Crítica Teatral de “Aproximando-se de A Fera na selva”

A BUSCA INSONDÁVEL, APOIADA NUMA TEATRALIDADE DRAMATÚRGICA EM IMPONENTE CENA REFLEXIVA.

“Fazer teatro para mim é a eterna tentativa de tocar o insondável, é a busca por compreender o que acontece entre eu e o outro, a tentativa de construir algo com consciência de sua efemeridade”.

A partir dessa necessária reflexão, mais uma escatológica/filosófica empreitada teatral estréia no Teatro Poeira, em colossal/soberba dramaturgia de MARINA CORAZZA, com encenação e concepção cênica de MALÚ BAZÁN, e assistência de direção de CAROLINA FABRI.

Inspirada na novela/romance escrita em 1903, “A FERA NA SELVA”, do americano HENRY JAMES, a dramaturgia coloca sob os holofotes, à história de dois personagens, de dois escritores(HENRY JAMES e CONSTANCE FENIMORE WOOLSON), de um homem e uma mulher, à história de um ator e de uma atriz.

Tudo isso se mistura em pinceladas que resulta numa catarse, onde os escritores, personagens, o homem/mulher, se alternam, para descortinar uma clarividência de profunda amizade em nuances de paixão desmedida, numa relação onde eles não se encaixam, e não se deixam enquadrar perante às convenções sociais. Rejeitando essas amarras sociais em “velhas formas de amar”, eles experimentam o vislumbre, o medo de perder à liberdade, às armadilhas narcisistas, atravessados pela enorme admiração e confiança que nutrem um pelo outro.

O mote do espetáculo é a partir da obra literária de HENRY JAMES sobre: “Um homem que espera pelo grande instante de sua vida”, apoiado/acompanhado por uma mulher na espera desse instante/acontecimento.

Uma obra que discorre sobre: expectativas, o medo, o insondável. Descobre-se que na verdade a grande obra-prima escrita pelo americano, nada mais é do que a enorme solidão que o patrulhava, e que nos ronda.

O caráter visionário/delicado da dramaturgia de MARINA CORAZZA, caminha por uma tênue sensibilidade exaltada pela perspicaz e memorável literatura de JAMES, tão bem captada/apurada pelo texto dramatúrgico.

MALÚ BAZÁN entrelaça, se agarra, e caminha com sutileza e na delicadeza do texto. Direção e concepção cênica em favor da austeridade da obra de JAMES e da dramaturgia de CORAZZA, em esmerada direção dos atores por BAZÁN. Um fruir/usufruir cênico em conexão/interatividade à atualidade do século 21.

Uma iluminação branca/cortante, elevada, por vezes potente, hora intimista, em sua necessidade no olhar de MILÓ MARTINS, corroborada pela música original sensorial/sensual. Instrumentais em alusão à natureza, vento/água, deliciosamente acarinhando à cena, feito por DANIEL MAIA.

À cenografia de RENATO CALDAS, manuseada pelas mãos dos atores, em cortinas manando e se alternando em preto, referente à morte/suicídio da escritora CONSTANCE, e cortinas brancas, apoiadas com à luz, nos remetendo à vida, o amor, amizade, lealdade e confiança, embrenhados na obra do americano.

MAREU NITSCHKE impõe uma indumentária leve, eficaz, na cor cinza claro ou escuro, conforme o sentimento da cena e a austeridade dos personagens.

Um colete e uma saia, um homem e uma mulher. A solidão dele, e a paixão dela, que pode ter sido o motivo de seu suicídio.
“O vislumbre da entrega, o medo de perder à liberdade, a enorme admiração e confiança que nutrem um pelo outro”. Tudo isso está nas presenças cênicas, com enorme cortesia e mesura à cena teatral, nos corpos, vozes e atitudes sensoriais de GABRIEL MIZIARA e HELÔ CINTRA CASTILHO. Suas “máscaras convencionais”, excelente direção, e delicadezas impregnadas, afastam e rejeitam o rótulo das “velhas formas de amar”. GABRIEL MIZIARA é o gentleman viril/leal/esfuziante na cena. HELÔ CINTRA é a reverência/carisma, empoderada de força dramática em beleza desnuda.

Suas vozes austeras em dicção, como excelentes intérpretes, levam o espetáculo no amálgama, na liga pretendida pela obra-prima de HENRY JAMES.

O espetáculo “Aproximando-se de A FERA NA SELVA”, fala, grita, sussurra, através de metáforas. Nos perturba em sua história repleta de expectativas, medo, paixão.

Busca o insondável da vida nos obrigando a refletir através das reminiscências dos personagens, dos escritores, do nosso homem/mulher, que não conseguimos descobrir onde habita. A rapidez abstrata de nossos sentimentos.

Acreditem, ou não. Depois de ser espectador/cúmplice dessa história, que flui seivosa, vigorosa, gigantesca, entre o começar a redigir essa crítica teatral/relato pessoal, tive um sonho inspirado nessa belíssima/influenciadora experiência cênica/público, durante uma madrugada inteira, vivendo um amor nos moldes/motivado pelas vidas, obras-primas, amizade e entregas de corpo e alma, vividas em cena por HENRY JAMES e CONSTANCE FENIMORE WOOLSON. Acreditem! Essa, com certeza é a força que transmutamos/transcendemos, que nos presenteia, o fazer teatral. Em estado de reflexão, do efêmero/inigmático, nos invadindo, embrenhando, atravessando, e nos inquieta, enquanto espectadores e artistas.

Sinceramente, não vim assistir com intenção de escrever à crítica teatral desse trabalho, porém, diante de sua cintilância, escrevi, sonhei enquanto durmia, voltei à escrever, e deixei minha alma de artista escancarar minha valiosa e necessária experiência vivida em apenas uma noite teatral.

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