que existia por trás da estória.
Outra foi a Shirley, de “Tapas e Beijos”. Amei fazer parte dessa série! Era uma cabeleireira que namorava o personagem SEU CHALITA, feito pelo maravilhoso Flavio Migliaccio. Comédia da melhor qualidade, com um elenco maravilhoso de comediantes. Uma personagem irreverente e assanhada!
No cinema, vou destacar “ASSUNTINA DAS AMÉRICAS”, de Luis Rosember. Foi para fazer esse filme, que eu com 22 anos, cheguei no Rio com meu JEEP FORD azul, e nunca mais voltei para Sampa. Eu estou aqui desde 1974. Essa personagem foi a mais louca, e livre que eu vivi. Um filme do underground carioca! Conheci o cinema carioca nesse trabalho. Assim comecei minha carreira nessa cidade.
AnaLu Prestes e Flávio Migliaccio.
Francis Fachetti– Você é uma artista aquinhoada de muito carisma – dentro e fora da cena – como esse carisma te favorece em linguagens tão distintas, em personagens na TV e no teatro?
Analu Prestes – Nossa! Acho que nem sei responder essa pergunta!! rsrsrs
Carisma, e muito trabalho para se chegar à uma personagem.
TV é muito diferente de Teatro. São trabalhos distintos de interpretação.
Francis Fachetti – Esses registros fotográficos, mais de 40 mil registros – que te levou para uma exposição em Londres. Conte um pouco dessa exposição, dessa experiência alhures, além do seu território.
Analu Prestes – Foi quando eu comecei a usar a fotografia como instrumento para fazer poesia. Eu acabara de me mudar de volta para o Horto em frente a entrada do Jardim Botânico. Fiz de um mapa mundi, uma dobradura de um barquinho, e entrei no Jardim para fazer registros da incrível viagem do Pequeno Barco, sempre em situações inesperadas, junto a natureza do Jardim. Um amigo do Flicks, site de fotografias, que trabalhava em Londres, me convidou para participar de uma coletiva de fotógrafos lusófonos em Londres, com essa série do Pequeno Barco. Foi muito incrível saber que esse meu barco cruzaria o Atlântico e ancoraria numa galeria londrina!!
Arquivo pessoal.
Francis Fachetti – Sua passagem pelo Teatro Oficina, revolucionou sua arte e o ser humano Analu. Estou certo com essa afirmação? Conte um pouco para nós dessa imersão.
Analu Prestes – Conheci o Zé Celso e o Oficina quando eles voltavam de uma viagem pelo Brasil com a peça “Gracias Senor”. Eu tinha 20 anos, fazia “O Casamento do Pequeno Burguês”, no porão do Teatro Oficina, com o meu parceiro Luis Antonio Martinez Correa, irmão do Zé Celso. Ele nos convidou a entrar no elenco de “Gracias Senor”, e daí eu tive a experiência mais revolucionária da minha vida! Eu entrei para um grupo que fazia laboratórios influenciados pelo Living Theater, eram as pessoas mais loucas que eu já tinha visto, libertas, lindas!!
Era o anti-teatro. Era o aqui e agora. Não havia “interpretação”. Era o contato direto com o público. Varávamos madrugadas ensaiando! Saí da casa dos meus pais, fui morar sozinha.
Em seguida fiz; ”As Três Irmãs”, no mesmo ano, 1972 e, ali, vivenciei muitos laboratórios com mescalina, para estudos dos personagens e universo Tchecoviano. Entrar nas entranhas daquela gente, daquele tempo que era também o nosso – experimentações. Isso tudo me marcou profundamente como artista e ser humano sem dúvida.
Analu Prestes – Arquivo pessoal.
Francis Fachetti – Assisti “Emily”, livre adaptação do texto de WILLIAM LUCE – por Eduardo Wotzik. Fiz a crítica teatral, desse encantador e indestrutível trabalho cênico, em nossas lembranças. Você leva à cena esse seu carisma, aliado a uma força dramática etérea. Fale sobre o processo de construção da personagem, e o que esse trabalho te despertou?
Analu Prestes – Emily foi um presente maravilhoso que o Eduardo Wotzik me deu ao me convidar para trazer a poesia e o olhar solar de Emily Dickinson, para o palco. Foi amor à primeira vista. Ela me despertou ainda mais o olhar para as pequenas coisas da natureza. Eu já estava fazendo um trabalho de poesia visual, dentro do Jardim Botânico, quando ela chegou e nos tornamos as “melhores amigas “. Decorei o texto, e fiz uma primeira apresentação no Jardim Botânico, debaixo de uma jaqueira para 15 amigos sentados no chão. Eu estava impregnada dessa natureza divina e solar que ela me trazia. Eu estabeleci um contato com os pássaros, as águas dos rios, os perfumes da mata para dizer sua poesia, e como fiz a direção de arte, eu levei para a instalacão cenográfica, elementos do Jardim – a árvore era um galho de goiabeira que amarrei flores secas e sementes que trouxe das minhas caminhadas lá. Esse trabalho me colocou num lugar de muita delicadeza, emoção e simplicidade. Um isolamento criativo. Um olhar para o futuro.
Analu Prestes – “Emily”.
Francis Fachetti – “As Crianças”, de LUCY KIRKWOOD, e “Tom na Fazenda”, de MICHEL MARC BOUCHARD – dois trabalhos dirigidos com maestria por Rodrigo Portela. Fiz também, imbuído de emoção, suas respectivas críticas teatrais. Espetáculos lancinantes, de beleza cênica e trabalhos interpretativos incontestáveis. Queira destrinchar, por favor, sua passagem na cena teatral, desses dois trabalhos cênicos de relevância indiscutível.
Analu Prestes – Quando recebi o convite para entrar no lugar da Kelzy Ecard, no “Tom na Fazenda”, que eu ainda não vira, eu quase tive um treco. Eu estava no camarim do Laura Alvin, vestida de homem para fazer o “NADA”.
Conhecer o Rodrigo Portela foi o maior presente dos últimos anos. Entrar numa peça como: “O Tom…”, em um mês, foi o ponto definitivo para eu pegar esse desafio. Porque era uma peça que você tinha um mar de lama para andar, uma personagem maravilhosa e desafiadora de viver, um jogo cênico fortíssimo, com um texto necessário de se dizer. É o teatro presente. O aqui e agora! Fiquei tão fascinada com o Rodrigo, que o convidamos para dirigir “AS Crianças”.
Queria viver o processo todo de criação com ele. E foi incrível! Foram 3 meses de mergulho profundo. Muitas conversas de vida, de memórias, num processo muito prazeroso de trabalho criativo. Gosto de sair sempre da área de conforto e arriscar mais, e o Rodrigo nos dá asas e conduz com muito talento e delicadeza suas direções.
Viver a Aghata e a Dayse, foi mergulhar em dois universos femininos arrebatadores. Duas mulheres com muita força dramática e muitas questões embutidas.
As Criança é um texto muito atual, e com questões tão profundas de ética, amizade, amor, casamento, redenção. A Dayse me levou para lugares emocionais, e de contenção muito fortes. Salto no escuro. Abracei com toda a verdade suas questões, suas limitações, seu amor a terra e a vida.
Analu Prestes – “As Crianças”.
Francis Fachetti – Terminando essa deliciosa entrevista; nos relate sua passagem nesse caos dessa tragédia sanitária. O que você conseguiu aprender, transformar, produzir, enxergar, e o que vai levar de mais valioso depois disso tudo, sim, por que mesmo diante de tanta malversação, temos a chance de transcender. Como está sendo isso para você?
Analu Prestes – Tínhamos acabado de estrear “As Crianças” em Sampa, no Teatro Eva Herz, para uma temporada de 3 meses, e viagens agendadas, quando veio a notícia do fechamento de tudo, de um vírus mortal. Voltamos muito assustados e muito tristes, por tudo o que estava por vir. No começo foi muito difícil. Muito difícil mesmo, porque além do vírus, ainda nos vimos num lugar de total descaso e abandono por parte do governo – sem perspectivas de retorno ao trabalho tão cedo, e com muita gente precisando de ajuda. Vimos muito de perto as diferenças sociais, a falta de respeito com o povo, o egoísmo. Tudo de ruim vem muito à tona nessas épocas de tragédias. Mas também vimos muita solidariedade, muito amor, correntes, para ajudar os que mais precisam. Isso me emociona e acalma a revolta que sentimos a cada notícia que você ouve de um país com um governo desses.
Mas depois de um mês, eu comecei a trabalhar aqui no meu ateliê produzindo umas colagens e fotografando naturezas vivas para falar desses tempos tão sombrios. Criar me acalma a alma, enquanto esperamos a nossa volta ao “Lar”. Um aprendizado lidar com a paciência, a espera, as noites insones, e transformar esse tempo em algo criativo. Tenho visto muitas lives de tudo! Música, entrevistas, peças e exposições. Porque só a arte pode nos salvar e nos transportar para um outro mundo.
Termino essa bela e necessária entrevista com chave de diamante, atualizando os próximos trabalhos recentes que essa operária das artes nos oferece:
– Gravando em Recife e Olinda a protagonista do primeiro longa-metragem de Mykaela Plotkin – roteiro e direção – chamado “SENHORITAS”.
Contemplado no sétimo Edital do Audiovisual de Pernambuco, onde está sendo gravado.
– Mykaela Plotkin finaliza um outro filme – um curta-metragem chamado “VERTICAL”, que foi rodado em Buenos Aires.
A roteirista e diretora do filme “SENHORITAS” Mykaela Plotkin de camisa listrada, junto ao elenco do longa-metragem “SENHORITAS”.
– No elenco: Analu Prestes na personagem “Lívia”; o grande ator Genésio de Barros, fazendo seu marido; a atriz Clarissa pinheiro, que faz sua filha; o ator Jão Compasso, seu genro e a menina Valentina Claude – que tem 4 anos e faz sua neta. E ainda a ótima e experiente atriz Tânia Alves, uma amiga que surge depois de 38 anos para sacudir a vida de Livia (Analu).
Elenco do longa-metragem “SENHORITAS”.
Clarissa Pinheiro, João Compasso, Tânia Alves e Genésio de Barros.
Elenco do longa-metragem “SENHORITAS”.
É um filme feminino sobre mulheres com mais de sessenta anos que trata da sexualidade, do prazer e do espaço que isso precisa ocupar na vida das mulheres.
A Direção de Fotografia é de Cris Lyra; Direção de Arte de Ana mara Abreu; Figurino de Andrea Monteiro.
Analu Prestes e Tânia Alves.
Na gravação: Clarisa Pinheiro e Genésio de Barros.
Com a menina Valentina Claude.
Analu Prestes e Clarissa Pinheiro.
Simplesmente:
Analu Prestes