– O Blog/Site, não podendo fazer críticas de teatro e dança, dado ao momento delicado de pandemia. Continua dando visibilidade, com suas – entrevistas NECESSÁRIAS – a trajetória artística, e a projetos de artistas do universo teatral, da dança, e da arte flamenca (dança, música e canto).
Entrevista NECESSÁRIA:
FERNANDO DE LA RUA: Guitarrista flamenco, músico, compositor e docente.
Fernando de La Rua, tem uma ligação etérea, de grande caráter como homem e profissional – com seu país, interagindo de maneira comovente, as culturas espanhola e brasileira. Bravíssimo!
– Basta, acompanhar abaixo, sua trajetória, e suas palavras cheias de empatia, para nos convencermos disso, e muito mais.
Claro, que totalmente amalgamado, e com uma gratidão aurífera, pela mulher, e profissional estimadíssima e competente – Yara Castro.
Uma dupla e uma união necessária, ao universo artístico/musical; Brasil e Espanha.
Nascido em Itapeva/SP, filho de pai espanhol. Radicado em Madrid desde 2000.
A descendência espanhola influencia intensamente à sua personalidade e formação musical, inicialmente erudita. A partir de 1988, inicia sua trajetória musical dentro da Sociedade Hispano Brasileira.
Em São Paulo, e posteriormente, acompanha coreógrafas e bailaoras de Flamenco no Cenário Artístico da época tais como: Ana Esmeralda, Carmen de Ronda e Laurita Castro. Através de Laurita, conhece a bailaora Yara Castro, e a partir desse momento, desenvolve um trabalho até os dias atuais, de música para coreografia, ensino e didática do Flamenco, relação aos diversos pilares que compõe o baile Flamenco, em teatros e tablaos.
Paralelamente, seu trabalho está enriquecido com elementos harmônicos da música brasileira, criando temas originais para espetáculos, com montagens coreográficas na Espanha e no Brasil.
Como guitarrista, atua nos tablaos flamencos de Madrid, desenvolvendo a capacidade de improvisação acentuada, no típico “Cuadro Flamenco”.
Atuou nos principais festivais de música e dança por toda a Europa, América e Ásia:
Destacam-se: Amsterdam; Madrid; New York; Tóquio; Singapura; Paris; Washington DC; ONU (New York), entre outros.
REFERENCIAS ARTÍSTICAS E PROFISSIONAIS:
Grupo Flamenco Laurita Castro
Centro de Arte Flamenca y Danza Española “Amor de Dios”
Tablao Flamenco “Las Carboneras”.
PRINCIPAIS COLABORAÇÕES MUSICAIS NO BAILE FLAMENCO NA ESPANHA:
La China, Manuel Reyes, Domingo Ortega, Inma Ortega, Rocio Molina, La Tacha, Ana Romero, Rafaela Carrasco, la Popi, Ángel Gabarre, Rafael Jiménez El Falo, Manuel Liñan, Sara Calero, Gema Caballero, Juañárez, Alejandro Molinero, Marco Flores, Olga Pericet, Chelo Pantoja, Pedro Sanz, Jose Luis Montón, Pablo Suárez, Jesús Torres, entre outros.
Fotos: Colagem feita com dois fotógrafos: Levent Erutku e Thais Mazzoco.
PRÊMIOS:
– Melhor música para dança no “Certamen de Coreografia, Danza Española y Flamenco” em 2004, no Teatro Albéniz, em Madrid.
– “Autor Revelación” pela “Academia de la Música” de Madrid, evento realizado em maio de 2011.
– “Prêmio de música” da “Revista Brazil com Z”, em Madrid, evento realizado em junho de 2014.
TRABALHOS AUTORAIS:
Fernando compôs dois Discos: “Nuances” (2012) y “Aural” (2017). Projetos que possuem uma linguagem híbrida do flamenco, com elementos harmónicos da música brasileira. Os Dois Trabalhos foram lançados dentro da “Fundación Casa Patas” em Madrid, em março de 2012 e abril de 2018.
Lugares importantes do Brasil, onde os Cds foram apresentados, destacam-se:
O tradicional Bar Semente na cidade do Rio de Janeiro; Museu da Liturgia em Tiradentes; Clube do Choro de Brasília; Café Tablao em Campinas; Teatro do Sesc Sorocaba; Complexo Histórico-cultural “Villa Bombrini”, em Gênova; Projeto “Guitarríssimo”, do Instituto Cervantes, das cidades de Salvador, Brasília e Rio de Janeiro.
DISCOGRAFIA:
Como guitarrista e arranjador, Fernando de La Rua, colaborou em numerosos discos de artistas brasileiros e espanhóis, destacando:
BRASIL:
“Planeta Azul” – Chitãozinho & Xororó (1992); “Espírito Cigano” (1992); “Roberto Carlos” (1993); “Fortuna – La Prima Vez” (1993); “Fortuna – Cantigas” (1994); “Edson Cordeiro” (1994); “Chico Medori – instrumental” (1996); “Nosso Ninho – Negritude Junior” (1996); “Fortuna – Mediterrâneo” (1996); “The Eastern Side – Merit Aton” (1997); “Women of Spirit” (1998); “Jewish Odyssey” (1999); “Al Aire Flamenco” (1997); “Fortuna – Mazal” (1999); “Fortuna – Caelestia” (2001); Fortuna – Encontros” (2002, 2003).
ESPANHA:
“De ida y vuelta” – Patricia Prieto (2005); “Soleando Suite” – José Luis López (2006); “Sueños de un Hombre Despierto – Ismael Serrano” (2007); “Trabajito de Chinos – La Shica” (2008); “Supercop” – La Shica (2009); Telaraña – Canciones para mejorar el mundo” – Vanessa Borhagian (2009); “Onde é que o caminho sai?” – Flávia-N (2009); “Nuances” – Fernando de La Rua (2011); “Sin Compasión” – Pasión Vega (2011); “La llamada” – Ismael Serrano (2014).
EUA:
“Beyond the Sea” – Sabrina Rabello – NY (2009).
– PROJETOS ATUAIS:
Docente, Guitarrista e Compositor:
Professor especialista e Docente no “Conservatório Superior de Danza Maria de Ávila”, em Madrid, acompanhando aulas como guitarrista, sob a coordenação de: Rafaela Carrasco, Isabel Bayón e Jesús Torres.
Professor de Guitarra e Guitarrista nos cursos do Festival Flamenco de Stuttgart – Alemanha, (2016, 2017, 2018 e 2019), sob a direção do Bailaor e coreógrafo: Miguel Ángel Espino.
Dúos de Música:
“Saudade Flamenca” – Fusão flamenco-brasileña e latinoamericana, em parceria com a Cantaora madrilenha; Patricia Prieto.
“A dos Guitarras” – Duo de guitarras com repertório Clássico, Brasileiro e Flamenco, juntamente com o músico e guitarrista Clássico; Pablo Romero Luis.
“Duo Baguá” – Projeto instrumental de Choro com o Músico e compositor Marco Ruviaro (Bandolim).
“Dúo Arabiando” – Formado por Fernando e Letícia Malvares (Flautista).
Proyectos con Música y Danza –
Los Choros de Madrid – Música Instrumental Brasileira em Madrid.
Regional “Matuto” – Cuarteto de Choro com os Músicos e compositores; Marco Ruviaro, Barbara Piperno e Marco Zannoti.
Brasil Flamenco Madrid – Criação e Direção Artística da bailaora Yara Castro, e “Cuadro Flamenco”; com artistas Flamencos do Brasil e España.
Sons y Sonidos – Projeto idealizado por Yara Castro. Espectáculos, cursos teóricos e práticos de flamenco, por diversas cidades brasileiras.
ADM – Fernando participa como Guitarrista e Diretor Musical deste Projecto de Danza Clásica Española e Flamenca, idealizado pelo Coreógrafo e bailaor: Alejandro Molinero.
Entrando na entrevista necessária com: FERNANDO DE LA RUA:
Fachetti – Com uma formação inicial erudita, como são essas fusões na sua formação musical tão plural, com intensa influência da sua descendência espanhola?
Fernando de La Rua – Na Realidade, diria que minha formação inicial foi com meus pais dentro de casa, quando ainda residia em Itapeva, SP.
Sempre estive cercado de um ambiente festivo, e não acadêmico no âmbito musical, com duas influencias importantes e fundamentais, e que pesaram bastante, quando decidi ser um músico profissional: A cultura popular brasileira; incluindo o sertanejo de Raiz pela família de minha mãe Ruth, e o Universo Espanhol (folclore e algo de flamenco), através de meu Pai Isidro.
Apesar de meu início tardio, no violão aos 15 anosa de idade, essa etapa foi marcante em minha vida, pois me levou a buscar uma identidade, que veio a florescer bem mais tarde, quando eu já estava radicado em São Paulo por vários anos, onde realmente eu iniciei minha formação mais erudita em 1986; logo depois de trabalhar com Geologia na região Central do Brasil, pois era minha outra opção de identidade profissional, mas que não foi adiante, porque a música acabou me arrebatando por completo, felizmente. Então me apliquei aos estudos do violão Clássico, e fazia aulas quinzenalmente em Bauru, (Interior de SP), com o Mestre Geraldo Ribeiro de Freitas, importante referência, e exímio Maestro desse instrumento.
Ao mesmo tempo, eu estudava Bacharelado em Violão na faculdade de Música Carlos Gomes na Capital (que não existe atualmente), e também na Escola Municipal de Música de SP, sempre para complementar meus estudos na época. Essa fase durou de 2 a 3 anos, e foi quando acabei descobrindo o flamenco, como minha meta de vida profissional, e principalmente pessoal.
Fachetti – Yara Castro é persona e profissional de destaque no universo flamenco. A partir dela, começou a desenredar um trabalho com várias convergências. No seu olhar, nos conte o tamanho da importância desse encontro – profissional e pessoal – e como se desenvolve até os dias atuais?
Fernando de La Rua – Existe um Fernando antes, e depois de Yara Castro!!! Isso sempre vou levar comigo, até os últimos dias neste plano espiritual. Agradeço eternamente ao Clube Espanhol de São Paulo (Sociedade Hispano Brasileña de Socorros Mútuos), pois foi lá que conheci a pessoa que mudou minha vida completamente, e isso tanto no profissional como no pessoal. Penso que são encontros divinos e fundamentais para nossas vidas. Tínhamos uma busca em comum: O Flamenco; ou melhor, encontrar-se no flamenco, e sempre comentamos isso (até os dias atuais), sobre essa necessidade de se realizar, ou se completar na arte.
Eu era muito ativo nos eventos do Hispano, (como chamávamos o clube Espanhol na época), e depois de certo tempo lá, acabei me destacando como guitarrista de flamenco, sem muita experiência, mas com muita vontade de aprender e evoluir.
Foi quando Laurita Castro, (Mãe da Yara, e grande incentivadora de meu trabalho), coreógrafa e professora de flamenco, foi em busca de um guitarrista para tocar em projetos de dança, tanto nos espetáculos como nas aulas que elas ensinavam e, preparavam o próprio grupo.
Por outro lado, eu já acompanhava as coreógrafas, Carmen de Ronda e Ana Esmeralda, além do Grupo flamenco do Hispano. O resultado foi que esse encontro – ou essa oportunidade em minha vida – proporcionou um novo horizonte profissional, onde seguimos caminhando até hoje, além de todos os projetos dos quais eu sigo participando dentro do flamenco, aqui na Espanha. Afinal de contas, a grande responsável por estarmos vivendo aqui, é a Yara Castro. Ela que se atreveu a dar esse passo por nós dois.
Eu era muito “medroso” e demasiado prudente para mudar de país, ainda mais aqui na terra do flamenco. Mas, como nós viajamos durante 10 anos para cá, todos os anos, para reciclar e estudar o flamenco, ela observava os profissionais daqui, sempre nos dando apoio e afirmando que, se eu estivesse aqui, já estaria tocando em muitos tablados e acompanhando diversos artistas do mundo flamenco de Madrid, principalmente.
Foi o que aconteceu a partir de 2000, quando decidimos nos mudar para Madrid – sempre lembrando que quem fez isso acontecer foi a Yara; seguimos aqui com nossas aulas e projetos como sempre.
Outra pessoa fundamental para que esse sonho se tornasse realidade, foi o Bailaor: Pepe de Córdoba. Ele me proporcionou um aval artístico essencial, para seguir em frente na carreira musical flamenca.
Fachetti – Você é brasileiro, e não abortou suas raízes; ao contrário, está cada vez mais em inserção com nossa cultura e com nossos artistas. Bravo! Como se dá isso, para um afamado artista flamenco, que anexou essas conexões relevantes na sua trajetória?
Fernando de La Rua – Gratidão Francis! Pela sensibilidade e valorização, pelo fato de dizer, que eu nunca me desconectei da cultura do meu país de origem, o Brasil – é verdade.
Foi um processo longo e natural, e aqui eu incluo a busca da identidade musical – que é mais profunda e mais séria – do ponto de vista espiritual.
Devo um agradecimento ao gigante violonista brasileiro: Raphael Rabello, que me incentivou muito, ao ponto de me mencionar numa entrevista na TV Cultura. Isso também me deu mais confiança para assumir essa nova vida flamenca na Espanha.
Passei por muitos estágios em minha vida musical; a busca do quero ser “Gitano”, quero ser “Andaluz”, quero ser “Espanhol”, até que encontrei o que sempre estava buscando, ou seja, sou o Fernando, lá do interior de São Paulo, brasileiro e caipira de origem, com a outra metade na versão caipira espanhola, (rsrs), e que resultou nesta terceira identidade, que é a que me define como pessoa e ser humano, onde posso navegar por vários universos, sem levar comigo qualquer tipo de preconceito musical e pessoal – pois passei por muitos deles – inclusive em minha forma de ver a vida.
Penso que trabalhar com uma cultura que não é sua de origem, faz com que você desenvolva um mecanismo de imitação, logo no início desse processo, mas que com o tempo, você acaba por se desprender de clichês e códigos – que são necessários na evolução do aprendizado – para não criar preconceitos, e adotar uma postura de defesa com relação a quem não é “tão Flamenco como você conseguiu se tornar”, ou então, a “Marca Espanha é a melhor”, porque não cumpre com determinadas regras específicas de um coletivo, e que serve de tribunal para te aprovar, ou reprovar, o nível de “Flamencura” no sangue.
Essa barreira todos deveríamos superar, e eu posso te afirmar que consegui passar por todo esse processo, e me sinto muito seguro de quem sou como artista flamenco ou brasileiro, ou como as pessoas queiram chamar.
Tocar bem não sei se consegui (rsrs), mas minha identidade Flamenco-brasileira, sempre estará presente em minhas criações, incomode a quem incomodar, tanto aqui, como em qualquer parte onde eu vá trabalhar como guitarrista. Tive o Privilégio de encontrar e estabelecer um contato direto com o nosso Deus dos guitarristas Flamencos, Paco de Lucia, em várias ocasiões que tenho registrado em minha retina – naquela época, como você sabe, não existia Selfie né…rsrsrs -, e em minha alma de músico. E me lembro bem, que ao me conhecer, o Mestre Paco, comentou algo sobre minha forma de tocar, nos poucos momentos que me observou tocando, no Teatro Crowne Plaza, (Jam musical flamenca sob a Direção do Ator e diretor Sérgio Mamberti na época), que, eu, Fernando, “possuía duas qualidades que um guitarrista Flamenco deve ter sempre: Ritmo e Prudência”.
Fachetti – Quem é, no íntimo, no pessoal, no profissional, esse músico e compositor dileto/muito apreciável, chamado Fernando de La Rua? Faça seu próprio “raio X”, de coração aberto, para nós.
Fernando de La Rua – Basicamente: tímido, ansioso, algumas vezes inconsequente, prudente em questões de trabalho; até demais. Sempre respeitando o trabalho de meus companheiros, não gosto de críticas, principalmente vindas do famoso “Polegar para baixo”, do You tube, pois acho que é covardia, e não serve de referência para analisar nada sobre o artista, ou sua obra.
Uma vez me criticaram numa obra aqui, em Madrid, sem nenhum conhecimento de causa, e nem se deram ao trabalho de pesquisar minha vida profissional. Isso realmente me derruba como músico. Fico uns dias de mau humor, mas depois me recupero. Menos mau que não sou famoso (rsrs).
Sou uma pessoa simples, que gosto de coisas simples na vida, e valorizo muito a saúde mental e física. Não sou ambicioso, de maneira alguma – não critico quem tenha ambição – acho muito positivo aliás. Gosto de sossego e tocar com amigos que tenho muita identificação, tanto no flamenco como na música brasileira. Isso não quer dizer que não curta uma temporada viajando, e um belo hotel, também não sou de ferro, né? Já fiz isso diversas vezes com a Yara, e sempre fomos felizes.
Sou uma pessoa privilegiada, em termos de família. Não tivemos filhos, mas tenho uma enteada maravilhosa, da qual me orgulho, pois fui o pai musical dela, e como fruto dessa relação, ela ganhou um prêmio em Londres, cidade onde ela viveu por vários anos, resultando na gravação de seu disco, que se chama “beyond the Sea” – Sabrina Rabello.
Meus pais sempre me ajudaram e admiram meu trabalho. Tenho uma ótima relação com meu irmão e irmã, apesar de nenhum deles exercerem a carreira artística como eu. Enfim, me considero uma pessoa feliz, sempre questionando a vida em alguns aspectos, mas quem não questiona, não é mesmo? Senão, não tem graça.
Fachetti – Defina, para os leitores dessa entrevista, o que é capacidade de improvisação – esse impromptu – acentuado no típico “Cuadro flamenco”? Como você trabalha isso?
Fernando de La Rua – O “Cuadro Flamenco”, em minha opinião, é a maneira mais espontânea que existe da manifestação flamenca, pois aí estão os 3 pilares fundamentais: O Cante, o Baile e o Toque. O lugar sagrado para isso acontecer – é o “Tablao”.
Mesmo sendo um lugar “sustentado” pelo Turismo, aqui na maioria dos tablados, o momento sagrado de arte deve acontecer independente de quem esteja na plateia.
Normalmente numa apresentação de tablao, não existe ensaio, ou seja, todos os que estão no “Cuadro”, possuem experiência suficiente para “se jogarem na piscina”, e conseguirem plasmar suas emoções mais profundas e sinceras, através, dessa dinâmica maravilhosa da improvisação, que está presente em todo o momento, desde a “salida” do Cantaor, passando por toda a evolução do Baile em questão, incluindo as letras, os passos de “Marcaje”, as “Llamadas”, os “Remates”, as “falsetas”, dos guitarristas, até o “Cierre Final”, do bailaor, ou da Bailaora – que estiver conduzindo o número. É um momento de muita cumplicidade entre todos os artistas (cantaor, cantaora, guitarristas, Bailarores, bailaoras, palmeros, palmeras, etc), onde todos se ajudam para que a energia seja conduzida de maneira honesta, carinhosa, às vezes Melancólica – dependendo do astral dos artistas no dia.
Para mim, o “Cuadro Flamenco”, é o melhor exercício de percepção musical, interpretação, e criação, desde que me conheço como músico de flamenco. Minha forma de trabalhar a improvisação no Cuadro, sempre foi com o coração, mesmo nas minhas fases mais radicais flamencas, onde eu buscava ser um personagem flamenco, que jamais poderia me tornar, mas que foi útil para me descobrir, e completar minha identidade musical – como comentei anteriormente.
Fachetti – Nesse universo flamenco citado – dos memoráveis, célebres bailaores relacionados acima, que são muitos, você fez uma colaboração musical, como guitarrista e compositor, irrefutável. Fale um pouco desses artistas, e dessa colaboração, com sua música, sua guitarra, suas composições.
Fernando de La Rua – Felizmente trabalhei com muitos artistas que são referência mundial do baile flamenco, entre eles, a Maestra La China, que me direcionou, e me apoiou, quando iniciei na Escola “Amor de Dios”.
O Bailaor Manuel Reyes, que me acolheu como guitarrista compositor, em seu projeto de flamenco, e que foi meu primeiro projeto importante, aqui em Madrid durante 3 anos.
A Bailaora Rafaela Carrasco, onde participei em dois importantes projetos de sua companhia de baile.
As bailaoras do tablado “Las Carboneras”; Ana Romero, Manuela Vega e “La Tacha”, que sempre me incentivaram, e me proporcionaram durante muitos anos essa vivência do Cuadro Flamenco, onde adquiri muita experiência como guitarrista de Baile e compositor de música original para obras de dança.
Como não poderia deixar de mencionar aqui, o bailaor e amigo Domingo Ortega, e sua irmã Inma Ortega, que sempre me abriram as portas em seus projetos de flamenco, respeitando meu trabalho de composição musical.
São muitos artistas com os quais tive a oportunidade de compartilhar os “tablaos” e palcos, em teatros de vários países. La Truco, Belém Maya, Carlos Chamorro, Olga Pericet, Manuel Liñán, Marco Flores, Carmen La Talegona, Alejandro Molinero, entre muitos outros.
Fachetti – Os prêmios nos enaltecem no âmbito profissional, e na nossa alma de artista. Como você recebe esse reconhecimento vindo do universo, fruto do seu trabalho? Qual dos prêmios te deixa mais envaidecido, e porquê?
Fernando de La Rua – Nunca fui um alucinado por conquistar prêmios, mas te confesso que me senti muito agradecido por receber os 3 prêmios em minha vida musical flamenca e brasileira.
O mais importante para mim, sem dúvida nenhuma, foi o prêmio de “mejor música para flamenco, coreografia y danza española”, dentro de um festival importante, realizado no ano de 2004 no Teatro Cervantes, aqui em Madrid. Porque? Marcou uma fase em minha vida muito significativa, pois foi quando eu trabalhava com uns 6 projetos de flamenco ao mesmo tempo, além dos tablados diários, e as aulas na escola “Amor de Dios”.
Foi uma fase muito frutífera no flamenco de Madrid. O “Las Carboneras”, estava a mil por hora, marcando tendências, tanto no Baile, como na forma de acompanhar, e eu me sentia dentro dessa dinâmica, e sei que também fiz parte dessa época, influenciando, com meu “tempero” Brasileiro, em muitas coreografias, e em muitos momentos do “Cuadro Flamenco”.
Nessa noite que ganhei o prêmio, foi com a Olga Pericet e o Marco Flores, interpretando “Suite em Câmera Negra”, que também ganharam o prêmio de melhor coreografía (Olga), e além desse trabalho, eu participei com o bailaor, Manuel Liñán, que bailou à sua famosa coreografia “Madame Soledad” – e que ganhou prêmio revelação. E também toquei com a Bailaora e coreógrafa “La Truco”, com a obra “Remembranzas”, onde ela ganhou o 2ª lugar de melhor coreografia.
E para completar essa noite inesquecível, toquei com a Companhia de Danza da Maestra Rafaela Carrasco, que foi a convidada para fechar a noite.
Então, imagina minha emoção de fazer parte desse momento no mundo flamenco daqui de Madrid. Essa fase foi muito importante para mim, pois convivi com músicos de flamenco de várias partes do mundo. Madrid é muito cosmopolita nesse sentido, e sempre acolheu todo mundo, em questões de trabalho, ou de início de carreira. Sempre serei agradecido por esta cidade tão rica de cultura, e com aquela atmosfera de interior, como a cidade em que nasci, Itapeva.
Fachetti – Compôs dois discos: “Nuances” e “Aural” – com linguagem matizada do flamenco. Como a harmonia, a beleza, esse nosso espírito excessivamente intenso brasileiro, permeia esses dois álbuns preciosos? Aproveita, e fale, nos apresente “Nuances” e “Aural”.
Fernando de La Rua – Meus discos marcam essa evolução pessoal que tive dentro da música. “Nuances”, marca o encontro dos dois universos por onde sempre naveguei, como comentei anteriormente. Foi um ponto de mudança na minha forma de tocar, e entender a música, porque nessa época da minha vida profissional, aqui em Madrid, já estava bem integrado ao flamenco local, e foi quando comecei a resgatar toda a bagagem musical Brasileira, que deixei guardada num dos meus arquivos do cérebro, e do coração, para poder evoluir “flamencamente”.
Uma vez que me sentia seguro dessa “Flamencura”, comecei a ouvir violão brasileiro, mas muito mesmo, desde, Anibal Augusto Sardinha – o “Garoto”, João Pernambuco, Dilermando Reis, Marco Pereira, Guinga, até as influências híbridas do Grande Raphael Rabello.
Isso me ajudou de maneira fundamental para consolidar essa minha linguagem, ou forma de compor e tocar Flamenco – sempre com o tempero Brasileiro -, e que foi a maneira com a qual eu conquistei meu “lugarzinho ao Sol”; palavras da Yara, rsrs, e assim saiu o primeiro cd: “NUANCES”.
O tema mais representativo dessa época, e que retrata de forma muito fiel essa minha mudança de conceito, se chama “Nuances”, e é a primeira música do Disco. É uma bulería, com estrutura de choro, devido a harmonia que utilizo, marcada pelas maravilhosas intervenções flamencas do bailaor Domingo Ortega.
O “AURAL”, é uma continuidade do Nuances. Procurei manter essa linguagem híbrida. O tema principal se chama “Aural”, e também é uma bulería, mas com um pouco mais de caráter flamenco – sempre com meu tempero brasileiro, claro.
Os dois discos possuem temas matizados, algumas vezes com ritmos flamencos e harmonias brasileiras, e outras vezes, com ritmos e gêneros brasileiros, com intenções flamencas.
Fachetti – Esses projetos com música e dança. Disseque-os, falando um pouquinho de cada um deles. São cinco projetos. Importantíssimos, e de muita compleição; essa afluência de culturas; espanhola e brasileira.
Fernando de La Rua – Atualmente Trabalho em três projetos com música e dança e, dois projetos com música.
Os três primeiros são os seguintes:
“Brasil Flamenco Madrid”:
Trata-se de um projeto criado por Yara Castro, onde convidamos artistas brasileiros que residem ou, estão de passagem por Madrid, para atuar dentro de um “Cuadro Flamenco”, compartilhando o palco com artistas locais, tanto do baile, da guitarra, como do cante, sob nossa direção, e sempre buscando essa atmosfera do Tablado. O projeto existe desde 2006.
“Sons y Sonidos”:
Projeto que também foi idealizado por Yara Castro, e que é realizado em terras Brasileiras desde 2012, e que consiste em organizar cursos e espetáculos com artistas de várias cidades do país, principalmente incentivando escolas locais de cada lugar onde vamos trabalhar, estabelecendo dessa forma, uma parceria flamenca.
“ADM”:
Projeto Criado e Dirigido pelo coreógrafo e bailaor Español – Alejandro Molinero. O projeto possui características diversas como; a Danza Estilizada Española, A Danza Bolera, o Folclore e o Flamenco. Eu sou o Diretor musical e compositor da maior parte das músicas dos espetáculos.
Quanto aos dois projetos de Música, ambos são ligados ao Choro:
“Los Choros de Madrid”:
Projeto de Roda de Choro, aqui no Centro de Madrid, com músicos originários de diversos Lugares como, Brasil, Espanha, Paraguai, entre outros lugares. A ideia é expandir o conhecimento do repertório do Choro que, por ser uma música muito nossa, merece ter esse reconhecimento mundial, que o flamenco também está conseguindo nos últimos tempos. Nesse projeto eu toco o violão de 7 cordas, típico do Choro, mas com uma pegada flamenca, devido a minha forma híbrida de tocar.
“Regional Matuto”:
Trabalho idealizado pelo meu amigo músico Marco Ruviaro, onde também acompanho com o violão 7 cordas aflamencado. O grupo está composto por 4 músicos: Eu, no violão 7 cordas; Marco Ruviaro, no Bandolim; Barbara Piperno, na Flauta Transversal e Marco Zanotti, na percussão. Interpretamos repertório de sua autoria, sempre ligado ao Choro.
Estivemos tocando em festivais de música em países como Alemanha, Bélgica, e aqui na Espanha.
Fachetti – Nos conte sobre seus trabalhos atuais: Professor especialista; docente. Acompanha aulas com guitarra – adoro aulas com guitarra – extremamente necessário. Como se desenvolve? Esses trabalhos coordenados por artistas pujantes, seguem uma linha mais contemporânea ou clássica? Quais os resultados efetivos? E como isso impulsiona seu trabalho como músico, compositor, professor e ser humano? Ufa! Dez perguntas em uma! rsrsrs
Fernando de La Rua – Ótimas perguntas. Este é o meu principal trabalho, atualmente. Além de guitarrista acompanhante nas aulas de dança, eu também ensino uma matéria para bailaores e bailaoras, que se chama “Musica Aplicada a la Danza”. Nessa parte de docência, ensino noções de música em geral, e depois me aprofundo no flamenco – que é a parte mais importante neste caso.
Falo muito sobre estruturas dos bailes nos diversos palos flamencos, exemplos de cante para ouvir, bases da linguagem e nomenclatura na guitarra flamenca, pois é importante na prática do tablado, mesmo para quem dança.
A parte de acompanhamento, eu trabalho nas aulas de metodologia, repertório e técnicas de flamenco, com as Maestras Rafaela Carrasco, Isabel Bayón, e um professor convidado a cada três meses; para dar aulas aos alunos da pedagogia de flamenco.
A Linha de ensino é mais tradicional, para que todos tenham consciência das estruturas dos bailes e dos diversos estilos do cante flamenco. Isso, não quer dizer que cada professor não coloque um pouco do seu estilo pessoal, em algumas montagens nas aulas de técnica. Os resultados são muito bons, devido ao grande rendimento que os alunos conseguem desenvolver, desde o princípio do curso.
Temos muitos exemplos da evolução técnica, e de linguagem de todos os que se formam nos quatro anos que dura este curso. A maioria começa a desenvolver trabalhos de ensino e didática dentro do flamenco em diversas escolas na Espanha, além de outros países. É uma formação de nível superior, e que além da parte acadêmica, o curso possui uma forte corrente de ensino prático, devido aos professores, tanto guitarristas, como cantaores, estarem na ativa aqui, nos tablados, e festivais da Espanha. Além de incluir vários alunos de destaque para atuar no circuito dos tablados em Madrid, aumentando ainda mais a experiência de cada um deles, durante essa época de estudo, ampliando posteriormente para a vida profissional. Isso é muito importante, pois o aprendizado é bastante claro e direto para todos os alunos.
O grande benefício que me traz neste trabalho é o resgate do mundo das aulas – atividade que exerci muitos anos no Brasil -, e isso proporciona uma outra perspectiva de trabalho, além dos tablados e criações para companhias de baile.
Como ser humano, sempre é positivo, pois, aprendo muito com todos os alunos, e com os companheiros, através da compreensão, respeito, arte, humildade, entendimento, e tudo isso, nesse universo que escolhi para navegar na minha vida – o flamenco. Salud y Libertad!!!!
Gratidão pela oportunidade!
Esses foram os empáticos, necessários, profissionais comprometidos com a evolução, interação, técnica, paixão, difusão, de duas culturas tão sedutoras e inexoráveis – Brasil/Espanha:
Fernando de La rua e Yara Castro.
Bem, senhoras e senhores, depois dessa aula de amor, técnica, disseminação de culturas; na próxima quarta-feira, dia de entrevista NECESSÁRIA, teremos o não menos empático e excelente ator – Ricardo Gonçalves, retornamos às artes cênicas. Teatro na veia.
Aguardo vocês aqui, que também são mega necessários. Até quarta, dia 30, de mãos dadas com: Ricardo; Rico Gonçalves
2 Comments
Regina Cavalcanti
Parabéns!
Amei conhecer a carreira de Fernando de La Rua🍷
Belizario
Muito bom saber mais das história deste artista que é tão grande quanto sua arte. Parabéns pela entrevista!