O Blog/Site: ESPETACULONECESSARIO.COM.BR, entrevistará vários artistas do universo teatral e da dança. O Blog/Site é de críticas teatrais e dança, no momento não temos espetáculo, dará luz e visibilidade para a cultura através da vida e projetos desses artistas tão maltratados por esses tempos obscuros.
Iniciou sua carreira em São Luís, MA.
Formação em Bacharelado em artes cênicas e Licenciatura, pela Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, DF.
Foi aluno de Dulcina, durante sua formação – um privilégio que poucos tiveram. Aprender com a maior comediante de todos os tempos, como muitos avaliam. Uma verdadeira “Diva do Teatro”.
Um currículo recheado de 50 espetáculos teatrais; 12 novelas, dentre elas: “Xica da Silva” e “Mandacaru” na TV Manchete; “O cravo e a rosa”, TV globo; “Canaviais de paixões” e “Carrossel”, SBT; “A escrava Isaura” e “Prova de amor”; “Caminhos do coração”; “Os mutantes”; “Promessas de amor”; “O outro lado do paraíso”, etc.
No teatro por cinco vezes consecutivas, interpretou Jesus Cristo, no espetáculo teatral: “Cristo da paixão, em Custódia, PE.
Recebeu prêmios de melhor ator de TV pelo troféu Raça Negra em 2007, SP, e melhor ator pelo Festival de Teatro, RJ, em 2010, e o prêmio UBUNTU de melhor ator em 2019.
Deo Garcez é autor do espetáculo “Luiz Gama – Uma voz pela Liberdade” – em cartaz desde 2015, onde faz o protagonista – sob direção do diretor teatral Ricardo Torres.
Em 2019, recebeu a Medalha Pedro Ernesto – a maior comenda do Rio de Janeiro -, pelos seus 42 anos de carreira, e por seus trabalhos voltados para a temática dos afrodescendentes brasileiros, culminando com o espetáculo “Luiz Gama”.
O ator é membro da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra, OAB, RJ, e igualmente da Comissão da Verdade da Escravidão Negra do Estado do Maranhão.
Atualmente está na novela “Salve-se quem puder”, TV Globo, e na reprise das novelas “A Escrava Isaura”, na TV Record.
– Entrevista com Deo Garcez:
– Fachetti – Iniciou sua carreira em São Luís, MA, como foi esse despertar para as artes, para o teatro, impulsionado por quem, e pelo o que? No interior do Nordeste?
Deo Garcez – Aos onze anos de idade, fui levado pela minha escola para assistir a um espetáculo no teatro Arthur Azevedo em São Luís -MA, minha terra natal. Imediatamente me apaixonei pelo teatro. Me apresentei ao diretor do grupo, o saudoso Reinado Faray e, em seguida, fiz um curso de iniciação teatral com ele, entrei para o grupo dele, que se chamava TEMA – Teatro Experimental do Maranhão, e não parei mais.
– Fachetti – Formou-se, assim como eu, pela Faculdade Dulcina de Moraes, DF. Teve o raríssimo privilégio de ser aluno da maior atriz de comédia de todos os tempos. Precisamos saber como foi esse aprendizado, esse feito histórico com esse mito, essa lenda do teatro brasileiro. Conte tudo que puder, por favor. Informação preciosíssima.
Deo Garcez – Foi uma experiência incrível ter sido aluno da Dulcina de Moraes, a maior personalidade do teatro brasileiro do século XX. Além de genial atriz, Dulcina era uma grande mestra, que, além do talento, do conhecimento técnico e teórico, ensinava o amor e a dedicação pelo teatro. Assim como ensinava também que a entrega absoluta, a intuição e a verdade são elementos imprescindíveis para qualquer ator ou atriz na criação do personagem. Como ela mesma dizia, a técnica é importante, mas quando a dominamos, precisamos esquecê-la e deixar que o personagem aconteça de forma orgânica e verdadeira.
– Fachetti – Dentre os 50 espetáculos teatrais que constam na sua carreira, destaque alguns deles, e sua relevância enquanto dramaturgia, e importância nessa carreira de interação com tantos palcos e emoções.
Deo Garcez – Destaco os espetáculos “A Batalha de Oliveiros e Ferrabrás”, de Waldemar Sola, direção de Ricardo Torres, pelas grandes qualidades do texto e do tema, que trata da luta de poder entre mouros e cristãos, assim como pela excelente direção, elenco e produção. Também destaco “Morte Sobre a Lama”, texto e direção de Ricardo Torres, igualmente pelas grandes qualidades do texto, direção, dos temas sobre violência sexual, incesto, pedofilia e suicídio, temas estes tão atuais e necessários de serem debatidos. E atualmente o espetáculo “Luiz Gama – Uma Voz pela Liberdade”, cuja dramaturgia é minha com a contribuição do próprio Ricardo Torres, que também é diretor do mesmo. Este espetáculo, como você mesmo diz, Francis Fachetti, é um “Espetáculo NECESSÁRIO”. Ele recupera a importância da história e da luta de Luiz Gama pela liberdade, igualdade, justiça e direitos humanos, valores até hoje, infelizmente, ignorados e violados no mundo e especialmente no Brasil.
– Fachetti – Você é um ator que se adaptou muito bem nas distintas linguagens – televisiva e teatral. Nem todos os atores conseguem se imiscuírem com sucesso, e conseguem desenvolver personagens com tanta diferença necessária na sua criação, em universos tão distintos – quem é ator sabe – são universos muito peculiares. Como é isso para você? Quais são, foram suas maiores dificuldades?
Deo Garcez – Acredito que essa minha adaptação se deve, claro, ao meu talento, algo fundamental para qualquer artista, mas sobretudo, ao estudo e ao aprimoramento técnico que desenvolvi para compreensão e execução das distintas linguagens. Para me adaptar às outras linguagens, eu que vim do teatro, quando resolvi fazer TV, fiz vários cursos de interpretação para vídeo com a diretora Tizuka Yamazaki e os diretores Atílio Ricó e Wolf Maia, cursos estes que ajudaram bastante.
– Fachetti – Aproveitando o gancho da pergunta acima, como é ser negro, e ter que lutar com mais garra, nesse selvagem mundo de preconceitos e de desigualdades cruéis?
Deo Garcez – Pois é! Nós, atores negros, temos que trabalhar dobrado, para sermos reconhecidos porque o racismo, exclui e ignora nossos valores. Então isso nos leva a lutar com mais garra, de forma a evidenciar e não deixar dúvida nenhuma sobre nossas capacidades.
– Fachetti – Interpretou Jesus por cinco vezes. Bravo! Mais uma vitória pessoal, de um ativista político ferrenho. Discorra sobre esses espetáculos, com essa temática religiosa, que sempre nos traz tantos conflitos, principalmente sendo um ator negro.
Deo Garcez – Ser convidado para viver Cristo, o maior personagem da história, tradicionalmente conhecido como um homem branco, de olhos claros, é um ato transgressor. Na realidade, como sabemos, o verdadeiro Cristo tinha a pele escura, então nada mais justo que ele seja retratado exatamente como ele era. No caso fui indicado por um amigo meu, o Claudio Cinti, que também é ator, para viver Cristo no espetáculo “Cristo da Paixão”, feito em Custódia – PE, sob a direção de Humberto Guerra, que imediatamente me convidou, levando essa reflexão à cidade, que aceitou de forma espetacular, sem questionamentos, sempre me recebendo como muito carinho. Arte para mim serve para isso: não somente divertir, mas também conscientizar, propor ideias novas, abrir horizontes, romper barreiras, proporcionar reflexões sobre temas necessários de serem debatidos e proporcionando mudanças positivas, sejam individuais ou coletivas.
– Fachetti – Os prêmios recebidos te remetem a que? Que sensações? Vitória? Ego? Dever cumprido? Ou simplesmente os vê, como consequência de seus feitos, da sua batalha nesse totalmente imprevisível e injusto mundo das artes que vivemos? Cite os que você considera realmente relevantes.
Os prêmios que recebi são resultados de todos meus esforços, dedicação e estudo para realizar meu sonho inicial de ser ator, de me manter na carreira de forma digna para fazer o que mais gosto, o que mais amo fazer, que é atuar. Eles são resultado de uma vida dedicada à arte de interpretar, longe de ego, mas sim uma necessidade existencial de me expressar enquanto ser humano e cidadão. Dentre os prêmios que recebi destaco os seguintes: o Troféu Raça Negra de Melhor Ator pela Afrobrás e Faculdade Zumbi dos Palmares em 2007 – SP, o Prêmio Arlequim de Melhor Ator pelo Festival de Teatro do Rio em 2010. E também a Medalha Pedro Ernesto, a maior comenda da cidade do Rio de Janeiro, que recebi da Câmara Municipal do Rio de Janeiro em 2019, em reconhecimento pela minha carreira, e por meus trabalhos voltados para a temática afro-brasileira, e para luta de combate ao racismo através da arte, em especial pelo meu espetáculo “Luiz Gama – Uma Voz pela Liberdade.
– Fachetti – Eu ouvi você dizer: “eu já tenho o DNA de Luiz Gama”. Discorra sobre essa frase. Quem é Deo Garcez hoje? Quem é Luiz Gama para você? Onde eles se encontram?
Deo Garcez – Verdade! Digo mesmo que tenho o DNA do Luiz Gama. Além da nossa cor em comum e tudo o que isso representa para nós, negros, eu trago comigo a indignação e a revolta quanto às maléficas consequências deixadas pela escravidão, e que a sociedade teima em perpetuar. Sou um cara em plena maturidade enquanto pessoa, artista e cidadão, e que faço da arte um instrumento da minha própria evolução enquanto ser humano, acreditando em poder contribuir também para a evolução das outras pessoas e da sociedade. Luiz Gama é a tradução exata da luta pela liberdade, igualdade, fraternidade e pelos direitos humanos. Luiz Gama e eu, nos identificamos em vários aspectos e caminhos, como por exemplo, no sentido da justiça, da generosidade, na luta por direitos, na luta pela liberdade e democracia.
– Fachetti – Nos conte sobre o espetáculo “Luiz Gama – Uma voz pela Liberdade”, de sua autoria, protagonizado por você, e dirigido pelo diretor Ricardo Torres. Ouvimos você falar desse necessário trabalho cênico, com muito orgulho, propriedade, como um brioso desenredar na sua retórica, na sua carreira auspiciosa.
Deo Garcez – Este espetáculo “Luiz Gama – Uma Voz pela Liberdade”, há cinco anos em cartaz, desde 2015, tem sido uma revolução na minha vida, nas nossas vidas, da nossa equipe, e na do público que o assisti. Poucas vezes um personagem brasileiro negro e real – foi retratado dessa forma pungente como Luiz Gama é colocado neste espetáculo. Com esta peça contribuímos para a construção de uma nova fase do teatro negro brasileiro, depois de Abdias Nascimento; com o seu importantíssimo Teatro Experimental do Negro.
Isso se deve ao fato de que recuperamos a importância fundamental de um ex-escravo – que se tornou o maior advogado dos escravos do Brasil – libertando centenas deles, recentemente reconhecido pela OAB como advogado, e já depois do nosso espetáculo, reconhecido por Leis Federais como o verdadeiro Herói Brasileiro e Patrono da Abolição da Escravidão no Brasil. Importante dizer que não somente contamos a história e importância de Gama, mas também a contextualizamos no atual panorama do país, correlacionamos as questões do Brasil Imperial escravocrata com o Brasil de hoje, infelizmente, ainda marcado pela prática de racismo, desigualdades, morticínio da nossa população negra, herança do sistema econômico, cruel e desumano e de um racismo institucional perverso.
Vale ressaltar que o espetáculo “Luiz Gama – Uma voz pela liberdade”, votará em cartaz assim que for possível ocuparmos os Teatros.
Essa foi um pouco da trajetória desse ator/ser humano talentoso, corajoso e guerreiro – Deo Garcez.
– Entrevista NECESSÁRIA discorre, na próxima quarta-feira, dia 09/9, o necessário caminhar de Victor Ciattei – professor de dança, bailarino, ensaiador da icônica bailarina ANA BOTAFOGO, e do primeiro bailarino do Teatro Municipal do RJ – CÍCERO GOMES.
Victor Ciattei, apresenta seu belíssimo novo projeto, amalgamando artes plásticas (telas), com a linguagem audiovisual, nos corpos de competentes, e mais que profissionais bailarinos. Simplesmente imperdível!