Crítica Teatral de “Volta seca”

ESPETÁCULO/POESIA DE NARRATIVA VIGOROSA DE UM CANGACEIRO ARTISTA MATADOR.

Vale muito, começar a destrinchar/esmiuçar essa crítica, com pequenas mudanças feitas por mim, na reflexão urgente/necessária, do texto final desse monólogo:

“Às vezes quando eu fecho os olhos eu me lembro da caatinga… Aquilo é terra que filho chora e lágrima não cai. Nunca nenhum pé humano tinha pisado um lugar tão hostil e traiçoeiro. As árvores raquíticas, como se fossem sentinelas inimigas. Um cemitério à céu aberto de ossada de animais. 

Quando à natureza se lembra de regar, faz com ódio e rancor, como se fosse vingança. A tromba d’água é tão violenta que sai vilipendiando/menosprezando tudo, como se o mundo fosse acabar. 
Ou é sol ou é chuva. Ou é vida ou é morte. 

Eu? EU PREFIRO SER MÚSICA”.

Esse é o mote dessa história desconhecida por muitos, em cartaz no Teatro Cultural Sérgio Porto. Idealização, dramartugia, e protagonizado pelo baiano ALAN PELLEGRINO, com direção e cenário instalação de JOELSON GUSSON. Assistente de direção LUISA FRIESE, e cuidadosa produção também de FRIESE.

ANTONIO DOS SANTOS, cangaceiro do bando de VIRGULINO FERREIRA DA SILVA, “Lampião”. ANTONIO foi um dos maiores matadores do sertão, e autor dos clássicos cancioneiros; “Olê, mulher rendeira” e “Acorda, Maria Bonita”. Batizado por VIRGULINO de “VOLTA SECA” aos 11 anos, para ser um “olheiro” e ajudar o bando assaltar vilarejos e fazendas. Foi raptado pelos cangaceiros de Lampião, e aos 14 anos, foi preso e detido por 20 anos.

Incorporado ao grupo, à regra era matar ou morrer. 
Permanece no bando até seus 14 anos, quando tem à vida salva por MARIA BONITA, depois de uma desavença séria com Lampião.
A poesia musical criada pelo “sanguinário” ANTONIO DOS SANTOS, apelido que à imprensa imprimiu a ele na época. Suas composições/poesia ficaram conhecidas depois de ter sido libertado da prisão por GETÚLIO VARGAS. 

Figuras ilustres como IRMÃ DULCE e JORGE AMADO o visitaram na cadeia.

O cenário instalação de JOELSON GUSSON ilustra o narrar intrínseco do sertão, numa sala retangular/galeria, com projeções audiovisuais, com cenas do próprio cangaço, visto de longe, ao fundo, apoiando com beleza a narração/interpretação, nos remetendo a uma tela de cinema, com imponente visual. O cenário tem ossadas de cabeça de gado nas paredes(PEDRO GRAPIÚNA e MARIO COUTINHO). Uma visibilidade sensível, bem distribuída, bem cuidada.

O chão é coberto por máscaras rendadas brancas encima de um linóleo preto, especialmente criada para o espetáculo por ANALÚ PRESTES, em delicadeza artesanal/teatral, talentosa e expressiva.

O figurino, também de JOELSON GUSSON, vai se compondo ao longo da trama. Uma indumentária ostensiva, que nos chama atenção, no cruzar ao peito de duas bolsas, com alças largas de desenhos coloridos, bastante chamativo em seu detalhismo e beleza, em contraste com a cor marrom claro/envelhecido que se estende em toda à encenação.

Uma direção correta sem grandes surpresas de GUSSON.

BERNARDO LORGA imprimi uma iluminação nos moldes de um espaço de uma galeria, limitada, mas com efetiva funcionalidade.

ALAN PELLEGRINO dá vida a vários personagens do convívio de VOLTA SECA, além do próprio, numa narrativa em grande convergência/ligação com à aridez de um lugar onde os homens abjuravam/repudiavam à natureza.

O espetáculo com sua dramaturgia meritosa/densa, plausível, em coloquial desenredar de PELLEGRINO, com ousada/vitoriosa atuação, de seu próprio e idealizado texto. Dramaturgia e intérprete se blindam e se entregam na aridez de uma região cheia de mistérios, rodeada de gente que não abre mão de seus valores, nos parecendo deslocados, em meio à falta de perspectiva.

Um ator com muito carisma, vocação, podendo ter uma direção de movimento que desencadearia uma onipresença ainda maior. Mesmo assim, com sua própria verborragia, impõe verdade cênica vibrante, num monólogo complexo, ao desfiar à vida conturbada de um cangaceiro/matador/poeta/compositor/ser humano.

“VOLTA SECA” é um espetáculo/poesia de história arraigada na nossa cultura, pouco conhecida, porém, de relevante necessidade de ser assistida.

“Ou é sol ou é chuva”. “Ou é vida ou é morte”. Eu? “EU PREFIRO SER MÚSICA – ANTONIO DOS SANTOS/VOLTA SECA”.

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