O CORPO FINITO, O CORPO EM SUA MAZELAS, O CORPO COMO “ADUBO”, TERRA, MORTE, INEVITÁVEL. A VIDA EM PUTREFAÇÃO, APODRECIMENTO DE NOSSOS COSTUMES.
O espetáculo “ADUBO”, em cartaz na Sede das Cias, é um monólogo interpretado brilhantemente pelo ator VINÍCIUS TEIXEIRA, com direção de JULIANA LINHARES.
Um trabalho de profunda pesquisa do humano, do teatral, da cena e de nossas mazelas apodrecidas.
A vida e a morte expostos em cena, usando metáforas com enorme potencialidade e verdades que nos identificamos brutalmente.
O intérprete se veste de inúmeros personagens que nos coloca num caminho de dúvidas, reflexões, verdades, medo e constatação que estamos aqui como iguais, não importa o tamanho de sua “riqueza” espiritual ou material.
O espetáculo “ADUBO” fala, cara a cara, olho a olho, coração cênico a coração público, da morte e de todo o estado de putrefação, decomposição dos comportamentos morais/sociais e da deterioração dos trejeitos dos seres humanos.
Adubo como vida, e a terra que encobre essa mesma vida com suas volubilidades.
A volubilidade que nos faz cruel perante nossos semelhantes, e que nos faz ter julgamento de valores da vida alheia. Como se o nosso corpo, a nossa voz, tivesse e pudesse sentenciar uns aos outros.
“Dramaturgia construída em processo a partir de textos de CAIO RISCADO, JULIANA TEIXEIRA, TOMÁS BRAÚNE e VINÍCIUS TEIXEIRA”.
Um criação de VINÍCIUS TEIXEIRA que se põe em desafio na cena, querendo entender seu corpo, alma e sua existência, nos ajudando a entender a nossa existência.
A direção musical e a trilha sonora de BETO LEMOS é magistral. A poesia da música em conexão direta com o lúdico teatral/personagens/proposta dramatúrgica, nos leva para o infinito do encantamento.
CRIS DE LAMARE presenteia o intérprete com um cenário que faz alusão ao nosso corpo, colocando em cena, um coração gigante, como se o próprio, guiasse a vida em direção a morte. Simples, e de grande ligação com a escrita.
Um cenário com terra, que aduba e alimenta o organismo. Lindo!
Um figurino bastante pertinente a proposta, assinado por KARINA SATO, manuseado com facilidade pelo ator.
A direção de movimento e preparação corporal de EDUARDO RIOS e NATASHA JASCALEVICH potencializa o corpo do ator, dando-lhe um poder cênico de passar de um personagem ao outro com muita segurança e impacto na cena. Um visível trabalho de pesquisa corporal, criado com maestria e conhecimento.
Vale destacar a dedicada direção de produção de GEORGE LUIS PRATA.
A direção/encenação de JULIANA LINHARES é segura, dando aos signos teatrais toda a funcionalidade do texto. Profundidade em olhar apurado da cena. Uma encenação repleta de metáforas contidas dramaturgicamente, sem deixar de trabalhar com o inevitável vida e morte.
PAULO CÉSAR MEDEIROS com sua iluminação de competência, empodera a cena, o texto, revelando e amadurecendo o espetáculo totalmente. Sua luz define bem a passagem de cada personagem, em cada segundo interpretativo. Uma luz criada para enaltecer o ator.
O que dizer da atuação de VINÍCIUS TEIXEIRA?! Entregue no palco, apoderado e consciente corporalmente, alma cheia de talento. Verdade cênica absoluta numa dramaturgia que nos tira o fôlego, nos incomoda e nos faz repensar, ponderar, ruminar, o valor exato da nossa passagem nesse mundo. Temos algum “valor”? Servimos para alguma coisa?
Personagens bem delineadas, bem construídas e alicerçadas em suas espinhas dorsais dramáticas entre a vida/morte/desespero e convicção. Cada uma com seu corpo, sua emoção, esperanças e decepções.Talento numa escrita que nos inquieta, nos comove e se coloca como literatura de qualidade. Obra prima dramatúrgica e performática. Bravíssimo!!!
O espetáculo “ADUBO”, como um todo é imprescindível aos olhos e a nossa reflexão enquanto seres humanos.
Adubo/terra/morte, com um final amenizado simbólicamente pela indispensável ÁGUA, tentando limpar nossa crueldade de espírito e atitudes. ÁGUA que mata nossa sede, limpa nossos corpos, mas não consegue nos livrar do lixo que deixamos acumular em nossas entranhas.
Um adubo necessário a arte, ao teatro, ao público.