– CRÍTICA TEATRAL: “Restos Na Escuridão”.

 

Fiquei perplexo com tanta beleza na simplicidade de um arcabouço teatral calcado na acuidade, destrinchamento, pesquisa, conversa com espectador, descobertas num potêncial cênico de extremo necessário para realidade cultural a que foi engajado:

O Teatro investigativo nas obras literárias dos expoentes dramaturgos visionários – assim se coloca o experimento de olhar desvelador, que segue métodos: “RESTOS NA ESCURIDÃO” -, com a necessária presença cênica de Carolina Vigüez, no capitanear de Fábio Ferreira também responsável pela tradução, totalmente inspirado na qualidade, comungando com a linda, milimétrica direção de movimeto de Paulo Mantuano.

O espetáculo/investigação reúni três obras curtas do dramaturgo irlandês Samuel Beckett – dando voz a literatura enigmática e de abissais descobertas desse autor do teatro do absurdo com suas conjecturas que opulenta as artes feitas pela literatura.

Essas três obras curtas são: “Não Eu”, “Cadência” e “Passos”, são realizadas num fluido artesanal, tomando um caminho metafìsico – o indivìduo tentando ser entendido e versado estudando a existência do ser.

Um trabalho polissêmico – as diversidades humanas, formas de pensamento, crenças, produções materias e simbólicas, diferentes modos de vida… -,  onde os signos conversam em plena harmonia com o visagismo meticuloso e pesquisado de Cleber de Oliveira, e na iluminação de presente sensibilidade nas mãos de Renato Machado; assim como na  criativa instalação cênica por Fábio Ferreira e  figurino assertivo por Luiza Macier que convergem perfeitamente com o processo desenredado.

Felipe Storino em sua direção musical pontua o visual corpóreo da atriz com seu trabalho marcante, alentando a obra.

Fábio Ferreira imprimi um histrionismo na medida certa através da intérprete, dando o caráter investigativo, o estudo cênico, o reverso da cena, as materialidades e intuições cênicas através do não explicito para construir o teatral em Beckett. Coloca a força da dramaturgia nas inserções da atriz com sua visceral vocação que constitui o teatral.

O diretor transforma o “ensaio” num espetáculo reflexivo e inquietante.

Fábio Ferrreira capta e põe em ação o clima minimalista contido nas obras Beckttianas inundando a cena com as caracteristicas do teatro do absurdo, própria do dramaturgo.

A dramaturgia por Fábio Ferreira e Carolina Virgüez é deliciosamente aclarada e conectada com espectador – como numa conversa informal –, e no cerne dos textos de Beckett. Um processo que nos instiga pelo teor literário apresentado com uma certa didática, e na presença flexível, firme na sua convicção cênica, que a atriz de porte indelével nos conduz.

A atriz Carolina Virgüez com seu trabalho envolvente e impactante expõe o tamanho e o porquê de tanto talento e vocação – numa personagem de construção imagética em movimentações que mescla o sutil às irrupções: súbitas/impetuosas, alusivas, em diálogo com o escultórico trabalho trazendo um desbravar clássico e comovente nos levando à reflexão.

Carolina Virgüez conta durante o espetáculo: “Uma noite em São Paulo, após o espetáculo Caranguejo Overdrive, a Maria Alice Vergueiro, que estava na plateia com Luciano Chirolli, me chamou e disse: “Você tem que fazer o NOT I, do Beckett”. Fiquei super emocionada e pensei que um dia poderia de fato fazer essa peça.

Em 2019 Fábio Ferreira – que estava terminando o Doutorado na Dinamarca -, dedicado à obra de Beckett e pontualmente a esses três textos, me ligou para propor o projeto”.

Os textos são clarões de memórias, resíduos de pensamentos, não lineares, com repetições, sem uma sequência. Extremamente difíceis, num tempo lento, fragmentado. Carolina me disse:

“A sensação é que estou caindo dentro de uma cavidade escura, sem freios, sem amarras, no fundo de um abismo. Sei da grandeza e genialidade do autor, e o que estamos fazendo é criando uma relação mais estreita… poder tocar um Beckett. Digo tocar porque é quase uma música, uma música que toca o inominável”.

O texto “Cadência” trabalha com a imobilidade, a repetição, onde a cena se desenvolve no minimalismo.

O texto “Passos” tem um corpóreo mais desenhado. Cada passo é marcado pelo autor, assim como as pausas. Percebe-se uma técnica estudada para se execultar.

O texto “Não Eu” é o de maior complexidade, falando ininterruptamente, quatro pausas marcadas pelo autor.

 

“Restos Na Escuridão – Engenharia Reversa”, é um invertigar submerso em um engendrar minucioso, reflexivo, descobridor, necessário sobre a vida e obra de um dos instigantes autores de uma linguagem que queremos muito  entender, desvestir, desvelar – Teatro Do Absurdo.

Um trabalho cênico no âmago do corpo, da alma, junto com o público presente, no afrontar-se reflexivamente.

 

Fábio Ferreira – Direção; Tradução; Doutorado na Dinamarca sobre a obra de Samuel Beckett.

Espaço Cultural Sérgio Porto, Humaitá.

 

Ficha Técnica:

Uma criação de Fábio Ferreira e Carolina Virgüez.

 

Direção: Fábio Ferreira

Performer: Carolina Virgüez

Dramaturgia: Fábio Ferreira e Carolina Virgüez

Assistência de Direção: Ana Paula Rolon

Instalação Cênica: Fábio Ferreira

Direção Musical: Fellipe Storino

Direção de Movimento: Paulo Mantuano

Iluminação: Renato Machado

Figurino Luiza Macier

Visagismo: Cleber de Oliveira

Preparação Vocal: Jaqueline Priston

Assistência de Figurino: Julia Roliz

Vídeo: André Monteiro

Programação Visual: Thiago Ristow

Cenotécnico: Sr. Mineiro

Agradecimento Especial: Paulo Denizot e Galharufa.

Blog/Site de Críticas Teatrais e de Dança.

 

 

 

 

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