Crítica Teatral de “Um bonde chamado desejo”

UM LOCOMOTRIZ/BONDE, TRAZENDO A ELETRICIDADE E A VULNERABILIDADE DE UM DESEJO CARNAL E ESPIRITUAL DE VISIBILIDADE DESENFREADA.

O dramaturgo americano TENNESSEE WILLIAMS é considerado um dos mais importantes e influentes do século XX. Conhecido através de seus emblemáticos e icônicos textos que descortinam, na maioria das vezes, o caráter conturbado de sua vida pessoal e familiar.

Seus textos carregam uma escrita autobiográfica que determinou os inúmeros rumos do teatro ocidental.

Amealhou quase todos os maiores prêmios da literatura teatral de sua época. Um homem/dramaturgo que fala pelas vísceras vulneráveis impregnadas na alma humana.

O espetáculo “UM BONDE CHAMADO DESEJO”, em cartaz no auspicioso Teatro XP Investimentos, dentro do Jóckey club, com linguagem eloquente do norte-americano premiadíssimo, tem direção/encenação bombástica de RAFAEL GOMES, responsável também pela tradução preciosa.

“ENQUANTO NOS AFASTARMOS PELAS NOSSAS DIFERENÇAS, EM VEZ DE NOS APROXIMARMOS, O FIM TENDE A SER SEMPRE TRÁGICO”.

Esse texto/espetáculo é o embate, o conflito, a recusa de nossas diferenças. É com elas que exercitamos nossa tolerância com a vida, com o outro, e aprendemos o que é AMAR.

A EMPÓRIO DE TEATRO SORTIDO, é uma CIA. criada por RAFAEL GOMES e VINICIUS CALDERONI. Atua como um coletivo de autores-encenadores. Produz dramaturgia própria e recria textos clássicos e contemporâneos.
Destaca-se nessa empreitada teatral, uma acurada, lapidada e rebuscada produção de SELMA MORENTE e CÉLIA FORTE, com coordenação cuidadosa de EGBERTO SIMÕES.

TENNESSEE WILLIAMS nos presenteia com uma literatura de excelência, colocando em foco nossas diferenças, através da intolerância, desejos da alma e da carne, conflitos internos viscerais, descontrole do nosso eu imediatista, atitudes animalescas. Tudo isso em busca de uma aceitação própria e do olhar de outrem.

Uma escrita imbatível recheada de um doloroso lirismo. Uma dor lírica que nos torna impulsivos e donos da verdade. A verdade absoluta numa fluência arrebatadora em cena. Uma retórica, palavreado, vinda do âmago, do íntimo, da dor atormentada de cada indivíduo, como se todos falassem pela sua boca, seu protesto consumado pelo seu linguajar. Um homem que usa a vulnerabilidade humana, com o lírico de sua essência.

A direção/encenação de RAFAEL GOMES é um “ballet coreografado” através do jogo lúdico da teatralidade. O teatral permeado com a precisão técnica de uma dança de corpos e movimentos de intérpretes no limite da exaustão, cumplicidade, entrega e lealdade cênica. Lealdade essa, conduzida com o pulso da disciplina infinita. Uma encenação elaborada com presenças intrínsecas, espiritual, despojada de qualquer pudor. O coração do encenador em presenças interpretativas. Irretocável, teatral, urgente. Uma obra prima do tamanho da dramaturgia.

ANDRÉ CORTEZ criou num espaço de arena, onde todos os personagens presenciam e executam tudo. Um feito engenhoso, fecundo, de imaginação no ápice da cena teatral. CORTEZ “obriga” os atores a interferir em cada momento dramático. Um Electra/bonde, criativo, que circunda os embates e trás todo desejo contraditório humano, nos trilhos conectados com a escrita. No meio do palco um quadrado enorme de madeira multifacetado que serve de cama, casa, quarto, banheiro, “curral” do animal humano, e um “ato sexual sem consenso”, um deflorar carnal que conduz a impetuosidade dos desejos das personagens protagonistas: Blanche e Stanley. Um cenário ímpar, dando uma criativa e estupenda visibilidade a encenação e ao texto.

A iluminação de WAGNER ANTONIO capta, expõe e se conecta inteiramente com o despudor cênico, desnudando a beleza da literatura.
Um figurino “coringa” de efeito imediato é inserido nos corpos de cada ator/personagem. FAUSE HATEN transpôs em corpos cênicos exatamente o que se precisava vestir enquanto indumentária, na urgência do texto. Deu a força que as personagens necessitavam para ir além.

FABRICIO LICURSI, além de presença em cena com extrema exatidão, cria uma direção de movimento, que se confundi positivamente com a apurada direção/encenação. Uma movimentação no auge do ímpeto, com excelente e desenvolto trabalho corporal no desenrolar de um todo.
Um elenco afiadíssimo, afinadíssimo; MARIA LUISA MENDONÇA, EDUARDO MOSVOVIS, VIRGINIA BUCKOWSKI, DONIZETI MAZONAS, FABRICIO LICURSI, NANA YAZBEK e DAVI NOVAES. Todos merecedores de aplausos esfuziantes, com interpretações conscientes e adequadas às suas personagens. Talentos de intérpretes de escancarada dedicação e entrega. BRAVÍSSIMO!!!!

Destaques em plausíveis presenças e forças dramáticas meticulosas, irrepreensíveis para: EDUARDO MOSVOVIS e VIRGINIA BUCKOWSKI.
MARIA LUISA MENDONÇA será lembrada eternamente pela sua estada hierática, fidedigna, icástica. Uma atriz que criou através de seu caráter impetuoso, uma personagem de “empáfia” e ousadia exemplar imbuída de um simbolismo inesquecível. Uma atriz que transcende.

Como diz TENNESSEE WILLIAMS na boca de Blanche: “EU NÃO DIGO A VERDADE, EU DIGO O QUE DEVERIA SER VERDADE”.

“UM BONDE CHAMADO DESEJO” é uma experiência catártica, dentro e fora do palco, transcendente, onde enxergamos que a política da vida é mais exigente do que podemos imaginar, porém, temos que conduzi-la com lirismo. Uma dor lírica permeada com a liturgia teatral do encontro. Um encontro imbatível, implacável, com perdas e ganhos.

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