– Retrospectiva: Regina Miranda Cia. Atores/Bailarinos

Retrospectiva – Regina Miranda: Diretora da Cia. de Dança Atores/Bailarinos.

Em cena no recente espetáculo:

Olhos Da Pele”.

Antes de entrarmos na retrospectiva feita a dois anos, no meio da pandemia, iremos expor uma atualização – alguns trabalhos efetivados no recente momento.

Espetáculo “Naitsu”, que permeia sempre, volta e meia, está sendo reapresentado.

Com : Marina Salomon.

Espetáculo: “Romola & Nijinsky” – apresentado no maravilhoso

Castelinho do Flamengo.

Castelinho do Flamengo.

Olhos da Pele”.

Olhos da Pele”.

Olhos da Pele”.

Olhos da Pele”.

Olhos da Pele”.

Entrevista NECESSÁRIA, coloca no holofote à mulher – artista respeitada/reconhecida, empoderada, detentora de experiência e conhecimento adquirido ao longo de muita formação e trabalho.

Seu ofício, com mote na arquitetura cênica – dança, teatro, e no cinema – é embasado por um cabedal de pesquisas, estudos e feitos marcantes nas artes, dentro e fora do Brasil.

Diretora teatral, coreógrafa e cineasta:

Regina Miranda.

Regina Miranda possui Bacharelado em Dança pela State University of New York, Pós-Graduação em Análise Laban de Movimento, pelo Laban/Bartenieff Institute, de NYC, e Mestrado em Ciências pela GCU/Ken Blanchard School of Business, com foco em “Arte e Cultura em Processos de Transformação Social”.

Seu longo trabalho em artes cênicas é definido pela criação de performances encenadas tanto em palcos tradicionais como em espaços não convencionais, que instigam a plateia a interagir criativamente com a cena.

Espetáculo “Murakami: O leitor de sonhos” – Sesc-Rio.

Ricardo Kosovski em “Heliogabalo, o Anarquista Coroado” – 1980 – Teatro Tereza Raquel. Primeiro trabalho de Regina Miranda.

Regina criou e dirigiu mais de 40 espetáculos de teatro, dança e música cênica, com os quais ganhou inúmeros prêmios nacionais e internacionais. Seu trabalho mais emblemático é a “Divina Comedia”, realizada em 1991, com 146 atores e bailarinos, que ocupou todos os espaços do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e tornou-se um marco na história das artes cênicas no Rio.

Trabalhos mais recentes como diretora/coreógrafa, incluem: “Variações Freudianas” (Casa Laura Alvim, 2011), “Abram-se os Histéricos”! (CCJF, Espaço Tom Jobim, 2012 e Universidade Sorbonne, 2013); “Manuscritos de Leonardo”, (Espaço SESC/RJ – Prêmio Prefeitura do Rio, 2013); “Hilda & Freud” (Freud Museum, Londres, 2013); “Fear and Pleasure Finely Tuned” (Manhattan Movement & Art Center, NYC, 2014); “É sempre tarde demais para se falar de tempo” (2015, Fachada e foyer do Teatro Municipal do Rio de Janeiro).

2016, em NYC, dirigiu a grande instalação cênica imersiva “Inside the Wild Heart” (Immersive Gallery, NYC), sobre a obra de Clarice Lispector.

Em 2018, escreve e dirige “NAITSU: Noites com Murakami” (Casa Laura Alvim), indicado ao Prêmio Cesgranrio/ Melhor Espetáculo e considerado um dos – 10 Melhores Espetáculos do Ano – pelo Jornal O Globo.

Em 2019, escreve e dirige “Romola & Nijinsk”, que ocupa os 4 andares do Centro Cultural Castelinho do Flamengo, e é aclamado pela critica e público, valendo mais uma indicação ao Prêmio Cesgranrio/Direção de Movimento.

2020 foi dedicado ao cinema. Regina criou e lançou 4 curtas-metragens: “Vislumbres” (estreia Estação Botafogo, 4 Março de 2020); “Arranjos Afetivos” (Dixon Place, Set. 2020); “Water Clock” (Artists For Peace, Set. 2020) e “Reclusa”, recém estreado em NY.

Espetáculo “NAITSU, Noites com Murakami” – Dança: Os 10 melhores do ano, pelo O Globo. Indicado prêmio Cesgranrio, melhor espetáculo de dança e prêmio de melhor bailarina para Marina Salomon.

Espetáculo “Dentro do Coração Selvagem” – Immersive Gallery, NYC, sobre a obra de Clarice Lispector.

Regina é também autora de “Corpo-Espaço: Aspectos de uma Geofilosofia do Corpo em Movimento” (2008), “Laban Lead: Liderança como Arte” (2008) e “O Movimento Expressivo” (1980), livros que refletem sua pesquisa e contribuição ao campo Labaniano.

Espetáculo “Poema” – Oi Futuro Flamengo.

Ministra aulas e workshops e oferece conferências em diversas instituições, entre as quais a Universidade da Geórgia (US, 2010), Universidade de Berkeley (US, 2010), FGV Rio (BR, 2012), ), Fondazione Rosselli/Turin (IT, 2013), UFF (BR, 2014), UNIRIO (BR, 2015), LIMS NYC (US 2016/17) e Apollo Beijing (CHINA, 2019/2020).

Foi a idealizadora e coordenadora do Ateliê Coreográfico (2005-2009), referência brasileira em educação artística cidadã, e é Coordenadora Internacional e Professora da Pós-Graduação em Sistema Laban na Faculdade Angel Vianna/Rio de Janeiro.

Como gestora, atuou principalmente no Rio e em NYC, onde foi Diretora Executiva e Artística do Laban/Bartenieff Institute of Movement Studies (2001– 2019).

No Rio, desde 1980, é a diretora artística da Cia. Regina Miranda & Atores/Bailarinos, do espaço cultural LABAN-Rio (1994 -presente) e do Projeto Rio Cidade Criativa 2010-2020, que atua no desenvolvimento de processos de transformação sociocultural através das artes.

Entrando na Retrospectiva da

Entrevista NECESSÁRIA com:

Regina Miranda:

– Francis Fachetti – Sua experiência está totalmente amalgamada na criação, análise e processo de movimento LABAN. Como é o desenvolvimento desse projeto que visa transformar o social e o cultural através das artes?

– Regina Miranda Quando fiz meu mestrado, meu foco foi em Processos de Arte e Cultura na Transfomação Social. Na pesquisa, identifiquei a necessidade de se desenvolver processos criativos para fortalecer grupos, coletivos e organizações locais de forma horizontal na cidade e facilitar a conexão entre eles para que se forme um tecido cultural denso e colaborativo.

Como suporte para a gerência de conflitos, escolhi abordagens educacionais para a paz ancoradas no corpo.

O Sistema Laban foi o mapa para as experiências que desenvolvemos com grupos diversos do Rio de Janeiro. Embora estas ações, não sejam muito visíveis, talvez tenha sido das mais fundamentais, porque foi nesses encontros que pudemos ajudar a ultrapassar conflitos, evitar a violência e, com o trabalho de corpo aliado a linguagem, perceber a singularidade de cada indivíduo, como ela se organiza no coletivo e como achar pontes entre as diferenças.

Começamos a fazer esses trabalhos em 2001, em diversos workshops que desenvolvemos na sede da Cia, na Rua Alice, em Laranjeiras. Além de abertas ao público, estabelecemos parcerias com um projeto muito antigo, o “Se e essa rua fosse minha”, trabalhamos com várias escolas e também com professores do município. Com isso, tínhamos um público eclético, cuja presença era significativa.

Essa experiênca ganhou uma forma mais evidente em 2010 quando criei o projeto “Rio Cidade Criativa 2010/2020 Arte e Cultura na Transformação Social”, que reunia e articulava a experiência de artistas e de pessoas de diversos setores com às quais tinhamos trabalhado pontualmente.

Todos sabiamos que a arte favorece uma cultura de paz e a transformação de ambientes de conflito em ambientes de mútua atenção e colaboração. Restava colocar isso em ação, tornar isso público e criar uma rede colaborativa. Foi um projeto de muito sucesso, que cada vez encontrou mais parceiros e se multiplicou bastante na cidade do Rio de Janeiro.

Espetáculo “Poema” de 2016 – Oi Futuro Flamengo.

– Francis Fachetti – Como é essa experiência de ser diretora executiva em NYC e diretora artística em sua Cia. de Atores/Bailarinos do espaço LABAN Rio?

Regina MirandaPor 18 anos, ou seja de 2001 a 2019, eu levei uma vida dupla.

Quando fui convidada para ser a diretora de arte e cultura e diretora executiva do Laban Institute em Nova Iorque, que foi a instituição onde me formei como Analista de Movimento, fiz esta opção porque nunca desejei abrir mão da minha vida artística no Rio de Janeiro. Então, acho que me tornei pioneira no que agora é lugar comum: institui nos dois trabalhos à experiência do home office, que ainda era estranha para a maioria.

Me lembro de sempre falar para minha secretária em Nova Iorque: “Você não precisa dizer onde eu estou. Você diz apenas: ela vai retornar em 5 minutos”. Além disso, também passava 2 meses em Nova Iorque 2 meses aqui, o que tornava o trabalho muito intenso.

Na verdade, nunca separei a parte executiva da parte artística porque também no Brasil foi, e é necessário manter as estratégias de sobrevivência de uma companhia de dança e teatro independente, que acabou de completar 40 anos. Não basta fazer um bom trabalho, embora eu ache que essa parte seja o coração da nossa história, mas é preciso saber estabelecer parcerias duradouras e sempre pensar formas de sobrevivência que não nos afastem do nosso propósito. Eu sempre tive a sorte de caminhar pensando na arte e na sustentabilidade das cidades através das artes nos dois países que vivi.

Foi muito trabalhoso, é claro, e não apenas por causa das viagens, mas principalmente por constantemente precisar me ajustar à mudança cultural. Em Nova Iorque as formas de convivência são bem mais formais, principalmente dirigindo uma organização Internacional. Nossa maneira de atuar é fundamentalmente coloquial e fazer essa mudança de registro era estimulante, mas também bastante difícil.

Todas as idas e vindas me permitiram ter sempre uma visão crítica sobre os dois países.

Nos meus 40 anos de trabalho, acho que meu ânimo artístico se fortaleceu por viver num lugar onde a arte é muito importante, por ter no Brasil um grupo de artistas cuja escolha pelo trabalho que desenvolvemos é incomparável e enriquecedora, e também por fazer parte, por tantos anos – da rica comunidade das artes cênicas brasileiras.

Acho, que talvez eu tenha mantido a minha resistência pelo desejo de que no Brasil, à nossa arte, que é tão rica, encontrasse uma visão governamental que entendesse o seu valor. É um desejo muito profundo ver o governo brasileiro, em todas as suas instâncias, trabalhando claramente como parceiro das artes e percebendo como as artes são vitais para a identidade do país, sua sustentabilidade e manutenção de uma cultura de paz. Ainda tenho esperança que isso venha a acontecer.

Espetáculo “Murakami: O Leitor de Sonhos” – 2016, Sesc RJ.

Fale um pouco de seus dois livros de pesquisa no campo Labaniano:

Entre algumas peças de teatro à inúmeros artigos, ensaios e conferências publicadas em revistas internacionais, escrevi 2 livros diretamente relacionados ao campo Labaniano.

O primeiro foi um livro editado em 1980 pela Funarte, que pude escrever graças a um edital que ganhei quando cheguei aqui depois de estudar em Nova York. Na época eram pouquíssimos os livros teóricos de dança em português e percebi que isso era necessário para que artistas da dança pudessem estudar e ter uma voz própria. No lançamento deste livro introdutório – “O Movimento Expressivo” – aconteceu a primeira performance interativa da companhia.

Bem mais tarde, em 2008, lancei “Corpo-Espaço: aspectos de uma geo-filosofia do corpo em movimento”. Como o título indica, trata-se de um livro que reflete a minha pesquisa teórico-prática das correlações corpo espaciais e minha colaboração conceitual ao Sistema Laban. É bastante filosófico, mas é uma filosofia encarnada. Um de seus últimos capítulos exemplifica como os conceitos foram experienciados e encarnados em diversos espetáculos.

Mas escrevi também um pequeno livro que, na verdade, não é vendido separadamente mas acompanha alguns workshops que ofereço.

Chama-se “Laban Lead: a liderança como arte”. É baseado no Sistema Laban, mas trata-se de uma aplicação do sistema na educação para a liberdade, um conceito importante para que lideranças possam emergir. Este livro foi fundamental para o projeto “Rio Cidade Criativa” e, mais ainda, para o “Atêlie Coreográfico”, um projeto educacional que desenhei e coordenei de 2005 a 2009, que favorecia cerca de 100 pessoas selecionadas por ano para aulas intensivas de dança, entremeadas a outras artes. Nele foi possível experienciar com sucesso a ideia de lideranças colaborativas.

– Francis Fachetti – Curiosamente, participei de uma montagem de enorme impacto e expressiva da – “Divina Comédia, de Dante Alighieri – em Brasília, quando integrava a significativa Cia. Regina Maura, que existe lá, com trabalhos diferenciados.

Você montou essa cena aqui, sobre a “Divina Comédia”, no MAM – um marco na história cênica da época. Por favor, nos fale dessa irrefutável literatura em seu olhar.

Regina MirandaA Divina Comédia foi de fato um marco importante nas artes cênicas do Rio de Janeiro.

Quando eu comecei a fazer a Divina Comédia, ou não, eu nem pensava em fazer a obra toda, mas depois foi tão fascinante com as pessoas, e eu dei 2 aulas explicativas sobre a estrutura da Divina Comédia no MAM – muita gente foi nessas 2 aulas, mas muita gente mesmo, assim como se fosse um espetáculo.

Foram 2 aulas – e é um trabalho que começou com 6 pessoas, terminou com 146 atores e bailarinos, e 34 artistas plásticos – tudo isso no Museu de Arte Moderna, onde eu trabalhava na época, mas, mesmo montando capítulo por capítulo, eu não estava chamando de Divina Comédia, porque é uma tal responsabilidade, que eu evitava chamar assim. Mas nenhum capítulo foi deixado de fora.

Até que um dia o Marcos Lontra, que era o diretor do MAM na época, me chamou e, na frente de várias pessoas, me perguntou: “Regina você já percebeu que está fazendo a Divina Comédia”? “Você tem que tomar coragem, porque é o que você está fazendo!’ De repente, ficou claro que eu precisava realmente assumir isso, e não foi fácil, mas foi maravilhoso!

A Divina Comédia foi produzida totalmente através de parcerias, com muitos e muitos parceiros. Mas tudo funcionava porque tem coisas que são abençoadas! Eu morria de medo porque era uma montagem tão, tão grande! Ocupava desde as dependências internas do MAM, os jardins e salas de exposições até o telhado. Tínhamos 8000 m² de cena e tanta chance de dar errado que eu pensava, se der errado, vou ter que mudar de cidade’! Mas o espetáculo ganhou a cidade de uma maneira que eu só conheço o carnaval. Todo mundo sabia que a Divina Comédia estava acontecendo, e todo mundo aplaudia! Tem até uma brincadeira entre atores e bailarinos que separa “os que fizeram e os que não fizeram a Divina”

Para todos que participaram, tanto como artistas e técnicos, quanto como plateia, foi uma experiência muito transformadora desde o seu processo até sua realização.

Nos 4 meses de ensaios diários de 8 da manhã às 10 da noite, cada vez que vinha mais gente ensaiar e as pessoas começaram a ganhar os seus próprios espaços. Foi lindo ver crescer o espetáculo organicamente, ver o espaço começar a ganhar corpo de uma forma natural, até que quando chegamos aos ensaios gerais, a maioria já havia trabalhado nos próprios lugares. Além de atores e bailarinos, artistas plásticos foram também parceiros incríveis e toda a equipe do MAM trabalhava a favor, e tinha orgulho do que se estava fazendo. Eu já tinha uma relação muito boa com o MAM – mas a partir da Divina Comédia o museu se tornou de fato um parceiro abençoado porque tudo que eu faço lá dá certo!

Espetáculo “A Divina Comédia/Purgatório” – 1991, MAM – RJ.

– Francis Fachetti – As performances/espetáculos capitaneados por você, em diferentes espaços, palco ou não, devem ter reações diversas peculiares. Cite alguns exemplos e fale dessa necessária atitude enquanto diretora.

Regina MirandaQue bom você perguntar sobre isso, porque acho que há uma ideia de que diretores trabalham de uma só maneira. Não é o meu caso, mas existe uma constante.

Quando penso um trabalho, a primeira coisa que preciso decidir é sua espacialidade, qual o quadro geral onde se passa a ação. A partir daí, existe em mim uma disposição imensa para trabalhar atores e atrizes. Busco compartilhar o que penso de cada papel em cena e também o conhecimento do espetáculo como um todo. Para isso, em geral sugiro um bando de possibilidades, levo para ensaios livros e uma série de sugestões e referências e o conhecimento vai trazendo propriedade.

Nesse processo, atuantes também me levam a lugares que eu não tinha pensado e começamos juntos a delinear o nosso terreno de atuação. Este intenso trabalho de compreensão, vai desde os possíveis sentidos do texto aos mínimos detalhes de tonalidades, tempos de voz e dinâmicas corporais. É através das experiências que fazemos, que ganhamos conhecimento e tecemos estratégias para chegar ao espetáculo que desejamos apresentar.

Cada espetáculo meio que exige uma determinada forma de ser trabalhado, dessa forma nos descobrimos no próprio ato de fazer.

Eu me lembro de um trabalho – “Noturno”, de 1985, cujo tema axial de movimento era uma corrida permanente. Era então necessário a preparar o corpo para dançar e correr durante quase 1 hora – para isso, desenvolvemos um trabalho técnico muito específico, que não existiu em outros trabalhos.

Já na Divina Comédia, tanto a danação eterna, quanto o êxtase paradisíaco, eram estados de ser muito difíceis de manter durante 3 horas de espetáculo. A prática cênica foi muito particular daquele trabalho, com inúmeros trabalhos de sustentação de situações extremas – tanto infernais quanto sublimes – e durante mutas horas.

Em “P.O.E.M.A”, um trabalho de 2016, a música e o espaço cênico eram modificados através de computadores de forma auto-generativa.

Resolvi então aproveitar a oportunidade para experimentar uma nova forma de composição, similar a usada para as imagens e para a música. Criamos então 200 células de movimento com mais ou menos 7 a 15 segundos que eram reorganizados na hora pelas bailarinas (Patricia Niedermeier, Marina Salomon e Marina Magalhaes) em resposta as imagens da realidade virtual. Trabalhamos muito para que cada célula ficasse precisa e bem encarnadas, para que pudessem ser reorganizadas de forma fluente no espetáculo, como uma co-criação do momento.

Espetáculo “Poema”.

Fachetti – Dirigiu e escreveu “Romola & Nijinsky” – que tive o prazer de assistir e fazer uma crítica teatral. Uma cena que incluía o teatro e a dança, de maneira bela, inventiva, sensível, densa, dentro de uma geografia desafiante: Castelinho do Flamengo. Conte o que puder desse necessário espetáculo.

Regina MirandaRomola & Nijinsky foi criado em 2019, mas teve um longo tempo de gestação, principalmente no trabalho de texto. Após ensaios com referências de palcos mais tradicionais, à sua forma final acontecenu na hora em que decidi que iria ocupar os 3 andares e todos os espaços do Castelinho do Flamengo.

Quando essa ideia começou a despontar fui visitar o Castelinho, e o espaço organizou a cena. Aquela casa que é mais ou menos da época da montagem, com todas aquelas belezas arquitetônicas, que estavam escondidas, aquela caixinha de jóias maravilhosa – me deu vontade de trazer à luz essa história de amor, loucura e dança. Eu comecei a desenhar as cenas na própria visita. Eu não parava de desenhar! Parecia que o trabalho estava só precisando do espaço para ganhar forma!

Nossa abordagem não era naturalista, a começar pela escolha do Antônio Negreiros como Nijinsky, que era um bailarino de baixa estatura, e o Negreiros tem 1m90. Acho que ficava claro que eu havia escolhido um bailarino-ator e não um ator que se parecesse com Nijinsky.

O que me interessava era a alma, a poesia de energias dos encontros e desencontros com Romola, encarnada brilhantemente pela Marina Salomon, uma artista parceira e amiga de longa data a quem eu podia fazer a proposta de encarnar uma mulher que a maioria das pessoas não gostava.

Com Romola acontecia uma coisa um pouco como com Yoko Ono, que teria sido a mulher que acabou com os Beatles. Essa era mesma ideia: Romola, foi acusada de ter acabado com a carreira do Nijinsky, o que não é verdade! Quem acabou com a carreira dele foi Diaghilev, seu ex-amante, que fechou todas as portas dos teatros para ele – e também a doença mental, que já tinha dado sinais desde sua infância. Certamente, acho que a grande paixão que Romola sentia por Nijinsky fez com que possamos saber muito sobre ele, como pessoa e bailarino.

Foram os livros que ela escreveu que nos abriram as portas de sua vida. Então eu queria restabelecer a reputação dessa mulher através de uma atuação sensível e inteligente.

Romola & Nijinsky” foi uma produção que se tornou possível pelas lindas parcerias. Todos os objetos artísticos que existiam na cena foram emprestados por amigos e se constituiam em uma fantástica exposição de arte. Na verdade, a ambientação de Raquel Guerreiro ficou tão perfeita na casa que muita gente pensava que era da própria casa. Além disso, um trabalho envolvente do artista plástico Amador Perez, já transplantava e imergia a plateia em um outro tempo desde a primeira sala. E em todo o exterior do Castelinho, a luz belíssima de Paulo Brakarz tornou a casa um ponto de atração turística. As pessoas vinham tirar fotos e indagavam o que estava acontecendo. Muita gente foi ver a peça por causa dela!

Infelizmente, o Castelinho precisava de reformas estruturais no telhado e não pudemos estender a temporada. Espero que elas sejam feitas, porque o Castelinho precisa ser mantido como espaço cultural e patrimônio arquitetônico da cidade.

Espetáculo “Romola & Nijinsky”, 2019, Castelinho do Flamengo.

Com: Marina Salomon e Antonio Negreiros.

Fachetti – 2020 – ano da crueldade de um vírus e da humildade de reconhecermos os nossos limites. Você criou, aportou no cinema 4 curtas-metragens. Pode falar um pouco sobre cada um?

Regina MirandaA vontade de experimentar a linguagem cinematográfica já existia há algum tempo. Depois de ter por diversas vezes incluído imagens nos meus trabalhos cênicos, eu precisava estudar mais – e estudar fazendo. Em 2018, escrevi um roteiro sobre a amizade entre as escritoras Clarice Lispector e Maria Telles Ribeiro – uma amizade com a qual eu convivi quando eu tinha uns 20 e poucos anos. Eu queria falar dessas escritoras enquanto jovens, mostrar Clarice em seus primeiros anos como escritora, quando ela ainda não era célebre, mas quando seu desejos e angústias já se faziam presentes.

Clarice e Maria se conheceram no exterior, quando ambas eram casadas com diplomatas brasileiros e eu também desejava trabalhar esse ambiente, que eu conheci bastante; como essa vida no exterior iria moldar a escrita e as pessoas; como entre elas já se apontava, como ambas iriam produzir artisticamente.

Vislumbres” é falado em linguagem poética, em textos fundamentalmente adaptados da poesia de Maria Telles Ribeiro, que em um de seus livros, dedica um capítulo à Clarice. Assim, o curta apresenta mais uma visão da Maria sobre à sua amiga e a amizade entre ambas.

No dia 4 de março o filme estreou no Estação Botafogo, numa sessão linda cheia de gente e muitos amigos e amigas, e logo depois os cinemas se fecharam. Pude fazer algumas seções online e foi interessante ver como as pessoas se afetam com a proximidade do filme em uma plataforma online. Parece que as pessoas ficam mais à vontadde para conversas diversas. Lembro especialmente de uma live que fiz para alunos do segundo grau de uma escola do Rio. Foi bastante tocante sentir como o filme tinha afetado esses jovens; as perguntas denotavam compreensão, criatividade e interesse, e vi como o encontro com a juventude de uma escritora jovem que se torna uma grande artista brasileira tinha sido motivador.

Vislumbres” – primeiro filme de Regina Miranda, lançado no Estação Botafogo, 2020, antes da pandemia.

Arranjos Afetivos” foi um um estudo sobre como à nossa permanência em casa nos faz conviver de maneira diferente com os objetos e com o próprio espaço da casa, que de súbito se tornou cena.

Arranjos Afetivos” foi criado para ser visto em computador e/ou celular. Eu queria uma plataforma que mantivesse uma relação próxima e corriqueira com o filme. É o que estamos vivendo. E o filme indaga de que maneiras vamos rearrumando os nossos afetos em relação aos objetos e lugares das nossas casas agora ampliadas poeticamente.

Marina Salomon no curta “Arranjos Afetivos”, estreou em setembro de 2020 – no Crossing Boundaries, NYC.

Water Clock” é uma retomada do tema da água, que é um tema recorrente na minha obra. É uma olhada nas profundezas, na questão do tempo da vida com o qual nos confrontamos mais drasticamente neste período, e da água, como possibilidade de energia corporal e do estado de fluir e reter. Acho que basicamente estou trabalhando com o fluxo de tempo, em termos de alargar e precipitar o tempo e também essa sensação de diluição desse tempo pelos dias similares, que nos faz perguntar – que dia é hoje mesmo?.

Nosso tempo interno/externo mudou muito durante a pandemia e este trabalho reflete sobre isso.

Fotos com Marina Salomon e Patricia Niedemeier – no curta-metragem:

Water Clock”.

Fotos sobrepostas com Marina Salomon e Patricia Niedemeier no curta:

Water Clock”.

Reclusa” aponta que, além da reclusão em casa, há a sensação de reclusão nas próprias ruas da cidade, cujas fronteiras se tornaram mais fechadas.

O mundo está mais dividido, há um medo de quem pode entrar e trazer o vírus, mas ao mesmo tempo estamos sem fronteiras porque nossas formas de viver o mesmo mal são semelhantes.

No filme, ganhamos intimidade com uma mulher na sua casa, trabalhando sozinha em seu estúdio, caminhando pela sua cidade. Foi bastante fascinante porque “Reclusa” foi filmado em Paris durante o lockdown, com direção remota do Rio de Janeiro e isso deu uma atmosfera especial ao filme. A Paris vazia, a Torre Eiffel, que é um símbolo de boas vindas do turismo da cidade, agora com a frase “Fiquem em casa”, tudo foi bastante forte. Então procurei trabalhar essas 3 geografias onde o movimento está presente tanto na bailarina que dança em sua casa, como em seu olhar nos passeios na cidade que se sente mais distante, limpa, vazia, praticamente sem pessoas cruzando.

Assim, os 4 filmes acabaram sendo, de uma maneira ou de outra, maneiras de trabalhar minhas próprias sensações nesse ano tão atípico na minha vida e na vida de todos.

O que talvez eu tenha conseguido fazer de melhor durante esse período foi realmente mergulhar na pesquisa visual, na prática da direção de cinema. Não sei de que maneira essa experiência vai ficar… se vai ser um novo caminho ou um caminho que vai se articular ao do palco, que vai voltar por dentro de espetáculos, mas quem sabe? Talvez seja um abraço continuo de investigação artística.

 

Equipe do curta-metragem: Gerald Proux – câmera; Adriana Nolasco – edição; Clement Nadine – captação de som; Angela Loureiro – atriz/bailarina.

Atriz/Bailarina: Angela Loureiro.

Still do filme “Reclusa”, que estreou em janeiro de 2021 no www.artists4peace.org

Essa foi a – Entrevista NECESSÁRIA – de uma empoderada mulher das artes, em seu ofício, com mote nas artes cênicas – dança, teatro, e no cinema – é embasado por um cabedal de pesquisas, estudos e feitos marcantes nas artes, dentro e fora do Brasil – Diretora teatral, coreógrafa e cineasta.

Simplesmente:

REGINA MIRANDA.

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