– UMA OUSADIA FABULAR NUM POEMA/TEXTO, EM ACONTECIMENTOS INCOMUNS, BUSCANDO NOSSA REDENÇÃO/LIBERTAÇÃO. UM ESPETÁCULO REVOLUCIONÁRIO, CONTEMPORÂNEO.
Em cartaz no CCBB, “GRANDE SERTÃO: VEREDAS”, espetáculo/instalação de um dos nossos autores mais imprescindíveis à literatura mundial; JOÃO GUIMARÃES ROSA, com concepção, encenação e adaptação da artista BIA LESSA.
BIA LESSA inaugurou o museu da língua portuguesa com uma exposição sobre a obra de GUIMARÃES ROSA em 2006, e iniciou sua saga em direção a essa icônica escrita de nossa literatura.
“GRANDE SERTÃO: VEREDAS” descortina uma história baseada num jagunço, Riobaldo, que atravessa o sertão para entrar em embate com seu maior inimigo, Hermógenes, com suas mazelas, sentimentos, frustrações, fraquezas e inquietações, fazendo um pacto com o diabo e se deparando com seu grande amor, Diadorim.
O texto, obra-prima brasileira do século XX, nos apresenta incontáveis leituras, possibilidades, de teor político ferrenho e revelador. Nos coloca diante de constatações transformadoras. Um romance “sagrado” que nos leva a vários lugares em nosso imaginário. GUIMARÃES diz: ” O sertão está dentro de nós”. Como diz RIOBALDO: ” Carece de ter coragem”.
Os universos contidos na obra é de grandeza avassaladora. A verborragia, palavra, em GRANDE SERTÃO, é de grandiloquência que nos faz interpretar seu escrito com inúmeros caminhos, e por isso nos obriga a debruçarmos nessa qualidade e quantidade possível de riquezas que podem transformar nossas vidas, caminhos, escolhas, preconceitos, e nos anuncia uma direção, em nossa caminhada, que talvez nos surpreenda e nos arrebate. Refletir para poder pensar em nos transformarmos.
O mais impressionante em GUIMARÃES ROSA é que as mazelas, neuroses, pobreza da alma e material, o nosso falecimento, tudo isso, pode dar lugar a luz, ao carinho, e despertar o amor.
Uma ousadia fabular, ações honrosas, um poema histórico. Um texto de poesia lírica, repleto de metáforas, que nos cabe desfrutar e desvendá-lo.
“Em 2002, o clube do livro da Noruega, inclui GRANDE SERTÃO: VEREDAS, em sua lista dos 100 melhores livros da história”.
Com concepção, direção/encenação e adaptação da multifacetada artista BIA LESSA, num criar teatral corajoso, arrojado, se apodera desse grande legado dramatúrgico do gênio JOÃO GUIMARÃES ROSA, nos faz avistar para nosso deleite visual, as necessárias veredas rosianas num ápice absoluto, ousado e crítico, com seu olhar diferenciado artístico, e nos fazendo enxergar em ângulos renovadores o decifrar de signos estéticos dessa primorosa escrita literária.
Sua encenação investiga, esmiúça, e nos faz exercitar nossa reflexão através de uma cena teatral apurada, aguda.
BIA LESSA em sua saga/encenação nos coloca numa inventiva arena/gaiola com total interatividade cênica com o ambiente/público, usando todas as palavras do texto, dispensando capítulos e impondo a trama cenicamente. Intimismo, público, dramaturgia, corpos, atores, emoções, regionalismo, e o teatral, juntos, misturados, confundindo e esclarecendo mentes ávidas ao saber. Tudo isso permeado por uma tecnologia(fones de ouvidos, etc), ajudando o espectador “enlouquecer”, se ” lambuzar” nesse universo onírico e de realidade tão presente.
Uma encenação onde atores onipresentes são pássaros, água, vento, seres humanos em luta por seus ideais e sobrevivência.
BIA LESSA privilegia o coletivo, a dramaticidade através do suporte da luz, não nos levando ao sertão, mas fazendo que ele se instale onde nossos corações precisa. Coloca atores como animais/natureza, privilegiando sempre a emoção, o intérprete, a dramaturgia.
Um espetáculo/instalação miscigenado/mesclado/heterogêneo. O sertão é conjurado, invocado, pelas expressões corporais, pelas vozes e entrega de todo elenco. Organicidade cênica. BRUNO SINISCALCHI como diretor assistente deixa sua competência imprimida ao lado de LESSA.
O desenho de luz criado por BINHO SCHAEFER e BIA LESSA acentua e dá lugar à força dramática, interpretativa, deixando a arquibancada/gaiola do “sertão”, iluminada com muita teatralidade. Momentos vazados e concentrados à cena, com uma luz poderosa para os embates, guerras, emoções, sentimentos confusos, conturbados e inquietantes. Uma luz enaltecedora dando alusão a um sertão inexistente/presente.
Uma vigorosa e apurada mixagem de vozes, sons ambientalistas, humanos, animais, feito por FERNANDO HENNA e DANIEL TURINI. Chegando aos ouvidos dos espectadores através dos fones de ouvidos, com perfeição na chamada paisagem sonora.
O elenco de plausível entrega em sua performance/intérpretes, composto por: CAIO BLAT, LUISA ARRAES, LUIZA LEMMERTZ, LEONARDO MIGGIORIM, LEON GOES, BALBINO DE PAULA, ELIAS DE CASTRO, CLARA LESSA, DANIEL PASSI, LUCAS ORANMIAN.
Destacam-se, por força de suas personagens, é claro, por suas presenças e força dramática/interpretações: CAIO BLAT, LUISA ARRAES, LUIZA LEMMERTZ, LEONARDO MIGGIORIM e LEON GOES.
ARLINDO HARTZ e sua equipe de produção executam uma árdua, eficiente tarefa.
A concepção espacial (cenário), de CAMILA TOLEDO e PAULO MENDES DA ROCHA é de visual grandioso, criando um “ringue de lutas”, arquibancada, como se fosse uma gaiola, dando total liga/conexão ao trabalho. Demonstram que em teatro, tudo é possível dentro de um contexto artístico coerente.
DUDU CASTRO impõe um trabalho de visagismo de competência e complementar.
Trilha sonora de EGBERTO GISMONTE de genialidade e extremamente interligada ao espetáculo. Cenas e atuações embalados por músicas de minúcia e decisiva participação na passagem das emoções e embates cênicos. Tocante. Sublimidade dentro de uma obra literária solene, eloquente.
O simbolismo e alusão dos adereços de FERNANDO MELLO DA COSTA, nos impressionam com tanta maestria. Dialogam com tamanha força com GUIMARÃES ROSA, que parece ter sido encomendado pelo próprio autor. Bonecos de feltro que se transformam em tudo dentro da cena; corpos mortos pela guerra, mochilas, aparatos cênicos, nos levando ao sertão imaginário. Pedaços de madeira como asas de pássaros, uma infinidade de objetos em segundos servindo à cena, na necessidade da obra rosiana. Um feito genial dado a homens de teatro, e das artes em geral. Bravo! Bravíssimo!!
SYLVIE LEBLANC em sua “simplicidade”, cria figurinos eficientes, negros como a morte, ou como a vida não querendo morrer. Com muita inteligência para a empreitada. De fácil manuseio e de beleza teatral estonteante. Mesmo quando a nudez se põe presente, se forma necessária e urgente, parece que as personagens estão vestidas com a exuberância da pele desnuda de cada momento. Figurinos com recortes geométricos sobrepostos com outros panos, dando uma sensação de criatividade infinita que nos encanta. O recorte geométrico de cada indumentária é de beleza e teatralidade compatível com a obra.
O espetáculo “GRANDE SERTÃO: VEREDAS” foi milimetricamente coreografado num “ballet” que GUIMARÃES ROSA com certeza está acompanhando em seus contornos corporais, executado por atores/dançarinos que estão comungando diretamente com sua obra-prima literária. Uma alquimia retumbante.
É ópera, cinema, teatro, mas sem dúvida, é um grande “ballet” de repertório incansávelmente executado por artistas da cena teatral e equipe técnica de excelência. Bravíssimo !!!
A arte mostrando mais uma vez a que veio, e o quanto necessitamos de sua onipotência e onipresença, para sobrevivermos.