– Entrevista NECESSÁRIA: Cenógrafo José Dias

O Blog/Site, acende os holofotes, sob um artista de grandeza longeva, e com um legado descomunal, pelo seu ofício, para o desenvolvimento, e o avultado de proporções, nas artes cênicas, e no patrimônio de nossa cultura.

Trata-se do rotundo cenógrafo/arquiteto, de espetáculos teatrais memoráveisJosé Dias.

Dias, foi meu Mestre em minha pós-graduação em Linguagem Teatral; que sorte minha, e bênçãos do universo. Deixando claro, que essa entrevista, é uma carinhosa e genuína homenagem, diante de um artista com uma trajetória impossível de desvelar por aqui.

Abaixo relatarei um sucinto currículo de poderio imprescindível, onde poderemos relembrar de sua potência profissional, concedido para esse Blog/Site.

Nasceu no Rio de Janeiro, ex-aluno do Colégio Pedro II – Internato.

Diretor de Arte, Cenógrafo, Mestre e Doutor pela ECA–USP. Professor Titular da UFRJ e Professor Titular da UNIRIO, onde foi Vice-Reitor (2000-2004).

Começou sua carreira no teatro em 1970, como assistente de Pernambuco Oliveira, desde então, já participou como Cenógrafo de mais de 410 espetáculos teatrais no Brasil e no Exterior. Em mais de 45 anos de carreira, já foi premiado e laureado 32 vezes, tendo 55 indicações.

Entre as principais, destacam-se: Molière, Mambembe, Shell, IBEU, Cultura Inglesa, Oscarito, Paschoalino e Cesgranrio.

Na televisão, já trabalhou na extinta TV Tupi (1972-1973) e na TV Globo (1974-1989).

Foi responsável pela cenografia de diversas novelas, casos especiais; o seriado “O Bem Amado”, além de outros programas da emissora.

 No cinema foram mais de 25 filmes, entre longas, curtas e de publicidade.

Além do trabalho no teatro, tv e cinema, prestou assessoria técnica em projetos, reformas, construções e adaptações em mais de 100 teatros em todo o Brasil.

Autor dos livros: “Odorico Paraguaçú – O Bem Amado”, de Dias Gomes, lançado em 2009, e “Teatros do Rio do Século XVIII ao Século XX”, lançado em 2014.

Membro Titular de 10 associações e Sociedades.

Membro da Academia Brasileira de Educação, ocupando a cadeira de número 16.

Se dedicou a uma monumental pesquisa histórica sobre as casas de espetáculo do Rio de Janeiro, teatros que marcaram a vida cultural da cidade, desde os tempos do Brasil Colônia.

Realizou inúmeros trabalhos com Aderbal Freire-Filho.

– Depoimento de José Dias, que não poderia ser mais atual:

“Foi a vontade das pessoas de teatro, atores e diretores, o amor deles pela arte, que não os deixava desistir, já que eles sempre estavam prontos para reconstruir as casas, e isso manteve a arte teatral no país”.

Criou cenários para Bibi Ferreira, dentre outros artistas do cenário teatral, cinema e TV.

Dias, também é responsável por diversos teatros do país. Dentre suas grandes obras, estão a última reforma do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e o projeto do Teatro Bernardo Pereira de Vasconcelos, no Campus Realengo, onde foi aluno, do Colégio Pedro II – o prazer de ter projetado um espaço tão importante, na instituição que se formou.

 
– Entrando no legado de José Dias:

Fachetti – 45 anos de carreira, mais de 410 cenografias para espetáculos teatrais no Brasil e exterior. Qual sentimento que fica em todo esse legado? Conte uma (s), curiosidade (s), que queira destacar, desses feitos todos até hoje.

José Dias – São mais de 400 espetáculos, é uma história, não só da vida artística, mas, de reconhecimento, de respeito, de valor, por essa carreira de cenógrafo, de diretor de arte, como um homem de teatro. Eu sou um homem de teatro, cinema, televisão, publicidade. Ainda assim, não fica o dever de ter cumprido, estou num processo, sou um artista, e o artista não para. O dia que eu parar de criar, eu vou morrer. Eu não penso em parar, interromper esse processo de criação.

Atualmente estou fazendo dois espetáculos virtualmente. Os espetáculos virtuais, iremos estrear no Teatro Petra Gold, no Leblon.

O artista não pode deixar de criar. Eu faço tudo com muito amor, muita alegria, muita satisfação. Um dos maiores prazeres da minha vida nesse processo todo de criação, de ir formando jovens nas universidades, é saber, que foram meus alunos; hoje estarem ao meu lado na indicação de prêmios. Estarem me substituindo. A vida é essa, um ciclo, a gente está de passagem. Hoje eles já estão me substituindo na TV, no cinema, no teatro, na publicidade; são meus colegas. Uma felicidade maior de ver essa galera ao meu lado, projetando, indicados à prêmios. É um prazer muito grande. E muitos, chegando ao meu lado, e dizendo: “meu pai te mandou um abraço”, ele trabalhou com o senhor na Tupi, Globo. Ver esses jovens atuando é missão cumprida. Além de ser um artista, você forma pessoas, para o futuro. E ainda tem essa nova tecnologia que estamos utilizando.

Fachetti – Em qual linguagem artística – teatro, TV e cinema – José Dias se senti mais eficiente? Qual delas te dá mais prazer, e por que?

José Dias – Existe uma grande diferença, entre o teatro, cinema e TV. Todas me dão prazer. Existe Francis, todo um prazer em cada uma dessas linguagens, por que todas são extremamente distintas. Todas me dão prazer, eu curto muito.

O teatro é a palavra, o cinema é a imagem. E a TV é a palavra e imagem.  Muito diferentes.

E a cenografia dessas três linguagens, são completamente diferentes também. A TV a gente trabalha o realismo, naturalismo. No cinema, a cenografia é outra; se trabalha mais com identificação dos personagens, seu perfil, onde se passa a ação, isso acontece na TV também, mas, no cinema é mais importante.

No teatro o mais importante é o ator, a palavra; não é a cenografia. A cenografia é um elemento de apoio, de força para o ator, é uma forma que o cenógrafo cria, e que o diretor vai dar função a essa forma. Essa forma vai ter uma textura, uma cor, uma relação com perfil psicológico do personagem.

Isso tudo faz com que a gente leve mais tempo dentro do teatro, trabalhando a cenografia, do que na TV e no cinema. Eu tenho uma ligação maior com o teatro, que vai nascendo aos poucos. Na TV você chega monta, grava e vai embora; assim como no cinema.

No teatro estamos sempre conversando, trabalhando o texto, aprimorando. Vendo a concepção do diretor, traçando, criando essa forma para que o diretor possa dar função à ela. Para que tenha uma relação com a situação geográfica, social, política e econômica do personagem. Tudo é muito lento no teatro. Vai criando, criando, trabalhando com o figurinista, iluminador, com os atores.

Os atores só vão saber da minha cenografia, depois que definir o espaço cênico. Essa caracterização desse espaço, só vai acontecer com a ação dramática. Depois que eu definir numa maquete todo espaço com o diretor. No processo de criação, eu não posso conversar com ator sobre a cenografia que ele vai trabalhar, por que ele ainda está na fase de descobrir o personagem. Eu preciso que ele defina o perfil psicológico desse personagem, para que eu possa responder esse perfil com a cenografia. Isso se torna bem mais longo na linguagem teatral.

Fachetti – Autor de dois livros. Pode nos falar um pouco sobre cada um? Peculiaridades. Confesso que não conhecia esse seu lado literário.

José Dias – Eu fazia “O bem amado”, o seriado; aconteceu uma coisa engraçada. Eu tinha estreado um espetáculo em SP, com direção de Antonio Mercado, texto de Dias Gomes: “Campeões do mundo”, que tinha estreado no Rio, mas o Dias Gomes, resolveu me chamar para fazer em SP. Depois que estreamos, na volta, no voo, ficamos eu, a Janete Clair e Dias Gomes, conversando. Eu já tinha trabalhado na Globo, e ele disse que ficou muito feliz com meu trabalho em “Campeões do mundo”. Disse que sabia que eu iria acertar, por que eu sempre acertava os trabalhos que eu tinha feito com ele; em “Saramandaia”, e outras novelas que era assistente de cenografia.

O Dias Gomes me disse que eu era o único cenógrafo que entendia o que ele falava. Me disse: “eu quero que você faça O bem amado”.

Me apaixonei pelo texto, pelos personagens, por tudo, e fiz. Quando terminou eu escrevi um livro sobre “O bem amado” – mostrei para ele e acabamos publicando o livro. Publiquei um pouco depois que ele morreu, que acabou saindo por SP.

Esse livro tem todo um glossário que eu organizei, sobre neologismo, e ele passou a usar no seriado –  foi incrível isso! E ele pediu para usar; que eram as palavras que Odorico Paraguassú dizia. Assim que surgiu esse prazer de escrever, que eu tinha trabalhado no mestrado, que era sobre “O bem amado”.

O outro livro, eu fazia uma tese de doutorado. Era sobre os teatros no Brasil. Eu acabei ficando nos três séculos de teatro no RJ. Foram três volumes, e a Funarte acabou transformando num livro. Eu começo de 1767, e vou até 1999, foram cinco anos de pesquisa, de trabalho, que eu me orgulho muito.

Agora vou ver se começo escrever meu memorial, contando minha vida. Vou mostrar todos os trabalhos que fiz, com muitas fotos. Vai ser mais um livro de arte.

Fachetti – O que representa para José Dias, à Academia Brasileira de Educação, onde você é membro. Fale um pouco dessa instituição.

José Dias – A Academia foi fundada em 1977. Uma instituição de âmbito nacional, tem como base os postulados democráticos, e tem como finalidades principais; estudar as políticas públicas de educação, visando propor atualizações, modificações, e reformas que sejam propícias ao contínuo aperfeiçoamento da educação pública no nosso país.

Tem como função também, contribuir para o desenvolvimento da educação em todos os níveis e modalidades e ofertas de ensino. Desde o básico até à pós-graduação. Apresenta sugestões da melhoria da qualidade desses processos de ensino, de aprendizagem na educação, que é o alicerce de qualquer nação.

Visa o aprimoramento da cultura, junto com a educação. Resguarda, preserva, e cultua a memória, e o trabalho dos grandes vultos nacionais e internacionais que se destacaram no campo da educação.

São 40 educadores que integram a Academia, como membros fundadores. São nomes, que por eleição, integram, fazendo sua história de vida, sua importância, seriedade, e o valor da Academia Brasileira de Educação, que pode ser constada pelos currículos dos seus acadêmicos, onde cada um tem uma história de vida, dedicada a cultura, e a educação desse país. Me orgulho muito, em ocupar a cadeira 16 dessa instituição.

Academia Brasileira de Educação.

Fachetti – Coincidentemente, vivemos o mesmo desmonte em nossos templos teatrais, e da cultura, de épocas passadas. Você fez uma grande pesquisa. Trabalhou muito com o necessário Aderbal Freire Filho. Trace um paralelo com o que vivemos hoje, e como foi essa sua “parceria” com Aderbal?

José Dias – Trabalhei muito com Aderbal, no Centro de Demolição de Espetáculo, fizemos vários espetáculos. Pegamos o teatro Gláucio Gil, na década de 90, e eu fiz um projeto de reestruturação, eu e Aderbal, de todo o espaço. Acabamos com palco italiano, transformamos todo o espaço. Até hoje, estão lá, o urdimento.

Criamos a sala Yan Michalsky. Acabamos com o balcão, e criamos um espaço único, com todo o urdimento; cabine de luz e som, e depois mais duas salas. Não existia plateia, a plateia era móvel, de acordo com o espetáculo. Eu abri, alarguei a boca de cena, e todo o urdimento maquinário. Era um espaço reversível. Hoje colocaram uma plateia, ficou uma coisa horrorosa, que não era à nossa intenção. Tiraram a nossa placa, a placa de inauguração, que tinha o nome do Rogério Fróes, o meu nome, do Aderbal. Tiraram, e fizeram o que está lá. Colocaram a plateia fixa, acabaram com a salinha Yan Michalsky, e fizeram um bar.

Depois fomos para o teatro Carlos Gomes, que já tinha sido feito uma reforma pelo Orlando Miranda. Fiz muitos trabalhos com Aderbal; um querido amigo.

Trabalhei também, em teatros com grandes diretores; Zé Renato, Antonio Abujamra, Celso Nunes, Bibi Ferreira, Amir Haddad, Sérgio Brito, José Wilker – que fiz um espetáculo na semana que ele faleceu – com Miguel Falabella, Roberto Lage; são tantos. Muitos mesmos. Incontáveis.

Como em TV, eu trabalhei com um número sem fim de diretores. Na época dos casos especiais, onde eu trabalhei muito. Em novelas, com vários e vários diretores. Na TV Tupi. Globo. Grandes diretores no cinema. Publicidade, fiz um número sem fim. Filmes de longa-metragem.

O ano passado, 2019, fui indicado – melhor diretor de arte no festival brasileiro de cinema, um dos seis indicados. Como era voto popular, acabei não ganhando. Fiz um outro filme em 2019 também, fui selecionado, indicado para concorrer como melhor desenho de cenografia, e melhor filme estrangeiro no Festival Internacional de Madri. Fui indicado no Festival de Milão, como melhor filme estrangeiro.

José Dias e Aderbal Freire Filho.

Fachetti – Você projetou cenários para emblemáticos espetáculos e artistas. Pode destacar – pelo menos um nome – entre tantos, desses espetáculos, que você criou, por exemplo, para à Diva do teatro – Bibi Ferreira? Você foi o cenógrafo de um espetáculo, que eu participei, onde ela dirigiu.

José Dias – Fiz muitos espetáculos com Bibi Ferreira. Fiz no teatro João Caetano, com a direção dela: “Roque Santeiro”, texto de Dias Gomes.

Primeira peça infantil que a Bibi dirigiu, eu fiz a cenografia; no teatro Villa Lobos.

Ela quis me ver antes de falecer. Fui lá, no quarto dela, me ajoelhei. Ela estava deitada, e conversamos. No dia seguinte, ela faleceu. Bibi era uma enciclopédia ambulante. Trabalhamos muito mesmo juntos.

Fiz “Bibi in concert 2”. Enfim, são muitos trabalhos com ela. Guardo carinhos imensos de Bibi. Uma pessoa maravilhosa. Entendia de tudo, cenografia, iluminação….tudo! Dialogava com maquinista, cenotécnico, contra-regra, qualquer pessoa do teatro. Eu tive a felicidade de trabalhar com ela, não em TV, mas em teatro.

Sobre os desmontes teatrais, é lamentável”. Existe uma lei de 1958, que diz o seguinte: “Todo teatro que fosse desmontado, teria que ser erguido outra casa de espetáculo, para atender, para substituir esse templo que tinha sido demolido.

No Rio, o teatro Glória foi desocupado, o teatro da praia, o teatro Escala; não aconteceu nada. O Teatro Villa Lobos está em ruínas, o Teatro Maison de France já foi desativado, daqui a pouco muitos outros serão desativados, como foram desativados os cinemas na Cinelândia. O nome Cinelândia, vem de cinemas. Eram cheios de cinemas. Como a praça Saens Peña, na Tijuca. Em Copacabana. Está tudo desaparecendo. Eu sou a favor que reabra tudo:

Cinemas e teatros. Querem acabar com cinemas e teatros; não vão acabar nunca! Somos fortes! Vamos resistir! Vamos passar por tudo isso. Vamos voltar com mais força, mais criatividade! Mais talento! Humor! Alegria! Cultura e educação.

Uma das belíssimas, criativas, cenografias de José Dias.

Bem, esse foi um pouquinho do gigante cenógrafo; um operário das artes.

Vale, e deve-se destacar o que foi dito por DIAS – que estamos sendo acometidos de novo, e como temos que reagir, nesse momento de obscuridade cultural:

“Foi a vontade das pessoas de teatro, atores e diretores, o amor deles pela arte que não os deixava desistir, já que eles sempre estavam prontos para reconstruir as casas, e isso manteve a arte teatral no país”.

Na próxima quarta, 04/11, entrevista NECESSÁRIA, desembarcar em Jerez/Espanha, chegando na carreira e trajetória de um dos maiores expoentes da arte flamenca – o Maestro e Bailaor, Domingo Ortega.

Referência do flamenco pelo mundo. Esteve algumas vezes no Brasil, quando nós, artistas apaixonados pela arte flamenca, nos deleitamos com sua técnica, em suas aulas/classes. Em seu corpo, no seu baile –  um executar desenvolto em acirrada competência.

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1 Comment

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    Marcus Alvisi
    Posted 29/10/2020 at 14:21 0Likes

    Excelente entrevista. Parabéns. Viva José Dias sempre.

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