UMA LÁUREA AO FAZER TEATRAL, DE RESIGNIFICAÇÃO DE UMA OBRA, NO OLHAR DE PLURALIDADES NECESSÁRIAS, NA SUPERAÇÃO INVENTIVA DE UM ENCENADOR COM INSPIRAÇÃO PRODIGIOSA.
Lad Enid, recém-casada com Lord Edgar, se muda para uma mansão. A governanta se revela inimiga, e a nova anfitriã desconfia que o lugar seja assombrado pelo espectro da primeira mulher, IRMA VAP.
“O MISTÉRIO DE IRMA VAP”, que temos lembranças indeléveis em sua primeira montagem com Marco Nanini e Ney Latorraca no aporte direcional da não menos indelével Marília Pera, está em cartaz até 28/07, no portentoso Teatro Oi Casa Grande.
Direção/encenação, adaptação e preparação corporal no olhar de Jorge Farjalla, com assistência de Raphaela Tafuri. Tradução de Simone Zucato. Direção de produção irretocável; Marco Griesi e Priscila Prade.
O texto do americano CHARLES LUDLAM, Mestre em satirizar grandes clássicos, bebe na fonte de ALFRED HITCHCOCK; filme “REBECCA”.
Uma escrita nonsense, caracterizada por uma frenética troca de figurinos, sem muito aprofundamento, onde chamamos de besteirol. Aí entra à personalidade e identidade da encenação e adaptação desse trabalho. Um desafio em ousadias e significações teatrais.
O espetáculo nos dá um distanciamento quase de “natureza brechtiana”, onde o ator em vários momentos volta a ele mesmo, saindo do personagem, para que à crítica se instale, a consciência atoral, um estranhamento, fazendo uma ponte afetiva e recíproca entre o público e a cena, acontecendo à reflexão, o senso crítico.
Esse distanciamento, quase brechtiano, é feito com maestria, satirizando noticiários políticos de acontecimentos que nos atropelam, incorpora nosso folclore, e os próprios atores se divertindo e debochando deles mesmos. Uma quebra deliciosa sem desmontar o contexto.
Um trabalho cênico ressignificado na visão, encenação em peculiar inspiração de Jorge Farjalla, dando à cena uma teatralidade de carpintaria num arcabouço aurífero, de personalidade/identidade na criação direcional, com seu barroco presente, efeitos e pesquisa inventiva. Um Mestre em nos surpreender.
Farjalla cria uma telúrica/tremor de terra-palco, na contextura de entrelace num ritmo de vertigens cênicas exato, mesmo com o distanciamento/estranhamento presentes.
Uma obra na fisicalidade dos atores, em acepção e preparação corporal também agregada por ele, exigindo dos atores uma coreografia cênica peremptória/categórica.
Uma direção/encenação de jocosa sofisticação, num humor de espírito cheio de temperamento e constituição corporal e emocional. Muitas facetas num trabalho de intertextualidade.
Um figurino/indumentária de pragmatismo original, efetivo, por Karen Bruttolin, libertando os atores em soluções de encher os olhos. Belo e eficiente, com o perfeito encaixamento dos adereços de Luís Carlos Rossi
Gilson Fukushima nos dá uma atmosfera musical no contexto, com sua trilha sonora, onde o Thriller de MICHAEL JACKSON faz nossa alma pular para o palco, e se empoderar numa alegria esfuziante necessária.
Um trem fantasma deliciosamente fantástico na cenografia de Marco Lima. Repleto de nuances geométricos, numa referência cultural dos anos 80. Entramos no trem, subimos e descemos e aportamos no bom gosto e criatividade profissional.
O desenho de luz de Cesar Pivetti tem um proposital arrebatamento, fugindo ao esperado, se colocando como um trabalho de excelência à parte, dando ao todo um acabamento exemplar na costura cênica. Elucida cada segundo da proposta, dialogando e enaltecendo cada signo teatral. Bravíssimo!
A Banda Freak Show, composta pelos mais do que talentosos atores; Fagundes Emanuel, Greco Trevisan, Kauan Scaldelai e Thomas Marcondes, teatralizam à montagem e impulsionam à narrativa com seus inúmeros afazeres, executados com destreza e perfeição. Indiscutivelmente imprescindíveis.
Os quatro são minuciosos em cada detalhe, se “despindo” para vestir-se de vários monstros/personagens, e despindo e vestindo Solano e Miranda na narrativa. Os quatro ainda dão o compasso das músicas no decorrer. NECESSÁRIOS!
O que dizer de Mateus Solano e Luís Miranda?! Só vendo para acreditar. Corra para assistir a vocação e o talento do artista brasileiro.
Os dois nos deixam engolfados/ abismados/ entranhados em suas peripécias e habilidades. E o mais lindo é vê-los se divertindo com eles mesmos, se debochando no patamar da teatralidade. Dois diletos/ queridos, onipresentes, se completando e nos inserindo no humor de espírito de rara beleza.
Talentos inefáveis de vintage em cena. Reluzentes atuações.
O espetáculo “O MISTÉRIO DE IRMA VAP, dentre as várias homenagens, tem uma das cenas mais impactantes no meu olhar; laureando BIBI FERREIRA com o denso, dificílimo solilóquio de MEDÉIA, emblemático do espetáculo GOTA D’ÁGUA. Uma cena executada magistralmente por Luis Miranda.
O especial olhar de Jorge Farjalla, repetindo o título dessa crítica por valer muito destacar, vem laurear o fazer teatral, resignificando com dialógica/ interativa linguagem polissêmica, pluralidades necessárias, superação inventiva e inspiração prodigiosa de um encenador.
Espetáculo NECESSÁRIO!
2 Comments
Regina
Amei a montagem e a crítica!
Espetáculo imperdível!
Enildo Dellatorre
Que trabalho lindo, cuidadoso e delicado. São de pessoas como Francis que precisamos no Brasil e no mundo. Francis olha o artista como uma ferramenta de trabalho para colocar o mundo em constante mutação para evolução do artista e da sociedade.
Abraço forte!