CRÍTICATEATRAL
Por Francis Fachetti
Uma tarde com esses dois personagens, neto e avô, no apartamento do Sr. Antônio, 75 anos, que por não atender o celular deixa todos preocupados.
O que era para ser uma passadinha para ver está tudo bem, acaba virando uma conversa de vivências e aprendizado que abrange o passado, presente e o futuro, deixando para o público uma lição irrefutável.
Introduzindo essa prazerosa resenha/crítica desse necessário trabalho – confesso que me surpreendi com tudo – menos pela presença do ator Sávio Moll em cena, que já é lapidado pelo teatral em qualquer palco.
Gustavo Kaz entrou em contato comigo pelo instagram convidando para o espetáculo e fazendo elogiosos comentários sobre meu trabalho. Nunca tinha ouvido falar desse operário das artes. Fui, num calor horrendo, numa sessão às 18:00 horas, empurrado pela intuição, e o melhor, com o teatro cheio.
O universo é sábio e nos leva a lugares e momentos alvíssaros e surpreendentes.
“Na Minha Época” é um diferencial de tudo que está em cena na grade do cenário carioca.
Diferente na temática, na abordagem empática com o público através do texto em seu linguajar coloquial rico e reflexivo, no horário, enfim, nas escolhas de qualidade incontestáveis permeado por uma palavra difícil de reunir diante de tantos qualitativos: SIMPLICIDADE.
O espetáculo é um amálgama de bom humor com emoção, com reflexão, com concessões – direito ao outrem, sentimento, permissão – um presente calcado no simples rumo à felicidade e ao aprendizado.
O embate de gerações: etarismo e jovialidade em conflitos reais na família, acolhendo lindamente a discriminação aos idosos. Olhares díspares da masculidade, homofobia, mudanças recentes no mundo, as antigas manias e bordões, solidão e amor; tudo com muita acuidade, abarcado de maneira afetuosa, séria, ríspida, envolvente – em ensinamentos de extremo necessário para avaliarmos nosso sempre julgamento de valores que pode nos jogar num abismo sem fim.
Pontos de vistas com humor inteligente e com muito bom senso, nos emocionando a ponto de querermos ir correndo e dar um abraço forte naquele avô e naquele jovem encantadores.
Vale destacar a forma que o texto trata o etarismo – com respeito e includente. O respeito pelas opiniões se conectam através do amor, onde os dois personagens falam um para o outro: EU TE AMO!
A resistência em pronunciar essa frase por parte do preconceito do avô é quebrada pela sagaz e necessária doação que o neto vai enredando seu sanguinário idoso com grandeza e presença de espírito sem igual.
Sim, o espetáculo aposta na simplicidade eloquente, no que tem de mais verdadeiro nas conexões intergeracionais. Repito: Um diferencial na cena carioca.
A direção de produção de Carlos Motta é competente até no tratamento com o público, onde pude perceber sua doação – conexão direta do resultado do trabalho.
Constança Whitaker traz um figurino assertivo e confortante, dentro de uma cenografia também por Gustavo Kaz que refresca os olhos e traduz o seu texto narrado pelos seus personagens; de extremo condizente.
Nigga Albuquerque embala a cena com sua trilha sonora deliciosamente lúcida do contexto narrativo apoiado por uma iluminação de Peder Salles fazendo um lindo encontro em momentos cruciais com a música e com toda retórica textual.
A supervisão de texto é de Regiana Antonini, que percebeu a volorosa construção das palavras num desenrolar coloquial, com empatia e necessário de se ouvir – Gustavo Kaz inspirado e inspirador em sua escrita.
Gustavo Kaz mais uma vez na direção sabe enaltecer seu texto na condução de seus personagens, num movimento corporal cênico mega interativo com o público, deixando os atores muito naturais em seus posicionamentos corpóreos. Linda direção!!!
Mário Lucas (neto) é Pedro Motta. Pedro, vamos bater um papo? Acho que tenho muito que aprender com você enquanto ator. Eu também sou ator, quero aprender essa sua naturalidade cênica envolvente, uma dicção de veterano e um andar em cena de quem sabe o que faz no palco. Carisma? Pode abrir um quiosque que ficará rico vendendo esse carisma “assustador”. Bravo muleque!!! Claro que estou entrando numa brincadeira de pura verdade a partir do que preenche e fui feliz me permitindo invadir essa delicia vivida na cena com tanta naturalidade e verdade.
Sávio Moll!!! Preciso dizer que você é reluzente em cena. Seu avô é construído com habilidade dos que caminham nos palcos de inúmeros teatros – basta dizer que está em cena em três espetáculos diferenres, claro, em dias diferentes. Sabe seduzir e dar o tempo e a emoção das palavras na hora certa. Um destaque no cenário teatral onde nos deixamos embrenharmos pelo seu talento e vocação.
Vó Antônio vamos conversar nós três?
“Na Minha Época” é o diferencial da temporada carioca, onde eu torço para que os veteranos da cena se permitam a presenciar e entrar no mundo encantado e muito teatral e vá ao encontro da simplicidade – nua, crua, com verdade cênica que é movida pela vocação, sem grandes nomes na ficha técnica desse NECESSÁRIO e competente espetáculo doado por cada um desse operários da arte realizando essa jóia rara.