Retrospectiva: Samir Murad – Ator e Autor.

O Blog/Site de Críticas Teatrais e de Dança

 

Apresenta:

O Blog/Site iniciou a temporada de Retrospectivas e INÉDITAS das inúmeras homenagens feitas aos artistas das artes cênicas em geral – teatro, dança, cinema, técnicos: Operários das Artes.

Projeto: “Entrevistas NECESSÁRIAS”, inserido nesse Blog/Site de Críticas Teatrais e de Dança, no começo da pandemia.

 

 

 

Retrospectiva Repaginada e com Atualizações:

 

SAMIR MURAD

Ator e Autor.

 

 

 

Em cena na Novela “Terra e Paixão” como Advogado Silvério.

 

 

 

 

 

 

Antes de entrarmos na Retrospectivade Samir Murad – feita a mais de dois anos atrás – atualizaremos sua trajetória com seus trabalhos efetivados mais recentes.

São eles:

 

Elenco de “O Alienista”.

  

 

 

Acesse e Leia nesse Blog/Site toda a Crítica Teatral do espetáculo:

www.espetaculonecessario.com.br

“Cícero – A Anarquia de um Corpo Santo” – Acesse e leia a Crítica.

Acesse e Leia toda a Crítica Teatral.

Na foto do link da crítica acima o verbo está em outro tempo – retificando, não é Recusava, e sim, Recusou, sem maiores problemas, sendo o sentido o “mesmo”.

 

 

 

“O Cachorro Que se Recusou a Morrer”.

“O Cachorro Que Se Recusou a Morrer”

Acesse e Leia a Crítica Teatral.

Acesse e Leia a Crítica Teatral:

www.espetaculonecessario.com.br

 

 

Foto de cena da novela “Terra e Paixão” – Rede Globo.

Com Bárbara Reis.

 

Foto de cena da novela “Terra e Paixão”.

Com Tony Ramos e Glória Pires.

 

 

Com Eliane Giardini.

 

 

 

 

 

 

 Com Tata Werneck.

 

 

Na foto de cima: Samir Murad, Cauã Reymond e Charles Fricks.

Na foto de baixo: Glória Pires, Cauã Reymond, Amaury Lorenzo e Samir Murad.

 

 

  

Glória Pires e Samir Murad.

 

 

Nova Temporada de “O Cachorro Que Se Recusou a Morrer”.

Acesse o Blog/Site e leia toda a Crítica Teatral.

www.espetaculonecessario.com.br

Informações completas no flyer acima sobre a nova temporada no CCJF.

 

 

 

 

 

 

 

 

Terminamos aqui a Atualização.

Abaixo a Retrospectiva de Samir Murad.

 

Entrevista NECESSÁRIA, recebe o ofício teatral externado na caminhada artística de um homem entregue à sua vocação – ator de teatro, tv e cinema, autor, poeta diretor, dublador e professor.

Formado como professor pela Unirio, onde concluiu seu mestrado. Pós-graduado pela UFRJ sob a direção de Aderbal Freire Filho.

No cinema participou de diversos longas, de várias produções estrangeiras e curtas nacionais premiados.

Na televisão fez iúmeros participações em novelas e minisséries na TV Globo, TV Record, Netflix e Canal Brasil.

Trabalhou como dublador na Hebert Richers.

Foi professor da faculdade de artes cênicas da CAL.

No teatro atuou sob a direção de Augusto Boal; Moacir Góes; Miguel Falabella; Walter Daguerre; Bruce Gomlevsky; Bibi Ferreira; Sérgio Brito; Jaqueline Lawrrence; Paulo de Moraes; Sidnei Cruz; Sérgio Módena; Daniel Dias da Silva; Gustavo Paso; dentre outros.

Fundador da Cia. Teatral “Cambaliei, mas não cai…”, que tem, em Antonin Artaud sua principal referência em pesquisa de linguagem cênica. Inaugurou a Cia. com o texto infnto-juvenil de sua autoria “Além da Lenda do Minotauro”, que também dirigiu.

Em 2001 encenou seu primeiro trabalho solo “Para Acabar de vez com o Jugamento de Artaud” – segundo a crítica Bárbara Heliodora foi um dos melhores espetáculos do ano.

Desenvolveu um método de oficina que utiliza inúmeras técnicas corporais, que visam desconstruir e reconstruir o trabalho do ator.

Em 2019, protagonizou a encenação de “Educação Siberiana” e estreou seu terceiro solo: “Cícero – A Anarquia de um Corpo Santo”, encerrando sua trilogia: “Teatro, Mito e Genealogia”, que virou livro em 2020.

Em 2020 apresenta seu promeiro livro de poemas e crônicas:

“O Retorno de Netuno”.

 Apresento esse multiartista, que muitos já conhecem:

SAMIR MURAD

Literaturas escritas por Samir Murad.

 

 

 

 

 

 

Entrando na Retrospectiva da

Entrevista NECESSÁRIA com:

SAMIR MURAD

 

 

 

 

F.Fachetti – Na área de ensino, onde você ministrou aulas, oficinas, palestras, coordenou formações etc. O que o docente Samir Murad extraiu e abarcou da vivência em palcos e mídias para passar conhecimento aos aprendizes?

Samir Murad – Minha prioridade sempre foi a atuação e isso se mantêm até hoje.

Quando terminei a faculdade de Artes Cênicas,  decidi buscar algumas escolas bem estruturadas para lhes oferecer um curso  livre de Teatro. Isso era uma coisa bastante comum na época. Era uma maneira saudável de expandir sua área de atuação como profissional, obrigando-se a manter em contato com os conteúdos assimilados na faculdade, aprofundando-os, uma vez que esse detalhamento dos conteúdos, se faz necessário quando você resolve trasmiti-los aos outros. Naturalmente, e falo isso com absoluta tranquilidade, era também uma maneira de ganhar algum dinheiro, uma vez que os primeiros anos na vida profissional de um ator são quase sempre muito duros, literalmente falando (rsrsrs).

O fato é que, eu tomei gosto pelo ensino da maneira específica como a que conduzia minha proposta de trabalho. Em algumas escolas deu muito certo, em outras nem tanto. Em pouco tempo eu expandi meu projeto de trabalho, para academias de dança, clubes e condomínios, tendo como alunos-atores, um público extremamente variado, tanto em termos de idade, quanto em classe social e isso sem dúvida  foi uma experiência riquíssima de vida.

Nos anos 80, quando comecei essa experimentação, havia uma efervescência cultural e os cursos se multiplicavam de ponta a ponta na cidade. Acredito que havia uma abertura e um interesse maior de diversos segmentos sociais, que abraçavam a idéia da implantação do ensino artístico em seus locais de trabalho, mesmo que essa não fosse sua atividade principal. Agora, só se estabelece um elo  entre o trabalho de professor e o de ator assim como o de diretor, se você já tiver essa vocação internamente elaborada, e acredito que esse tenha sido o meu caso – embora sejam três abordagens absolutamente distintas.

Nunca fez parte do meu sonho abraçar o magistério e uma prova disso na minha vida é que, após ter feito Licenciatura na UNIRIO, decidi fazer concurso para o município. Passei em segundo lugar e pedi exoneração com menos de um ano de trabalho, ou seja, descobri que não sou uma pessoa vocacionada parao ensino fundamental. Eram muito difíceis as condições de trabalho que o município me apresentara, assim como o corpo de alunos que quase em sua maioria, não está tão interessado em aprender teatro. Naturalmente que falo de uma limitação minha; penso que existem atores-professores talhados para essa função totalmente essencial e que conseguem fazer o aluno se apaixonar pela sua disciplina, mas esse nuna foi o meu caso.

Abandonei assim, uma suposta estabilidade de funcionário público, em nome do prazer do ensino,  decidindo que só teria como aluno, aquele que de fato quisesse aprender, uma vez que sempre vi o teatro, como um campo da prática artística, que demandava no mínimo, uma razoável dedicação.  Além disso, tenho um certo problema com métodos pedágógicos e didáticos rígidos e tenho certeza que isso deve ter me atrapalhado bastante, numa possível carreira acadêmica. Em contrapartida, assumo minha paixão em compartilhar exercícios e propostas de aprendizagem com conteúdos que de fato, levem o aluno a se desenvolver como ator. Quando comecei essa atividade eu era “rato” de algumas bibliotecas que existiam na cidade. Descobri uma excelente no Consulado Americano, que tinha diversos livros de Teatro, que traziam exercícios maravilhosos, que primavam pelo rigor e sofisticação no que dizia respeito a tópicos como atenção, concentração, imaginação e improvisação. Fiquei fascinado com o ineditismo do que havia descoberto alí  e comecei a experimentar em mim e nos alunos, possibilidades de aprendizado, que eu ainda não exercitara plenamente, nem  na faculdade nem na vida profissional e tenho esses exercícios guardados comigo até hoje.

Então, o “Ser-professor” para mim, sempre teve um vínculo com a profundidade da experimentação. Isso se deu de forma mais plena e madura quando terminei meu mestrado sobre Artaud e comecei a enveredar por um caminho mais investigativo e específico, dos conteúdos que estabeleciam possiblidades de pesquisa com áreas do conhecimento pertinentes ao trabalho  do ator, mas não necessarimente teatrais como a Yoga, o kempô e o Taichichuen. Aí sim, nas oficinas que ministrei a partir daí, percebi que já tinha um corpo de conhecimento que trazia uma marca pessoal, que não era propriamente inédita, mas digamos original, em função da amplitude de referências que abarcava e sintetizava.

Depois de todos esses anos, encontro pessoal ou virtualmente com algum ex- aluno que me diz que determinado exercício que praticou comigo ou algum comentário que fiz, o ajudou muito na vida. Isso me confirma que, da minha maneira, realizei minha missão, embora tenha consciência que possivelmente não tenha agradado a todos.

Como já trabalhei com muitos diretores de formações diferentes, também desenvolvi um trabalho autoral, que passa inclusive pela criação do texto teatral. Nas minhas oficinas procuro fazer com que o aluno descubra sua identidade como ator, longe de rótulos e estilos, mas, reconhecendo que é importante para a sua formação – ele não deixar de explorar todos os seus potenciais, para reconhecer suas  prioridades, preferências, com consciência crítica, independentemente do que o mercado venha a lhe oferecer, e que acima de tudo tenha  o que costumo chamar de uma “humildade-ativa”, diante da figura do diretor. Em outras palavras – proponha, inclusive, mais de uma maneira de fazer, mas deixe o diretor decidir o que ele quer de você. Essa alquimia entre se conseguir fazer o que quer, dentro do que lhe é proposto, é uma máxima que deve ser buscada por todo ator, independentementede de sua experiência. É o que eu penso.

 

 

 

 

 

Francis Fachetti – Cite duas dessas instituições que te surpreendeu, te deu prazer, enquanto proposta e porquê?

 

Samir Murad – A única instituição de nível superior onde trabalhei foi a Faculdade da CAL, por seis anos, e foi uma experiência maravilhosa poder trabalhar com tantos alunos jovens e talentosos.

Trabalhei com a disciplina de Improvisação que abarcava os dois primeiros períodos, ou seja, a  principal fase onde o aluno está formando sua base de trabalho. Embora houvesse um programa que eu naturalmente seguia, a CAL me deu total liberdade para que eu colocasse em prática meu arsenal de exercícios que passava por Artaud,  Grotowski, Eugenio Barba e claro Stanislavski,  ou seja, um conjunto de práticas que exigia disciplina e disposição.

Como a CAL talvez seja a escola de Teatro mais conhecida no Brasil, havia um pequeno contingente de alunos,  que ainda tinha uma visão compreensivelmente equivocada, de que a escola seria o caminho para alguém  tornar-se um astro da mídia. Quando  percebiam que boa parte dos exercícios que trabalhavam comigo, também se prestavam à atuação em outros veículos, como a televisão – onde uma grande dose de concentração, controle e senso de improvisação são neecessários, eram fatalmente levados a rever seus conceitos e passavam a levar a coisa mais a sério. Era muito emocionante, principalmente na parte da noite, ver alunos  mais maduros que chegavam cansados do trabalho e se atiravam de cabeça nas propostas apresentadas. Só tenho a agradecer a confiança que a CAL depositou no meu trabalho, tanto na graduação – como nos cursos livres que lá ministrei.

Corpo de professores da CAL.

 

Outra singular experiência digna de nota que tive nesse campo, foi participar como professor de Interpretação do projeto Passageiro do Futuro, uma espécie de projeto social criado pela atriz e produtora Juliana Teixeira, que levava a inúmeras áreas carentes do RJ , uma oficina com vários professores qualificados no ensino do Teatro – que acontecia durante um ano – com uma montagem ao final do curso e que percorria vários espaços teatrais.

Um projeto educativo e artístico de alto nível para quem de fato quisesse aprender Teatro. Fiquei trabalhando em uma escola na comunidade de Rio das Pedras e depois de muito treinamento, decidimos montar o meu texto infanto-juvenil “ALÈM DA LENDA DO MINOTAURO”, de minha autoria, que já havia tido duas montagens profissionais.

Apesar de ter sido uma experência exaustiva, foi extremamente gratificante ver aquele texto tomar forma, a partir de uma abordagem que fazia brotar naqueles amadores, tudo o que de mais importante eu  almejava no teatro profissional, tais como, o trabalho cooperativado da construção artesanal da montagem, passando pelo cenário, pelo figurino e por todo o resto, onde cada um dava o melhor de si no que sabia fazer, com afinco e sem competitividade. Ver aqueles jovens brilhando em cena, sem vaidade e sem excessos foi uma experiência profundamente transformadora para mim e tenho certeza que para eles – onde acredito que o Teatro cumpriu sua função socializante, educativa e sensibilizadora. Volta e meia encontro um deles nas redes e escuto coisas como: “Professor, que saudade daquilo!” ou  “vamos fazer aquilo de novo?!”  É emocionante!

 

 

 

 

 

Francis Fachetti – Muito “inabitual”, interessante e rica essa função de artista/dublador em sua carreira. Dublando séries, desenhos e novelas. Curioso em saber, me “aprofundar” nesse conhecimento “invisível”.

Conte-nos e nos enriqueça sobre esse universo.

 

Samir Murad – Assim como nunca planejei ser professor, o mesmo se deu com a função de dublador. Eu já estava com trinta e alguns e não conseguia ter uma continuidade regular de ganhos básicos para me manter de forma decente e estava começando a ficar preocupado com isso. Já tinha feito várias peças, algumas de sucesso,  assim como algumas participações na TV, ainda dava aula, mas, de alguma forma, vivia “apertado” para pagar as contas.

Quando o amigo com quem eu dividia o aluguel do apartamento partiu para o exterior,  conclui que precisava urgente de um plano B. Eu tinha visto um anúncio de um curso de dublagem que estava procurando novas vozes para a Herbert Richers. Apesar de bastante cético, fui até lá. Fiz o curso que tinha bons professores e que eram diretores de dublagem  da empresa, que nesse momento estava recebendo muitas novelas de outros países latinos para serem dubladas e precisava de novas vozes.

Todo sábado eu ia para o antigo prédio da TV Tupi onde acontecia o curso. Com um mês e pouco me levaram para fazer um teste. No dia seguinte, estava com a carteira de trabalho assinada. Me mantive como funcionário da H.R por vinte e um anos até eles decretarem falência, infelizmente, pois era uma empresa com muitas qualidades e que mantinha seis estúdios ocupados das 8 as 22h, de segunda sábado, dando emprego para muita gente.

Para mim o grande barato disso, além da dublagem propriamente, é que com muito jogo de cintura, ela não me impedia de fazer Teatro, nem TV, embora fosse muito cansativo conciliar tudo, mas, nessa época, ainda me restava bastante juventude.

Pode-se dizer que a dublagem é uma variante da arte da Atuação, com demandas e exigências bastante específicas e distintas. Na dublagem à sua interpretação ja está condicionada pela do ator que você vai dublar e isso sem dúvida também é absolutamente diferenciado dos outros meios e por isso nunca acho interessante comparar. Não acho a dublagem inferior aos outros veículos, como muitos que ignoram a dinâmica de um estúdio o fazem, e também não a acho superior, como alguns puristas apregoam, e a prova disso, para estes, é que muitos bons atores  não conseguem dublar, como se a recíproca não fosse verdadeira. Para mim ela  é basicamente, distinta em muitos aspectos técnicos – não posso negar que ela me salvou e me permitiu alçar outros voos, sem precisar pensar estritamente na sobrevivência.

Comecei a dublar no início da década de 90 e de lá para cá, as coisas mudaram muito. Embora sempre tenha sido considerado um círculo bastante fechado, particularmente tive  mais facilidade para adentrá-lo do que a televisão ou o cinema – e  aqui  me refiro a bons papéis, naturalmente. Se você fosse um bom dublador, pontual, ético,  sempre teria muito trabalho, até porque havia outros estúdios. Não precisava ser indicado por ninguém, bastava ser educado e respeitador e acima de tudo rápido, que sempre foi uma característica desejada pelos diretores para que  seu  cronograma não atrasasse.

Muitos dubladores tinham vindo do rádio, outros haviam feito Teatro ocasionalmente e outros ainda, de profissões diversas, ou seja, era um meio bem eclético, mas é claro que a qualidade da interpretação e a adequação ao veículo, contavam e muito.

O Teatro tinha me dado base com o texto, então era uma questão de aprimorar a técnica. Rapidez de leitura, boa dicção, bons reflexos, capacidadede de entrar na “música” do que está sendo dublado, versatilidade para fazer tipos e vozes diversas, eram alguns requisitos básicos para ser um dublador. Era um ofício, que  trazia alguma estabilidade, importante para mim naquele momento de vida.

A face negativa de tudo isso para um artista das  Artes Cênicas, é que essa mesma estabilidade passa a ser, em um sistema capitalista, o calcanhar de Aquiles do dublador-ator. Se voce estivesse buscando na dublagem alguma segurança financeira e estivese disposto a apostar todas as fichas nessa carreira, onde se atua exclusivamente com a voz  sob o invisível manto do anonimato, tudo bem. Numa profissão onde se ganha por hora, você pode oferecer sua disponibilidade integral e pagar para ver ou ainda virar diretor, opção que muitos fazem em nome de ganhos melhores.

Em um país que pouco valoriza o ator que não é famoso, sem dúvida  é uma saída honrosa. Mas para aqueles que fizeram do ofício de atuar sua opção primeira, e precisam estar inteiros, de corpo e alma,  sem dúvida que a mencionada estabilidade é importante, mas não o suficiente. Por isso digo que vivi durante muitos anos cansado, correndo por fora, dublando, fazendo Teatro, viajando (pois nessa época se viajava bastante com Teatro), e TV quando surgia e vivi,  embora  muito feliz por estar trabalhando, pagando as contas e ganhando algum dinheiro. Adquiri por conta dessas variantes, a fama de dublador difícil, ou seja,  aquele que não está disponível integralmente. Para mim isso nunca chegou a ser um problema, pois eu tinha, claro que não  iria abandonar o Teatro e com o passar dos anos, fui sendo aceito com esse diferencial, juntamente com alguns dubladores como eu, e vale a pena lembrar, que existem sim, monstros da atuação que também são ou foram grandes dubladores como Isaac Bardavid, Pietro Mario, Maria Helena Pader Alexandre Lipiani e Claudio Galvan – só para citar alguns. Isso tudo foi em uma época que, como eu já disse, aos poucos foi mudando de cara.

 

Universo da dublagem.

 

A preocupação com a interpretação que havia e que era um do fatores que  mantinham minha formação artística como algo desejado, foi se perdendo com o tempo. Hoje em dia,  em grande parte, por influência das redes sociais, pode-se dizer que a dublagem virou uma profissão da moda, até com um certo glamour, onde  muitos jovens com pouca ou nenhuma experiência artística, fazem um dos muitos cursos que existem, articulam-se nas redes, fundam ou seguem grupos de fãs de personagens que se tornaram célebres  e se arriscam na dublagem que, apesar de uma concorrência infinitamente maior, ainda é uma maneira de se ganhar algum dinheiro. Respeito a opção mas, não é e nunca foi a minha. Além disso,  esses grupos, em sua grande  maioria de jovens fãs ardorosos,  trazem uma certa notoriedade para a figura do dublador, que deixou de ser um ilustre anônimo para ser alguém que também tem cara, além da voz. Eu, por exemplo, sou muito mais conhecido por esses grupos, como dublador de alguns personagens icônicos de sua infãncia, do que como ator de teatro e televisão, e olha que nunca fui um dublador de primeiro time, em função dos motivos que enumerei acima e tenho dublado bem menos do que já o fiz naquela época, mas é inegável a força das redes sociais que predominantemente, estão  nas mãos desses jovens.

Como não desqualifico nenhuma das diversas facetas da minha profissão, está tudo certo entre o Samir ator e o dublador, até porque do ponto de vista técnico, sempre tive muita atenção para não carregar possíveis vícios, que um profissional que trabalha com a voz pode trazer. Acho que isso se deve ao fato de que, quando entrei para a dublagem, eu já tinha  uns dez anos de Teatro nas costas. Esse era e continua sendo o meu trunfo quando entro em um estúdio.

 

 

 

 

Francis Fachetti – Antonin Artaud é a verve das suas empreitadas teatrais, usando técnicas de linguagens cênicas.

O que existe no pensamento de Artaud, em sua teoria e prática que te seduz, desconstruindo e reformulando o teatral?

Passou a ser o mote de seus trabalhos e alçando voos em pesquisas desse gênio para publicar seus livros. Conte-nos.

 

 Samir Murat – Uma pergunta bem ampla. Vou tentar ser objetivo. Quando entrei em contato com a limitada obra de Artaud que existia na vastíssima biblioteca da UNIRIO, que se resumia basicamente a O Teatro e Seu Duplo e um volume de Rebeldes Malditos, alguma coisa naqueles escritos me tocou.

 Os paralelos que Artaud  traçava do Teatro com a peste, a ciência, a cultura, a religião, a medicina, me soavam fascinantes. Suas metáforas, as imagens, a poesia existente em seus escritos, parecia algo saído de um quadro surrealista. Eu era muito jovem, não conseguia entender muito bem, mas aquilo tudo me chamava. Quando soube que ele havia sido um interno das instituições psiquiátricas e parte de seus escritos também falava dessa experiência…POW! Imediatamente ele me capturou e só vim a entender o porquê aos poucos.

Eu tive uma irmã que como ele, ficou interna de vários sanatórios quando eu ainda era bem pequeno e isso marcou toda a família, pois ela continuou sendo uma pessoa especial durante toda a sua existência. Naturalmente eu não tinha a dimensão real disso naquela época. Quando assisti ARTAUD! Com Rubens Corrêa em 1986 – aquele tipo de encenação, aquele personagem mexeu muito com a minha cabeça – pois de alguma forma aquilo me tocava espiritualmente. Aquele ator falando aquelas coisas fortes diretamente no olho da platéia, era algo que eu não conhecia.

Eu já havia  assistido muitas montagens belíssimas sob todos os aspectos, mas de espetáculos quase sempre realistas, que aconteciam no palco. No ano seguinte, assisti em São Paulo o espetáculo UBU, Pholias Fysicas, Patafysicas e Musicaes do Grupo Ornitorrinco e aquilo foi um chute na minha cabeça de ator que nunca mais voltaria a ser a mesma. O espetáculo misturava circo, música, teatro, números de platéia e o diretor era o ator principal. Ali eu disse para mim: É esse teatro que eu quero fazer!

Naquele momento eu estava começando a me interessar pelo estudo das mitologias, como forma de estabelecer elos entre o teatro e os mitos, assim como também como forma de autoconhecimento. Nesse ano mesmo, encenei meu primeiro trabalho autoral – que defini como um poema-cênico. Era uma colagem de textos de diversas categorias, poemas, movimentos dançados, músicas  de personalidades de diversos segmentos da cultura do signo astrológico de Peixes, intitulado… SIGNO PEIXES. Eu dirigi e atuei junto com uma  atriz bahiana, Conceição Boaventura. Fizemos no auditório da UNE, que era um espaço que estava se prestando naquele momento a apresentações teatrais. Foi uma experiência intensa e profunda em todos os aspectos. Ali eu pude testar alguns desafios que estava me propondo como ator, principalmente no que dizia respeito àquele contato mais íntimo com a platéia.

Voltei a ter outra  experiência como autor e diretor, quase dez anos depois com o infanto-juvenil “ALÉM DA LENDA DO MINOTAURO”, uma incursão mais radical no universo dos mitos, com uma abordagem que tentava dialetizar os conceitos de BEM e MAL, apresentados sempre de forma binária nas lendas. Na  minha versão, o minotauro era uma vítima da sociedade, assim como Teseu um herói fabricado por essa mesma sociedade para destruí-lo.

O mais impressionante nas lendas é que elas trazem camadas de interpretações que subjazem a partir da leitura mais aparente, ou seja, eu não estava inventando nada, que  já não estivesse ali.

Nessa montagem  estudamos símblos, arquétipos e os atores tiveram um intenso trabalho corporal e vocal para dar conta de danças, lutas, cantos e instrumentos.  Eu já estava sem dúvida numa senda artaudiana.

Dois anos depois terminei meu mestrado, que foi um profundo mergulho na obra de Artaud e de Rubens Corrêa e seus desdobramentos. Um ano depois, comecei a pensar em um trabalho que pudese trazer à cena  a figura emblemática de Artaud, utilizando o que eu havia estudado dele, desenvolvendo  ainda mais as possibilidades que suas idéias e práticas suscitavam, mas não sabia muito bem como articular isso. Já havia descoberto o título do espetáculo que seria “PARA ACABAR DE VEZ COM O JULGAMENTO DE ARTAUD”, inspirado em seu poema radiofônico censurado: Para acabar de vez com julgamento de Deus.

 

Espetáculo: “Para Acabar de vez com o Julgamento de Artaud”.

 

A idéia era trazer alguns personagens ilustres, que passaram pela vida de Artaud, dando suas versões a respeito dele, e Artaud passearia por entre eles, expondo suas ideías e atitudes. Essas figuras seriam: Jean Louis Barrault, diretor de teatro e cinema, seu amigo; Anais Nin, psicanalista e escritora com quem Artaud  teve um romance platônico e Gaston Ferdiére, o psiquiatra que cuidou de Artaud em seus piores anos de internamento, aplicando-lhe eletrochoques. Seriam distintos depoimentos que deveriam levar o epectador a refletir e concluir à sua maneira, quem de fato foi Antonin Artaud.

O espetáculo se propunha intimista e poderia ser levado em qualquer espaço, até em bares, já quebrando com a idéia da caixa tradicional do teatro, chamei dois amigos que gostaram da idéia: Paschoal Villaboim, ator experiente com que já havia trabalhado e Daniela Olivert do Grupo F…Privilegiados. Construí uma sequência de textos, criei um esboço de trilha sonora,  ensaiamos um pouco e decidimos apresentar o copião do espetáculo em algumas instituções psiquiátricas, para testá-lo junto aos internos – também ter a opinião de  médicos e funcionários.

 Apresentamos no  Hospital Pedro II, No Pinel e no Instituto Antropus. Adaptávamos a cena ao espaço, utilizando-o de forma a aproveitá-lo na cena. Se tínhamos uma janela, uma mesa, uma escada, dávamos um jeito de usá-las, e isso  já foi um exercício onde colocávamos alguns conceitos artaudianos em prática, taís como a performance e a instalação.

Fizemos um grande sucesso principalmente com os internos que se identificavam com Artaud e interferiam na cena. Era emocionante! Acima de tudo para mim, que passava por lugares, onde minha irmã havia sido internada. Por motivos diversos os dois atores, apesar de muito afinados com a proposta, não puderam prosseguir com a nossa louca viagem; eu já tinha começado a rolar uma pedra montanha abaixo e não tinha mais como parar. Fazer um monólogo? Eu nunca tinha pensado nisso, não era essa a proposta.Também não dava para repetir o percurso feito até então com outras pessoas. A história já tinha começado e estava sendo escrita  a seis mãos até então. Eu tinha que seguir em frente. Artaud me cobrava! Como estava sozinho e não tinha compromisso de estreia, aproveitei para  praticar as ciências-artes que Artaud me suscitava.

Comecei a praticar yoga, taichichuen, meditação, fiz oficina de Khatakali, butoh, mergulhei nos estudos do teatro oriental, uma coisa foi puxando a outra, em  um fluxo inexorável – Artaud estava tomando o meu corpo e a minha vida.

Mantive alguns textos e escolhi outros. Comecei a buscar mais espaços ligados  à saude mental como forma de perceber a reação do  internos. Casa das Palmeiras, Doutor Eiras, Hospital da Lagoa, Cremerj, Ipub!… cada apresentação ia abrindo novas frentes, onde eu ia sendo convidado a participar de debates, mesas-redondas, palestras, congressos… frentes pela luta anti-manicomial… eu passava a ser um ator que representava um teatro que trazia a psiquiatria, a psicanálise, a filosofia a reboque, unidos por um objetivo comum: a discussão da Arte e da Loucura, que era essencialmente o que a peça discutia! Artaud tinha conseguido! Eu era um outro ator! Desconstruído e reconstruído!

Quando decidi levar o espetáculo para o Casarão Cultural dos Arcos na Lapa em 2001, fazendo sua estreia profissional, eu já estava com ele bem maduro, mas, continuava sendo aprimorado e adaptado a cada novo espaço.

Quando a crítica Barbara Heliodora foi assistir e decidiu falar bem do trabalho, isso foi um pontapé para que outras portas se abrissem. Tive mídia na TV, convites para outras apresentações, palestras e oficinas, projeto Palco Giratório do SESC Nacional, universidades de todo o Brasil! Foi o melhor momento da minha vida como ator em todos os aspectos! O caminho que de fato eu acreditava que deveria ser: voce faz um bom trabalho e as mídias vão te procurar e não o contrário, como normalmente tem que se fazer. Esse ápice durou uns quatro anos, mas continuei fazendo Artaud ainda durante muito tempo e pretendo voltar a fazer. 

 

 

 

 

Francis Fachetti – Fale sobre a Cia Cambaleei, mas não cai… que você descortinou com seus respectivos espetáculos que dela emergiu – dando-lhe deferências merecidas.

“Além da lenda do Minotauro”; “O Cão que sonhava Lobos”; “Édipo e seus duplos”; “Para acabar de vez como o julgamento de Artaud”; “Cícero, a Anarquia de um Corpo Santo”. Discorra um pouco sobre cada um.

 

Samir Murad – Esse   título, foi retirado de um livro do Artaud, onde ele narra uma luta que teve com dois guardas na Irlanda. Criei um gesto simbólico que virou o logotipo da companhia e que eu fazia em algum momento em todos os solos que fiz: “CAMBALEEI, MAS NÂO CAÍ…” Acho um título bastante instigante teatralmente falando, pois todos nós em algum momento já cambaleamos e não caímos(ou caímos).

Ela surgiu a partir do meu encontro com duas atrizes maravilhosas que participaram da primeira oficina que ministrei ainda durante a temporada, na Escola Martins Penna, onde eu já trabalhava alguns conteúdos elaboradados a partir da minha experiência com o espetáculo – Virginia Maria e Viviane Coutinho eram e são duas grandes atrizes e nesse momento tinham uma disponibilidade  e vontade de aprender raras. Nós três éramos o núcleo da  companhia e elas passaram a me acompanhar em várias apresentações, faziam assistência ou operavam a parte técnica. Remontamos “ALÉM DA LENDA DO MINOTAURO” para que pudéssemos atuar juntos. Fizemos leituras públicas, grupos de estudo e outros se juntaram à nós. Trabalhamos juntos em outros projetos,  e eu decidi manter o nome da Cia. mesmo quando já não estávamos mais tão juntos, pois esse nome me  remetia a esse momento único em nossas vidas.

 

“Além da Lenda do Minoutauro”.

 

 

 “ALÈM DA LENDA DO MINOTAURO” foi meu primero e último texto teatral com vários personagens, com uma  narrativa mais tradicional do ponto de vista dramatúrgico.

Eu estava cursando o mestrado, estudando Jung e a teoria dos arquétipos e do inconsciente coletivo. Estava querendo entender mais sobre antigas civilizações míticas e Creta com suas lendas, era o cenário perfeito para isso.

 Eu já conhecia a história de Teseu e o Minotauro, mas queria fazer uma radiografia desses símbolos para trazê-los para o teatro com uma leitura mais plena. Realizei uma vasta pesquisa para escrever o texto que se pretendia infantil, mas acabou virando infanto-juvenil e adulto. As crianças eram capturadas pelo aspecto visual, mas, longe estavam de compreender a sinuosa narrativa que eu havia construído, tentando revelar alguns aspectos essenciais daquele universo de signos: o labirinto, o novelo de Ariadne, a luta entre o patriarcado que ascendia e o matriarcado que declinava, deuses e deusas que surgiam em meio à genealogia das personagens e  seus consequentes destinos determinados.

O elenco que cantava, tocava, lutava e dançava, conquistava o público pela entrega e pela energia, mas, confesso que descobri que não sou propriamente um autor funcional e prático e sim um ator que gosta de pesquisar e expressar o resultado disso de forma poética na escrita.

Quando publiquei o livro percebi  que o  texto resistia a uma  análise e a um estudo das personagens, como provaram algumas experiências que fiz com alunos na CAL e então me dei por satisfeito.

A segunda temporada onde atuei – assim como a versão que dirigi com alunos da comunidade de Rio das Pedras como mencionei acima – me fizeram entender, que a pesquisa bem sedimentada, pode resultar em muitas camadas de criação e de leituras podendo por isso, chegar a um público mais amplo. Felizmente pude ver isso e aí concluí que em todos os meus espetáculos autorais, a primeira temporada  ironicamente nunca foi a melhor, ou seja, sou muito anti-comercial sem querer. Meus exaustivos solos precisam de amadurecimento, tempo e repetição.

 

“Além da Lenda do Minotauro”.

 

 

 

“ÉDIPO E SEUS DUPLOS” segue a mesma linha da busca do passado genealógico para compreender o destino presente e o futuro possível que inaugurei com a ALÉM DA LENDA…, mas agora com uma proposta assumidamente adulta, baseada no mito de Édipo. A referência norteadora maior, continua a ser o caleidoscópico universo teatral vislumbrado por Artaud com outros desdobramentos que desaguam em pesquisas  que demandam práticas teatrais específicas.

Em PARA ACABAR DE VEZ… eu havia desenvolvido um espetáculo seco, com objetos de ferro, um cenário despedaçado em um limbo indefinido e uma movimentação diversificada, mas, sempre vigorosa com uma pegada masculina. Édipo é um anti-herói dilacerado entre a energia masculina e a feminina. Eu queria trabalhar esse elemento do dilaceramento de um homem que passou pela sua tragédia e tempos depois tenta entender o que aconteceu. Dramaturgicamente minha referência foi o velho de Edipo em Colono e com uma licença poética, eu o trouxe de volta ao oráculo, que havia previsto o seu destino.  Numa espécie de constelação familiar, ele revive todos os personagens que passaram por sua vida, como forma de entender sua trajetória, ou seja, ele precisa dos outros para entender a si próprio, porque nunca conseguiu ser livre.

Esses  personagens internos surgem na forma de pedaços de corpos de manequins que expressam  um conceito autaudiano de duplos e da fragmentação da psiquê como forma de revelação e que também está  na essência da criação artística, só que de forma mais potencializada. A encenação era construída a partir de manequins, panos que em sua plasticidade criavam formas que se derramavam pelo espaço e que eram também manipuladas, criando figuras, entidades, acidentes geográficos e forças da natureza, como uma montanha, o vento ou  uma Jocasta coberta por um véu… Me inspirei em elementos do teatro chinês e japonês que por sua vez me foram trazidos de forma incipiente por Artaud. Juntando esses elementos aos galhos de árvore que pontuavam a aridez e a peste, eu tinha um espetáculo ameaçadoramente feminino.

A  fascinante genealogia de Édipo me levou até a Fenícia, onde começa mitologicamente sua ancestralidade e que hoje é o Líbano, onde começa a minha, ou seja, me flagrei como Édipo buscando a mim mesmo. Precisei assim criar um  narrador que na verdade é o artista que se mistura com a personagem e como essa, está em busca da compreensão de seu destino.

Esse recurso daria ao espectador, a possibilida de perceber que aquilo era de fato uma história contada e vivida, criando um elemento de metalinguagem. O texto escrito ia sendo modificado á medida que os ensaios avançavam. O espetáculo estreou inaugurando o ano de  2008 do Palco da Experimentação, no Espaço 2 do Sesc Tijuca na época coordenado por Ana Kfouri.

Nas outras temporadas subsequentes e nas pequenas viagens que fizemos, percebi a importãncia da prática contínua que eu como o ator-criador,  precisava ter, com a manipulação da energia e dos recursos cênicos, para adquirir excelência. Nesse espetáculo complexo, onde um pano era atirado e precisava cair em ponto exato, eu era também, um manipulador de manequins, tecidos e bastões e costurava com esses elementos a  saga de um Édipo revisitado, tal como o primeiro solo com  muito suor e agora com uma pitada de humor. O texto também foi publicado.

Espetáculo: “Édipo e seus Duplos”.

“Édipo e seus Duplos”.

 

“PARA ACABAR DE VEZ COM O JULGAMENTO DE ARTAUD” foi  o coroamento de minha pesquisa téorico–prática, sobre Artaud, uma quebra de paradigma na minha vida, dentro e fora do Teatro.

Nada deu tão certo com tão pouco no Teatro, para mim. Pouco, em termos de produção, eu digo. O cenário foi pensado a partir de algumas peças de mobilia velhas jogadas em um subsolo esquecido que visitei no hospital Pedro II e talvez por isso tenha dado tão certo, pela energia que elas traziam. Quando viajávamos eu nem levava nada, improvisávamos com o que havia disponível em cada lugar. Isso foi um grande aprendizado em termos de adaptação espacial, de essencialidade de elementos cênicos. Cada teatro, cada auditório, cada sala, daria um ensaio diferente sobre  o assunto. O que importava era a performance de Artaud.

Se eu não tivesse certeza que cada solo que realizei depois, tinha algo muito específico e  original, eu diria pra mim mesmo que continuava buscando repetir o que  havia alcançado com ARTAUD e que nunca mais eu conseguiria de novo. Acho que o teatro tem dessas coisas mágicas, ligadas inclusive ao próprio momento. Acho que nem eu nem ninguém, conseguiríamos isso hoje ou talvez nem dez anos depois. Do ponto de vista da atuação era um trabalho muito complexo, pois envolvia recursos que eu nunca havia explorado antes, mas já vinha me preparando, como já disse. Recursos que envolviam trabalho corporal, vocal, espacial, utilização de objetos, teatro de rua entre outros.

A encenação, a partir de textos diversos de Artaud que eu “costurei”, procurava estabelecer  uma intercessão de linguagens, onde o ator estava no meio e dialogava com elas. Havia projeções de imagens, que  aconteciam simultanemamente com a música, a palavra, a  utilização de objetos  que se desdobravam em diferentes símbolos, com um trabalho corporal que passava pela yoga, pelo tai chi, pelo katakhali, por danças xãmnicas, palavras sussurradas, gritadas, escondidas em uma narrativa que explodia as unidade de tempo e espaço. Era um profundo ato espiritual de profunda entrega ao sagrado que o Teatro tem. O espaço do casarão com suas paredes de tijolo e sua rusticidade precipitaram  essa atmosfera. Agradeço aos deuses do Teatro e a Artaud, tudo o que consegui com esse trabalho.

“CÌCERO, A ANARQUIA DE UM CORPO SANTO” fecha com ARTAUD e EDIPO a trilogia que intitulei de “Teatro, Mito e Genealogia”, até porque não encontrei outro nome melhor.

Eu tinha visitado  a região do Cariri no Ceará fazendo ARTAUD pelo Sesc. Tinha ficado absolutamente fascinado com um lugar que reunia o sagrado e o profano, o erudito e o contemporãneo com uma síntese que eu não havia visto em mais nenhum lugar.

Fiquei sabendo de algumas histórias do Padre Cícero que me atiçaram bastante a ideia de querer fazer alguma coisa sobre ele no teatro, mas não sabia por onde começar, para variar. Conheci Felipe Caixeta , um pesquisador  do Cariri, que tinha uma abordagem sócio-política daquela região do Brasil com seus mitos, lendas e histórias reais. Fiquei muito impressionado com a questão do “milagre da Beata”, da hóstia que sangrava e que foi o principal elemento que precipitou toda a mística que se criou em torno de Cícero.

Há algumas semelhanças entre os protagonistas dos meus solos: todos estão em algum lugar e tempo indefinidos, visitam seus fantasmas pessoais, alcançam algum tipo de resolução e vão embora continuando sua caminhada sabe-se lá para onde. Isso longe está de ser um exercício de estilo, mas um percuso que talvez se aproxime da minha busca pessoal. Eu não queria fazer uma biografia do Cícero, mas trazê-lo para perto de mim, do meu mundo e ver o que tínhamos em comum. Comecei a pesquisar sobre sua vida. Voltei á Juazeiro do Norte, comprei alguns livros e conversei com pessoas de lá. De repente, me dei conta que já haviam se passado quase vinte anos do meu encontro com ARTAUD, que eu estava mais próximo da morte e que enfrentava as mesmas dificuldades para levantar uma produção teatral e me senti cansado.

A partir dessa consciência de finitude, na contramão desse morto que vivia que era o Cícero,  coloquei esse personagem numa situação arquertípica: o encontro com a Morte. No momento de desencarnar – Cícero revê toda a sua vida e faz um auto-julgamento.

Quando senti que começávamos vivenciar a proximidade da religião com a política, percebi que o mundo de Cìcero estava bem próximo e comecei a  desenvolver no texto e na cena, as contradições desse santo-guerreiro.

Mantivemos a polêmica sobre a veracidade do milagre sobre o qual muito já tinha sido escrito, como  um mistério, sem tomar partido, apresentando os dois lados da questão.

Como caminho estético de nossa pesquisa, mais uma vez artaudiana, elegi o Butoh, uma espéciede teatro-dança japonesa,  onde o artista expressa com o corpo a presença de seus mortos e isso era o que Cícero fazia com seu corpo e sua voz. O Butoh não trabalha com texto, mas é justamente essa intercessão de lingagens aparentemente dissonantes, a tônica de nossa pesquisa, que nos faz cambalear e não cair e como dizia ARTAUD “ o teatro da crueldade é cruel antes de mais nada para mim mesmo”.

Existia em muitos  momentos,   uma narrativa divertidamente épica, trazendo um pouco esse molho do teatro do  Ceará, terra de grandes comediantes que foram bem urdidos pelo nosso diretor Daniel Dias da Silva, filho da terra. O espetáculo surpreendeu por sua estranha abordagem que misturava música nordestina e árabe, também em função de querermos tocar em outros fundamentalismos, uma vez que esses ritmos tem pontos de contato e certamente desagradou àqueles que esperavam encontrar em cena o Padre Cícero que já pensavam conhecer.

O texto foi publicado com fotos do espetáculo. Fizemos três temporadas em 2019 e já com algumas viagens marcadas,  fomos surpreendidos pela pandemia.

 

Espetáculo: “Cícero, A Anarquia de um Corpo Santo”.

Direção: Daniel Dias da Silva.

 

“O CÂO QUE SONHAVA LOBOS”, ganhou o edital da Funarj para estrearmos no Teatro Laura Alvim e  foi uma incursão que fiz ao universo desses dois animais, parentes entre si, mergulhando mais uma vez em um universo mítico e genealógico para explicar o presente: como o lobo virou cão e como o cão se tornou um ser tão diferenciado para o Homem, com vantagens e prejuízos para ambos.

Uma das dificuldades que encontramos foi o fato de não termos conseguido todo o patrocínio necessário para realizar o que de fato o texto exigia:  projeções e  animações, que são recursos particularmente caros, para que o Cão e o Lobo pudessem estar ao mesmo tempo em cena.

Essa falta fez com que tivésemos que buscar alternativas que nem sempre foram tão bem resolvidas em cena – sempre acho que a dificuldade pode ser o estopim de uma bela descoberta e já tinha passado por isso antes, mas, isso naturalmente tem limites e quase sempre, realizar uma peça infantil é mais difícil em termos de produção, pois a criança precisa do aspecto da riqueza visual para poder se transportar, principalmente em um solo. Talvez esse tenha sido meu grande erro. Deveria ter convidado dois atores e não ter entrado em cena. O resultado disso foi que ao longo das quatro temporadas, O CÂO…. foi meu espetáculo autoral que mais sofreu modificações, inclusive musicais, que de canções mais “pra cima” pra animar a garotada, passou a ter uma trilha com “músicas-faladas”, um  estilo contemporâneo criado por Schoenberg, muito interessante e que servia aos nossos objetivos – pois as músicas também  contavam parte da história e sendo mais lentas como ficaram, faclitaram para que o público como um todo, pudesse acompanhar, além naturalmente de me dar um respiro.

Foi uma aventura rica em termos musicais onde contei, cantei e toquei instrumentos de percussão, mas, acho que hoje me daria mais prazer abrir o livrinho ilustrado que publicamos com o texto e fazer uma “contação assumida”  com ele, deixando as crianças viajar, do que propriamente encená-lo, embora tenha consciência de que O CÂO… atraiu bastante a simpatia e a empatia de crianças e adultos, acima de tudo por ser um animal tão querido.

Ainda falando de escrita, Em 2020 em meio a pandemia, eu lancei meu primeiro livro de poemas, músicas, contos e aforismas, Resultado de um envaziamento de gavetas e que reune escritos de diferentes épocas da minha vida. Intitula-se: “O RETORNO DE NETUNO”.

 

 

 

 

Francis Fachetti – No trabalho das telas dramatúrgicas – TV e Cinema – como foi o desenlace da sua performance enquanto ator, na novela “Gênesis” (Rede Record, 2019), e no curta-metragem que foi premiado, contracenando com Osmar Prado: “Um Café e Quatro Segundos”, 2018?

Samir Murad – GÊNESIS talvez tenha sido a maior produção que a TV Record já tenha realizado. Fui convidado para fazer um sacerdote do Bem.

Tivemos “algumas  aulas” com especialistas em história antiga e encontros com coaches  para o texto e personagens.  Embora tenho feito muitas participações na TV, fiquei poucas vezes contratado, com gravações diárias. Desse ponto de vista, apesar da pandemia e das interrupções, foi uma experiência riquíssima no veículo audiovisual.

Eu assisti alguns filmes com atores que eram referências para mim e resolvi experimentar algumas coisas. Era um novela épica, os personagens tinham consistência, um prato cheio para um ator. E claro, experimentar na televisão nada tem a ver com teatro. Sou um tipo de ator, que não subestimo nenhum personagem e nenhum veículo.

A televisão possui caracteristicas que podem torná-la extremamente difícil – se você não estiver concentrado e ao mesmo tempo consciente do que está acontendo em torno. Por isso, embora tivésssemos vários diretores, o que é inevitável em uma produção com várias frentes, cada um com uma pegada, o que exige mais flexibilidade na maneira de trabalhar.

Era muito legal poder estabelecer cumplicidades que se fortaleciam no dia-a-dia e perceber a confiança que o diretor vai adquirindo em seu trabalho e aceitando suas  pequenas propostas dentro da grande “usina” que é um estúdio, com regras e funções absolutamente definidas. Isso não é possível com uma participação, não dá tempo, embora, por isso mesmo seja mais difícil.

Gosto muito do namoro com a câmera, aprendi a gostar. No início ela me apavorava, fui amaduredendo e  isso foi mudando. Fazer Artaud, ao contrário do que se pode pensar não me impede de gostar da TV, pelo contrário. O trabalho de consciência e disciplina que o mergulho em Artaud propicia, tem muitos matizes, extensões e contenções.

Um dos grandes desafios dessa trama, foi que ela se passava em três fases diferentes e que eram, por motivos diversos inclusive a pandemia, driblando a ausência forçada de alguns atores, gravadas em total descontinuidade e os roteiros por vezes, eram alterados em cima da hora. Tínhamos que estar alertas e disponíveis. Era preciso sempre estar revendo mentalmente as cenas anteriores para acertar o tom, mas o elenco foi muito bem  assistido por toda a equipe… Um grande exercício de interpretação, sem dúvida. Deixou gosto de “quero mais”.

Novela “Gênesis” – Rede Record.

 

“UM CAFÉ E QUATRO SEGUNDOS” – Eu já havia trabalhado com o Osmar no teatro e com o diretor Cristiano Requião em outros filmes seus. Mas nem por isso foi uma ação entre amigos.

Era um outro ator que iria fazer e que na última hora não pôde. A Luana Prado, filha do Osmar, fazia a direção de Arte e eles pensaram em chamar o Osmar que por sorte, gostou muito do roteiro, que de fato era muito bom.

Um encontro matinal entre dois militares torturadores na época da ditadura para um antigo ajuste de contas de um deles: o que se arrependera de tudo  e  que  teve um sobrinho morto pela tortura por engano. O outro continuva convicto da necessidade daquele sistema de forças que segundo ele deveria inclusive voltar.

Contracenar com um ator como Osmar é sempre um grande desafio e uma grande prazer.

O filme se passava na mesa da cozinha da casa de um deles, era um embate acirrado. Acho que o resultado ficou bom e o filme ganhou muitos prêmios em festivais.

Infelizmente, o filme teve um discurso profético, através da boca do personagem do Osmar. Estamos voltando aos poucos a viver numa ditadura. O filme foi feito em 2018, antes das últimas eleições presidenciais. Se continuarmos nesse caminho daqui a pouco ele será censurado. Me orgulho de tê-lo feito.

“Um Café e Quatro Segundos”. Com: Samir Murad e Osmar Prado.

 

 

 

 

Francis Fachetti – Fale sobre o encontro que reuniu aficcionados teatrais, numa oficina que resultou no espetáculo: “O Berço de Steinbeck” – que fez a adaptação e direção.

Samir Murad – Essa foi mais uma experiência absolutamente  norteada por vislumbres e práticas artaudianas.

Eu  havia sido convidado pela coordenadora do Centro Cultural Laurinda Santos Lobo, Nádia Mandela, para substituir Vicente Maiolino em um projeto de uma oficina de teatro para toda a comunidade de Santa Tereza. Vicente havia sido assassinado, era meu amigo, eu já tinha trabalhado sob sua direção e relutei se deveria aceitar. Pensei e prometi ao Vicente que faria um trabalho  à sua altura, honrando seu nome.

O Laurinda é um lugar maravilhoso, cheio de possibilidades espaciais e com uma pequena sala de teatro. Com a excelente condução de Nádia como produtora cultural, um  grande grupo de pessoas afluiu ao Centro – muita gente do bairro e também de outros lugares – afinal a oficina era gratuita. Um grupo absolutamente heterogênio na formação, na idade e nas expectativas.

 

“Berço de Steinbeck”.

 

 

Comecei com conteúdos básicos de formação e a maior dificuldade de cara, era a grande rotatividade de pessoas, gente que vinha, faltava, o que me inpedia de desenvolver um processo de verdadeira aprendizagem. Um elemento dificultador é que as aulas eram a tarde, e as pessoas  tinham de fato outros afazeres.

Com algum tempo e muita paciência, houve uma seleção quase natural e chegamos a conclusão, já com o grupo um pouco menor, de que poderíamos montar um texto como forma de objetivar o curso e chegar a algum resultado apresentável. O meu receio era que caíssemos na velha máxima de ter de montar algo para “mostrar trabalho”.

 

 

 

 

Decidi lançar mão de uma adaptação do primeiro livro do autor John Steinbeck, chamado “O Berço de Ouro”, que era a história romanceada de um capitão de piratas que de fato existiu, chamado Henry Morgan. Eu  já tinha essa adaptação na gaveta há muito tempo, já tinha mostrado para algumas pessoas mas nunca havia conseguido fazer nada objetivamente, por ser um projeto com um elenco grande e muito complexo. Havia chegado a hora de experiementar sua eficácia.

Apesar de ser  um romance, o texto trazia um lirismo emocionante quando lido para o Teatro. Para fazer alguns personagens mais velhos chamei amigos atores que estavam próximos, em função da Herbert Richers, como Pietro Mario, Maria Helena Pader e Carlos Seidl, todos grandes atores. O astrológo Pedro Tornaghi também participou fazendo o Mago Merlin.

Inspirado acima de tudo  pelo espaço,  pude colocar alguns elementos de linguagem que já experimentara comigo, e outros inéditos. Começamos um treinamento intenso, que começava no texto, passava pelo corpo, pela voz e terminava no espaço. Fizemos um espetáculo itinerante, onde os espectadores eram conduzidos e incorporados à cena, os atores esculpiam-se a partir de cada pedaço do cenário do casarão e ainda transformavam-se em animais e objetos. Uma árvore virava um mastro de navio, uma escada um tombadilho, um tronco uma mesa de bar, um jardim uma estrada e às vezes uma  janela  era uma janela mesmo que o personagem abria, fazendo o público  ver junto com ele.

Acho, que junto com ARTAUD, de outra forma – foi a experiência mais absoluta que tive em relação ao ato teatral. Utilizamos nesse trabalho conceitos como performance, bodyart, estátua viva, instalação e em  nenhum momento havia um espaço  propriamente teatral, tudo era Teatro! O espectador  via o espetáculo como um filme ao mesmo tempo  que estava dentro dele.

A oficina durou dois anos e conseguimos chegar na metade da adaptação em em função das dificuldades de continuidade que já comentei. Penso que para um elenco, em sua maioria com pouca experiência e cultura teatral, eles foram absurdamente eficazes em sua comovente entrega. Isso aconteceu há quase dez anos. Até hoje alguns integrantes falam comigo dessa convivência que  foi  o berço de muitos atores que despontaram no Teatro como  Du Machado, Luana Arah, Thiago Páscoa, Michele Lima e vários outros e também por ser o primeiro livro do autor, ele foi batizado como  “O BERÇO DE STEINBECK”.

 

“O Berço de Steinbeck”.

 

 

 

 

 

 

 

Francis Fachetti – Para fechar com chave de diamante, apresente para nós três espetáculos teatrais que te trouxeram as maiores recompensas, seja pessoal, profissional, ou como resultado do seu ofício atoral, e diga o porquê.

Samir Murad – Boa parte dos espetáculos que fiz sempre me trouxeram desafios saudáveis, assim como leituras, oficinas, palestras, participações em novelas e filmes, simplesmente porque sou apaixonado pelo meu ofício.

Trabalhar com Sérgio Britto, Augusto Boal e Bibi Ferreira, por exemplo, foram experiências  únicas e diferenciadas.

Espetáculo: “De Getúlio A Getúlio – A História de um mito”.

Direção: Sérgio Britto. Com: Osmar Prado e grande elenco.

 

 

Atuar com Regina Miranda em seus espetáculos com uma forte ênfase no trabalho corporal, assim como participar de alguns grandes musicais, focados no canto e na dança, foram experiências que muito contribuiram para meu aprendizado.

Todos os solos que fiz me trouxeram muita satisfação por me permitir experimentar possibilidades que eu não havia tido oportunidade, principalmente ARTAUD,  mas depois de muito queimar a mufa, escolhi três peças que me marcaram pelas singularidades que havia junto a elas. Concluí pelas minhas escolhas que gosto de aceitar desafios bem feitos. Senão, vejamos:

 Eu fiz um espetáculo com direção de Sidnei Cruz, que era uma adaptação de quatro contos de Machado de Assis chamado PAIXÔES, feita por ele. Sidnei é um diretor muito especial, sensível, exigente e preciso. Sei que sou suspeito para falar mas considero esse trabalho,  uma verdadeira pérola de seu repertório.

Éramos um elenco de quatro atores, que ficaram amigos e fizeram todas as temporadas e viagens. Praticamente viramos um grupo. Estreamos em 1998 no pequeno Teatro do Museu da República, que se prestava perfeitamente  à encenação, que era intimista. Nos quatro contos,  fiz personagens distintos inclusive, na linguagem de atuação. Tivemos boas críticas, mas, a maior experiência que tive com esse trabalho foram as viagens que fizemos por diferentes estados do Norte e do Nordeste. É óbvio que viajar com teatro, para quem gosta, é sempre muito bom, mas, o diferencial aqui éram os lugares que conhecíamos, apresentando os espetáculos.

Me lembro que fizemos uma apresesentação em Mazargão – uma cidade no Amapá no meio da floresta amazõnica. Fizemos numa espécie de taba e as pessoas nunca tinham visto teatro na vida e embarcaram na viagem. Saí com outra visão do Brasil, percebendo como existe vida inteligente, sensível e talentosa em lugares que nem sonhamos existir nesse país. Fizemos várias viagens longas e foi sempre maravilhoso. Agradeço ao Sidnei e a Loly Nunes, atriz e produtora do espetáculo que confiaram em mim.

EDUARDO II – Eu tinha muita vontade trabalhar com o Moacir Gòes. Tínhamos feito algumas disciplinas juntos na faculdade e depois ele ficou famoso e perdemos contato.

Todos os espetáculos que assisti sob sua direção no espaço  III do teatro Vila Lobos, como ESCOLA DE BUFÕES, EPIFANIAS… me colocavam em contato com um tipo de trabalho de ator que eu queria experimentar.

Quando eu estava fazendo uma pós-graduação na UFRJ, ele me deu algumas aulas sustituindo um professor e falei com ele do meu desejo. Ele me chamou para ir a um dos encontros de uma peça que iria estrear no CCBB. De repente eu estava ensaiando ao lado de Beth Goulart, Enrique Diaz ,Gilberto Grawonski e Ricardo Kowovski, Guilherme Leme, com preparação corporal de Regina Miranda e mais um time de gente talentosa. Era um trabalho difícil. Texto de Chistopher Marlowe, em versos ainda mais rigorosos do que Shakespeare. Como dizia Ricardo “ se voce trocar um contudo por um entretanto, fu…!” .

Um cenário construtivista, com passarelas, globos, escadas, tudo de ferro, por onde caminhávamos, observávamos, falávamos, atuávamos. Concentração, atenção, densidade e desenho corporal, emoção na medida desejada pelo diretor. Eu fazia o Conde Lancaster , um personagem maravilhoso. Tínhamos casa cheia todo dia de quarta a domingo, com duas sessões aos sábados e domingos. Era 1994 e foi a única vez que vivi isso em minha vida, embora esse trabalho não tenha sido um dos mais elogiados do diretor. Mas, trabalhar com platéias lotadas e ilustres, ganhando salário –  foi a realização de um sonho que certamente todo ator de Teatro tem.

“ESSENCIAL” – Demetrio Nicolau tinha feito a trilha musical de MEMÒRIAS PÒSTUMAS DE BRÀS CUBAS, onde eu havia atuado e me convidou para participar de um projeto  bastante ousado. Seria no OI Futuro, o  primeiro espetáculo transmitido em tempo real pela internet. Eu atuaria ao lado da grande atriz e professora Nara Kaiserman.

 

Espetáculo: “Essencial”. Samir Murad e Nara Kaiserman.

 

 

O espetáculo tinha um número reduzido de  espectadores, um cenário futurista, com lâmpadas leds,  muitas telas para as quais eu falava como se me dirigisse a platéia e  por onde chegavam trechos de espetáculos, enquanto estávamos fazendo a cena e que tínhamos que incorporar a cena. O mote era o seguinte: um casal de atores tem a filha sequestrada e tem que apresentar o espetáculo que era a adaptação de QUEM TEM MEDO DE VIRGINIA WOLF. A atriz que fazia nossa fiha aparecia com seus dois sequestradores, um deles meu querido Ricardo Gonçalves, em outra tela e eles estavam em outro espaço próximos. Enfim, era um metateatro com alta dose de tecnologia, um embate cruel entre os dois personagens, que  no intervalo da “peça”, voltavam a ser o que eram de fato, enquanto tentavam falar com a filha.

Com uma equipe técnica numerosa trabalhando no making off, não havia espaço para erros. As marcações eram milimétricas, as quebras precisas, as emoções, direcionadas e medidas. Faziamos o espetáculo de terça a domingo. Foi uma grande responsabilidade como ator, dentro de um grande acontecimento teatral multimídia.

Para terminar, gostaria de falar que o Teatro para mim, representa a busca de um sentido e um caminho de auto-conhecimento. Isso não se restringe ao meu trabalho autoral mas se aplica principalmente a ele, em função das linguagens e dos personagens escolhidos, que estão ligados a um sentido mais essencial, quase primitivo do fazer teatral e Artaud legimitou e pavimentou essa minha busca.

 

“Memórias Póstumas de Brás cubas” – Adaptação e direção de Tereza Briggs. Com Samir Murad, Nizo Neto e Juiana Teixeira.

 

 

 

 

 

 

 

Não tenho religião nem me considero místico; o Teatro e a Atuação como um todo  me trazem esse senso de espiritualidade e de missão. Não fiquei rico nem famoso e ao longo da vida, vi muita gente boa desistir desse caminho, onde de fato temos dificuldade de explicar muitos sucessos e fracassos. Talvez só essa percepção mais profunda da arte que escolhi, que me mantenha no caminho.

Todos os acasos que aconteceram, principalmente ao longo dos meus procesos  autorais, como um refletor esquecido que provoca um efeito  impactante na última cena de CÌCERO e por isso é mantido, mostram que às vezes a mão da sincronicidade, ou seja lá o nome que tenha isso, mostra que estamos acertando. Claro, que isso aconteceu poucas vezes e a maior parte do tempo é ralação para descobrir mesmo e não raro sinto que a pesquisa de linguagem que tento desenvolver, está fora do tempo e de  lugar interessando a poucos – embora tenha consciência de que foram bem aceitos em todos lugares onde foram apresentados.

Como já disse nunca pensei em fazer solos, mas acho que o fato de ficar sozinho em cena,  fez com que eu desenvolvesse um maior sentido do sagrado no Teatro e paradoxalmente me deixou mais plasmável para trabalhar com os outros em propostas mais diversificadas.

Confesso que existem muitos diretores com quem gostaria de ter trabalhado e que não tive oportunidade, assim como muitos projetos pendentes que não consegui realizar, mas em contrapartida,  me sinto muito pleno com tudo  o que já realizei. Deve ser normal do artista nunca estar satisfeito com o que já conseguiu. Sem demagogia, desejo a todos que tiveram boa vontade de ler essa linhas, bons sonhos e realizações. Boa vontade e Teatro sempre combinaram.

 

 

 

Trajetória Artística:

 

.  ALÈM DA LENDA DO MINOTAURO” – Uma desconstrução da lenda clássica, que relativiza os conceitos de BEM E MAL, dialetizando as relações entre  herói e  vilão. O espetáculo infanto-juvenil escrito e dirigido por Samir Murad, estreou em 1996. O espetáculo marca a estreia profissional de Bruce Gomlevsky.

 

.  O CÃO QUE SONHAVA LOBOS” – solo musical infantil. O espetáculo realizou quatro temporadas entre 2017 e 2019 no RJ.

 

“ O Cão que Sonhava Lobos”.

 

 

 

– A trilogia – “Teatro, Mito e Genealogia”, realizada a partir de uma pesquisa de linguagem cênica, têm em conceitos e práticas teatrais de Antonin Artaud, sua principal referência.

Iniciou-se em 2001 com o espetáculo “PARA ACABAR DE VEZ COMO O JULGAMENTO DE ARTAUD”, uma investigação dos limites entre criação e loucura. Um dos dez melhores espetáculos do ano, segundo a crítica Bárbara Heliodora, do jornal O GLOBO.

Em 2008 “ÉDIPO E SEUS DUPLOS”, faz o personagem se debruçar sobre as origens familiares como forma de entender seu próprio destino. Naquele ano Inaugurou o circuito do PALCO DA EXPERIMENTAÇÂO no SESC-Tijuca, sob a direção de Ana Kfoury.

Em 2019, “CÍCERO-A ANARQUIA DE UM CORPO SANTO”, propôs, como nos trabalhos anteriores, uma situação-limite como ponto de partida para a reflexão sobre o poder  transformador do Teatro, para o ator e o espectador: o encontro da personagem com a própria Morte.

 

 

 

“A Moringa Quebrada”. Samir Murad e Cláudio Tovar.

Texto: Henrich Von Kleist – Direção: Gustavo Paso.

Elenco: Claudio Tovar, Samir Murad e  Cia. Epigenia- 2014. 

 

 

 

 

 

 

“Noel: O Feitiço da Vila”. Musical com direção de Édio Nunes.

 

“Variações Freudianas”.

Texto: Antonio Quinet, Samir Murad, Aline de Luna, Antonio Quinet –  direção: Walter Daguerre – 2014 -2015.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“O Anti-Nelson Rodrigues”. Com: Samir Murad e Luiza Maldonado.

Texto: Nelson Rodrigues – direção: Bruce Gomlevsky – 2016-2017.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Carmen de Cervantes”, Com: Samir Murad e Ana Paula Bouzas.

Texto: Marcos Arzua – Direção: Fábio Espirito Santo –  2015-2017- Elenco: Ana Paula Bouzas , Samir Murad, Maria Adélia, Ricardo Santos.

 

“Educação Siberiana” – Samir murad e Cicero Ferreira.

Livro adaptado de Nicolai Lilin. Direção : Gustavo Paso – 2019.

 

 

“O Pequeno Eyolf”.

Texto: Henrik Ibsen – Direção: Paulo de Moraes 2004/ 2005.

 

 

 

 

Televisão:

– GENESIS- TV Record – 2020-21 – Direção Geral Edgard Miranda.

– FINA ESTAMPA – 2012 –Tv Globo –Direção Geral : Wolf Maia.

Novela: “Fina Estampa” – Rede Globo.

 

 

 

 

Cinema:

“UM CAFÈ e QUATRO SEGUNDOS” – Curta metragem premiado, 2019. Elenco: Osmar Prado e Samir Murad –direção: Cristiano Requião.

 

“PÃO COM BACON”  – Direção: Thiago Oliveira –2011; “ LÁGRIMAS DE OGUM” – Direção: Renan Brandão  2009;   “ ENQUANTO FAÇO AS UNHAS” – Cristiano Requião – 2008;   “DEUS VAI NOS AJUDAR”    Direção: Pedro Carvana  – 2007.   “DOMINGO DE PASCOA” – Direção: Pedro Amorim – 2008; “O QUADRO” –   Direção: Thairon Fernandes. 

      

 “UM OUTRO OLHAR” – Direção: Cristiano Requião – 2010;  “HELENO” – Direção: José Henrique Fonseca – 2010;  “NO MEU LUGAR” – Direção: Eduardo Valente – 2008; “BENJAMIN” – Direção: Monique Gardenberg – 2003.    “O QUE É ISSO COMPANHEIRO?” – Direção: Bruno Barreto – 1996; “O CASAMENTO DOS TRAPALHÕES” – 1990; “THE FIFTH MONKEY” – (produção franco – italiana – 1990 );  “THE BIRDS OF RIO” – (produção Canadense – 1990).

 

– DUBLAGEM – 1992/2011 – Atuou em Diversas Séries, Desenhos e Novelas.

 

 

 

Simplesmente:

SAMIR MURAD

 

 

 

 

 

 

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