Crítica Teatral de “Quarto 19”

A BUSCA DO “EU”, MÃE/MULHER/INDIVÍDUO, USURPADO EM SUA LIBERDADE E IDENTIDADE, NUMA SOCIEDADE QUE NOS RENEGA.

“QUARTO 19” é inspirado, traduzido do conto homônimo da escritora britânica DORIS LESSING, ganhadora do Nobel de literatura (2007).
AMANDA LYRA é a responsável pela tradução, idealização e intérprete desse monólogo, com direção de LEONARDO MOREIRA(Cia. HIATO – SP).
O espetáculo tem concepção/estrutura, que atravessa à cena com afluência nas artes plásticas( a francesa LOUSE BOURGEOIS, e o americano EDWARD HOPPER).

A personagem vive nos moldes de um casamento perfeito, feliz, estabilizado, sendo mãe de três filhos lindos e saudáveis. Deixou seu emprego para acompanhar e dedicar-se a eles, esperando o momento exato para retomada de seu trabalho profissional, numa sociedade que impõe à mulher esse “dever”, que usurpa seus sonhos e ideais. Quando tudo parece encaminhado, sufocada pelos seus “demônios” internos, foge de seus afazeres domésticos e familiares, e aluga um quarto num hotel, número 19, e passa à conjecturar, sozinha, sobre sua vida e a insatisfação que à comete, achando que possa estar doente. Diante disso o desfecho acaba em um suícidio, sufocada pelo seu desespero no mundo que a cerca.
A força esmagadora do social, onde o maternal precisa ser reavaliado para dar lugar ao indivíduo/mulher.

Uma classe média que desintegra, aniquila, desestrutura o psicológico, a sensibilidade humana, no papel que à mulher é obrigada, por convenções, a exercer. Perde-se assim, o que temos de mais valioso: Nossa auto estima e identidade.

A partir dessa obra literária nos vemos questionando, estarrecidos, esse imposto ideal de felizes para sempre, que nos empurram guela abaixo, em uma “união estável”.

A direção de LEONARDO MOREIRA é de cumplicidade total à verdade cênica da atriz, se tornando amarrada às sensações, conflitos e atitudes corporais/ emocionais no espaço cênico.

Da mesma forma acontece com cenário e iluminação criados por MARISA BENTIVEGNA. Um concebível espaço/ quarto, de vertiginoso verde, nos dando à esperança de que tudo vai acabar muito bem. Uma iluminação simples/ satisfatória em potência, à fala eloquente da busca/ desespero/ sentimentos atravessados.

O conto/ obra-prima de LESSING é o confronto pertubador, e bem presente numa sociedade que almeja um ideal de família burguesa. Um molde racional, perspicaz, capcioso, que ultraja e nos obriga a assumir lugares e posicionamentos que sufocam nosso “eu”.

Como podemos definir à atuação de AMANDA LYRA?!
Ela se coloca pragmaticamente em cena, imbuída na técnica e emoção, com todo pragmatismo inerente ao patriarcado/ homem/ marido, numa concisão cênica empoderada, em um trabalho plausível, delicado, na preparação corporal feita por TARINA QUELHO. Intersecção sutil e certeira na criação de som de MIGUEL CALDAS.

AMANDA LYRA é a “dona da história”. É dela, por ela, e através dela, que tudo se confronta, amarra, conclui, e cintila à cena teatral de um complexo texto, tão bem desembaraçado. Bravo!

Um brilhar intermitentemente empoderado, que chega no espectador na melhor fórmula: O teatral reflexivo.Um texto/ obra de tecitura contundente, que pode soterrar um intérprete sem onipresença.

Onipresente, narradora, atriz, mulher, mãe, provoca uma curva dramática de nuances comoventes e cumplicidade com à platéia imprescindíveis para arrebatar, dando uma impactante reverberação de uma literatura de tamanha linguagem hermética.

“QUARTO 19” exacerba a necessária e reflexiva busca de uma liberdade, numa sociedade que caminha em direção à usurpação de nossa identidade, seja ela de mãe/ mulher, ou indivíduos, alienados, alienantes, corruptos ou corrompidos.

“QUATO 19 É A METÁFORA DA LIBERTAÇÃO”.

Espetáculo NECESSÁRIO.

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