O Blog/Site, não fará nenhuma crítica teatral – está impedido disso. Melhor, em sua entrevista NECESSÁRIA, torna acessível, mais um pouco, de uma carreira de expressivos feitos imprescindíveis na cena cultural; um pai – que foi dirigido pelo filho – Pedro Kosovski, em um monólogo: “Tripas”. O pai, ator e diretor, com experiências incontáveis e incontestáveis:
Ricardo Kosovski.
Ator, encenador, pesquisador e professor.
Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ – Pós-doutorado pela UNICAMP.
Professor associado do Departamento de Direção Teatral e do Programa Pós-graduação em Artes Cênicas da UNIRIO.
Sua pesquisa acadêmica têm ênfase voltada para as poéticas da encenação, estudos sobre teatralidade, atuação cênica e autoficção.
Essa entrevista, tem passagens e relatos inéditos e peculiares, do cenário cultural das artes dramáticas.
Um acordo na UTI com seu filho Pedro: “quando saíssem de lá iriam viajar o mundo”, resgatar raízes – ancestralidade.
Surge a dramaturgia de uma cintilante cena teatral; “TRIPAS”.
Ricardo (ator e diretor) e Pedro (dramaturgo e diretor) Kosovski.
Embaralhe tudo, e veja mesmo assim um amalgamado sanguíneo artístico, em total potência cênica e visceralidade.
Os apreços e desapreços familiares se encontram nas idiossincrasias de ambos; na vida, na arte, no pai e filho, no desenlace orgânico e necessário da cena teatral. Bravíssimo!!!
O esbarrar inesperado com a dor/doença, revelou as fragilidades e fortaleceu o amor, as convicções, a empatia, que está se esvaindo da corrente sanguínea humana.
“TRIPAS”, além de um exemplar cênico vertiginoso, ousado e corajoso, fez desvanecer a possibilidade do desencontro de almas. Pai e filho, artistas incansáveis e artesanais.
Aqui, nesse espaço das artes, falaremos especialmente de dois monólogos, cheios de achádegos – contentamentos e compensações – “Tripas” e “Maracanã” (melhor ator do prêmio Shell 2020). E, falaremos do lado docente do nosso entrevistado, e sua necessária e frutífera parceria, com dois artistas icônicos: Maria Clara Machado e Domingos Oliveira.
Dialogando com Kosovski, em nossa – Entrevista NECESSÁRIA:
Fachetti – Esclareça, para conhecermos mais a fundo, essa importante e atravessadora história com o Tablado – Maria Clara Machado.
Kosovski – Meu vínculo com o Tablado, se inicia em 1976, e permanece até hoje. Lá ministrei aulas, atuei, dirigi, experimentei linguagens, fiz cenários, luz e escrevi peças. Enfim, minha formação ocorreu nesse ambiente livre – que só o teatro amador proporciona – mas sobretudo a consciência de que a arte só progride em espaços de afetividade e confiança.
Mesmo quando me profissionalizei, não abandonei o tablado como lugar de referência. Mantive viva em mim, a chama do teatro amador, sem fins lucrativos, sem preocupações comerciais. Teatro pelo puro prazer do fazer, do criar, do atuar, com liberdade e alegria. Foi onde compreendi, o verdadeiro valor de se devotar ao palco. Como dizia Maria Clara: “Amador: aquele que ama”.
Foi o Tablado que me iniciou nos mistérios da caixa preta, nos intrincados processos de produção, nos diferentes modos de se operar a cena, na diversidade de olhares artísticos. Enfim, uma escola, mas sobretudo um lar – ondei aprendi a trilhar no mundo das artes cênicas. Onde casei, tive filhos, dei aulas; onde conheci as melhores pessoas que encontrei na vida. Enfim, onde constituí uma família artística.
Fachetti – Essa parceria singular e “mutuofágica” – para o bem estar cultural – que você estabelece com Domingos Oliveira; como se desfia, no teatro, cinema e TV? Desvele para nós esse enlace.
Kosovski – Se, Maria Clara Machado foi minha mãe artística, o querido e saudoso Domingos Oliveira – foi o pai, entre outras coisas…
Em 1984, eu atuava em um espetáculo bastante comentado na época, “Lorenzaccio” de Alfred de Musset, no Teatro Villa Lobos RJ, com direção de Paulo Reis. Eu protagonizava o espetáculo, fazendo o papel de Lorenzo de Medicis (Lorenzaccio). O espetáculo era longo; 3 horas e meia, e se iniciava na rua, em frente ao teatro (Av. Princesa Isabel), seguia para as escadarias do teatro Villa Lobos, em seguida para o foyer, depois plateia, palco e terminava nos porões do teatro. Era um espetáculo itinerante, intenso e denso.
Ao fim de uma das sessões da temporada, indo embora para casa, fui abordado por um casal de espectadores muito comovidos. Ele me parecia bem mais velho que ela, imaginei que fosse pai ou tio da moça que estava com ele. Era Domingos Oliveira e sua nova namorada. E quem era ela? Priscila Rozembaum!
Conheci Priscila aos 9 anos de idade em Teresópolis, e desde ali me encantei por ela. Nos reencontramos 10 anos depois, no Tablado e nos apaixonamos. Ficamos juntos durante 3 anos, até que a vida nos separou, e anos depois nos reencontramos ali, subitamente, na escadaria do Villa Lobos! Eu a reconheci imediatamente!!! Foi um choque duplo; revê-la, e ao mesmo tempo, constatar que minha antiga paixão estava comprometida com um cara que já era uma pessoa importantíssima no mundo das artes. Eu não teria a menor chance de reconquistá-la…
Bom, minha história com Domingos começa desse jeito. O modo que encontramos para expressar o laço desse trio, foi trabalharmos juntos, constituindo uma companhia permanente de teatro, nunca formalizada oficialmente, mas foram 30 anos de trabalhos ininterruptos em teatro cinema e TV.
Domingos, Priscila e eu, nos transformamos em parceiros, sócios, realizadores – com uma relação de respeito e confiança. Uma história intensa de arte e amor.
Foram 12 trabalhos em teatro, 8 longas e 3 trabalhos em televisão. Muitas realizações, muitas histórias …
Nossa estreia, foi em 1988, com o espetáculo “Guerreiras do Amor”; adaptação de Domingos para “Lisístrata” de Aristófanes, com Maitê Proença no papel título. E daí em diante nunca mais paramos, até a morte do querido parceiro, em março de 2019. Nosso último trabalho
juntos, foi lançado postumamente, em setembro de 2019; o filme “Aconteceu na Quarta Feira”, onde faço o papel do ator Julio Mattos, casado com a atriz Julia Mattos (Priscila Rozembaum); onde Julio se depara com um Duplo, e a trama se desenvolve a partir disso.
Esse filme foi o último presente que Domingos me deu antes de partir.
Não posso deixar de registrar que o auge de nossa parceria, deu-se entre os anos de 1996 a 2006, quando Domingos foi designado gestor do Teatro Planetário RJ, pela secretária de cultura da época, Helena Severo, criadora da rede de teatros do município do Rio de janeiro, com verbas de fomento para produzir, dirigir, e gerir o espaço. Foi um tempo áureo para o teatro carioca.
Domingos, me oficializou namorado/marido/amigo/ irmão cênico de Priscilla. Fizemos todos esses pares no palco e no cinema. Ele foi um sábio… saudades, amor e carinho.
Fachetti – É de suma importância sabermos sobre seu lado docente, tão arraigado na UNIRIO. Como funciona? Os Bacharelados dos cursos e na graduação? Que tamanho têm essa força cultural existente nesses cursos de formação atualmente? Você enxerga como resistência aos desmontes que sempre vivemos?
Kosovski – Aprendi teatro praticando, como autodidata, como amador, e procurei a universidade, justamente para organizar, refletir e potencializar minhas experiências como diretor de teatro e ator, com muitas realizações também na área de cinema e televisão.
Fiz mestrado e doutorado na Escola de Comunicação da UFRJ, com o objetivo de compreender mais profundamente a prática e refletir minhas ações.
Portanto, o aporte da Academia, inscreve-se, para mim, em um espaço onde o objetivo que permeia minhas pesquisas, é sempre uma tensão que parta da conjugação práxis-teoria, que resulte em uma certa propriedade experiencial prática – fruto de uma vida profissional intensa e diálogos entre resultantes artísticas e reflexões acadêmicas.
Na direção reversa, procurei alimentar meus sistemas de realização artística, através dos novos conhecimentos adquiridos na Academia.
O Ricardo professor, existe a reboque do artista e vice-versa – um alimenta o outro em um espectro de trocas. Ou seja, enquanto o artista cria, o professor orienta, e quando o professor transmite, o artista revela que o saber na transmissão pode ser passado adiante de modo criativo e sensível. Os dois Ricardos se fundem em um.
A academia, nas últimas décadas, no campo das artes cênicas, teve um crescimento muito acentuado, com a criação de diversos cursos de graduação e pós-graduação pelo Brasil. Atualmente ganha em importância, não só como campo de pesquisa, mas também de
formação de plateia, estimulando jovens espectadores e fomentando experimentações em relação à linguagem da cena.
Por exemplo, o espetáculo “Tripas”, escrito e dirigido por meu filho, Pedro Kosovski, nasceu dentro da UNICAMP, junto ao meu pós- doutoramento realizado em 2017/18; dentro das dependências do LUME TEATRO/UNICAMP, sob supervisão de Renato Ferracini. Portanto a universidade é um campo fertilíssimo que vem se espalhando por várias universidades federais e particulares pelo Brasil afora, no sentido da formação, pesquisa, produção e valorização das artes cênicas.
Fachetti – Destrinche para todos, esse momento que o universo proporcionou ao pai e filho, entranhados numa narrativa de transcendência orgânica, emocional, política, ancestral e renascedora – o espetáculo: “TRIPAS”. Assisti, fiz uma crítica teatral, inserida nesse Blog – imbuído e impactado pela dor e beleza indescritível que se via em cena. O que ficou dessa construção?
Kosovski – “Tripas”, nasceu de uma experiência pessoal muito dolorosa. Quando vivemos situações extremas, em geral, ou sucumbimos à elas, ou avançamos na compreensão do sentido das coisas.
É curioso, um pai ser dirigido por um filho. Na vida ocorre o contrário, mas em “Tripas”, o que aconteceu, foi um ponto de virada desta relação; por que no fundo desse encontro não existiu pai e filho – e sim dois artistas.
Claro que isso foi uma construção, um trabalho. Não tem fórmula. Mas a vida nos proporcionou uma experiência rara, e singular, que foi o encontro entre pai e filho em outro lugar – na arte. É um privilégio para poucos e reconheço que fomos vitoriosos neste novo encontro.
Dois artistas da cena trabalhando juntos e, por “coincidência”, pai e filho. Quando me pego pensando nessa “coincidência”, me regozijo de alegria e emoção… É uma sensação fantástica.
Pedro é rigoroso, preciso, criativo. Falo isso com toda a calma e distância possível. Já trabalhei com gente incrível, incluo aí; Fernandona, Fernandinha, Aderbal, Amir, Domingos, Paulo Betti, e tantos outros. A lista é extensa; afinal são 45 anos de estrada, mais de cem peças, entre atuação e direção em teatro, cinema e tv. Muita gente, muitos estilos! Mas Pedro é artista mesmo! Sua grande prioridade é o espaço de criação, tudo fica à serviço disso. Ele aprendeu bem o ofício, e ainda tem muito a realizar!
Quanto ao espetáculo em si, ele continua vivíssimo. Estreamos em agosto de 2017 e fizemos excelentes temporadas no Rio, São Paulo, Porto Alegre, Curitiba.
Fomos agraciados com o Prêmio Shell 2018 de Inovação, e o Prêmio Questão de Crítica. Fomos indicados aos prêmios: Cesgranrio, Botequim Cultural e APTR; para melhor ator, autor, diretor e cenógrafo. Houve um belo reconhecimento de crítica e público.
Neste fatídico ano de 2020, “Tripas”, foi selecionado para o importante Festival de Avignon Off, que teve sua edição cancelada, como tantos outros eventos culturais, mas já estamos convidados para a edição de 2021, com a esperança de que até lá, as coisas melhorem. Recentemente fizemos uma pequena adaptação de “Tripas”, dentro do projeto “Em casa com Sesc”, onde ao vivo, uma versão online da peça batizada de “Tripas in box”.
O trabalho teve uma repercussão muito boa e ficamos felizes com o resultado. Aproveito para deixar o link do trabalho aqui, caso alguém se interesse em assistir: https://youtu.be/w6. O link é gratuito e estará disponível até 31/12/20.
Fachetti – “Maracanã”, te “deu”, o prêmio Shell de melhor ator de 2020. Merecidíssimo! Confesso que assisti, conversamos sobre isso, e no dia que assisti, houve um descompasso entre narrativa e meu entendimento. Sua força cênica – conheço muito bem. Uma direção necessária, de poderio, por Moacir Chaves. Fale sobre a inteireza, a forma, a “leveza” cênica desse trabalho.
Kosovski – “Maracanã”, de algum modo, conversa com “Tripas”. Nunca pretendi fazer monólogos, mas a vida, felizmente, me levou a realizar
estas duas obras, uma atrás da outra, sendo que ambas continuam ativas.
A história de “Maracanã”, também começa no período que eu convalescia, antes da realização de “Tripas”.
Moacir Chaves, grande companheiro, colega do departamento de direção teatral da Unirio; diretor consagrado – ao qual sempre admirei e acompanhei a obra, enquanto eu estava hospitalizado – ia me visitar diariamente, e dali consolidou-se uma grande amizade entre nós e instalou-se em mim um profundo sentimento de afeto e gratidão.
Depois de assistir “Tripas”, me puxou num canto e disse: “Temos que trabalhar juntos urgentemente!”. E daí começa a nascer “Maracanã”, escrito e dirigido por Moacir.
Para além das questões artísticas e de conteúdos que essa obra versa, considero a peça como uma comemoração de nossa amizade! Certamente é o início de uma parceria artística. Coisas novas estão a caminho.
Tive a honra de ser agraciado com o Prêmio Shell 2020 de melhor ator por “Maracanã”, e também, a indicação para o prêmio Botequim Cultural, o que foi um grande consolo em tempos de pandemia.
Em cena, um homem fala apaixonadamente sobre a tragédia mais sombria de William Shakespeare: “Macbeth”. Ao mesmo tempo em que refletimos sobre as questões levantadas na peça. Somos levados a imaginar qual a história da figura que nos fala, assim como refletimos sobre o enigma do lugar em que estamos todos nós naquele momento – nós e este homem que nos fala.
O título do espetáculo se relaciona ao comportamento da multidão, do sentimento de impunidade que surge, quando não precisamos mais questionar nossos atos, porque eles estariam sustentados pelo senso comum, por toda a comunidade. Desta forma, nossa culpa por fazermos aquilo que desejamos, e que sabemos que não devemos fazer, se dilui e deixa de existir, sendo absorvida, (e absolvida), por “instâncias superiores”.
“Maracanã” me ensina muito, é denso e leve, divertido e dramático, misterioso e simples…
Essa é a caminhada artística e pessoal, de um dos homens/artista mais marcantes do nosso cenário cultural – Ricardo Kosovski.
Entrevistas NECESSÁRIAS, na próxima quarta, dia 18/11, coloca no centro desse espaço das artes, em holofotes categóricos; um grande operário da arte. Ator e encenador/diretor, luzente, polido em sua arte, com seus “insólitos”, necessários trabalhos de convergências reflexivas; 40 anos dedicados a cena – Eduardo Wotzik.
1 Comment
Susan
Gostei demais da peça Tripas.Intensidade, coragem e fortes interpretações. Muita criatividade do cenário ao texto.