UM REGISTRO DE FEMINICÍDIO DOCUMENTAL CÊNICO, EM ABORDAGEM DELICADA, URGENTE, NECESSÁRIA, NUMA PESQUISA DE SIMPLICIDADE CONTUNDENTE.
Em cartaz no Centro Cultural Justiça Federal, até 21/07, de quinta à domingo, “DESMONTANDO BONECAS QUEBRADAS”. Uma história contada de forma multimídia, interativa, documental, estatística e comovente.
– Algumas informações de extrema relevância contidas no release do espetáculo documental:
“Gênero em ascenção nos palcos do mundo, o teatro documentário inspira-se em fatos reais como estes: No México a cada três horas, uma mulher é asfixiada, violentada e mutilada, enquanto no Brasil o tempo de consumação do feminicídio é ainda mais gritante, aqui a cada 01h30, uma mulher é vítima de violência masculina”.
“Uma situação sem precedentes, que levou, pela primeira vez na história, à condenação de um país – o México – na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2009”.
“O grupo viajou para o México quando fez pesquisa de campo para a peça. Uma situação bárbara que vem de uma sociedade machista, patriarcal e misógina”.
“Na trilha sonora do espetáculo se destaca um “narco corrido” e o funk proibidão. É comum a exaltação de chefes do narcotráfico em canções no México. Dentre as projeções feitas no telão ao fundo do palco estão imagens do filme “Narco cultura”, entrecortadas com imagens do tráfico de drogas no México e no Brasil”.
“A verdade é que Cidade Juarez ficou conhecida como a cidade das mortas. Por isso às autoridades, decidiram lançar vídeos promocionais e jingles festivos como os que são exibidos ao longo da peça, para “limpar” o nome da cidade”.
“Em 1993, se instala em Juarez as chamadas maquiladoras, as montadoras multinacionais de produtos têxteis e eletrônicos, atraindo milhares de mulheres para trabalhar nessas fábricas, fosse por suas mãos menores e delicadas, úteis no manuseio de peças frágeis, fosse pelo seu temperamento mais dócil. As vítimas são moças pobres, na maioria de ascendência indígena, trabalhadoras nas maquilas, no comércio ou em casas de família, jovens anônimas”. “VÍTIMAS DE BAIXO RISCO”, assim chamadas.
“A equipe de criação da peça esteve em Cidade Juarez, onde há 25 anos acontecem crimes bárbaros insolúveis”
O espetáculo tem um caráter documental cênico, baseado pelas profundas investigações e pesquisas feitas, onde o real, que parece ficcional/surreal, enlaça as estatísticas obtidas pela equipe que investigou com lisura e detalhadamente esse quadro absurdo de cunho universal.
Um trabalho de doloroso cunho feminicídico, que por força de números que só crescem, é cada vez mais acrescido em cena, contando com a carismática e não menos potente presença da atriz idealizadora do projeto, Luciana Mitkiewicz.
Luciana, através do aporte direcional de Ysmaille Ferreira, leva ao palco algumas personagens acometidas desse crime, que precisa ser defenestrado, ser empurrado, lançado para fora de nossas vidas.
A direção de Ysmaille Ferreira é objetiva, limpa de qualquer tipo de apelações, relevante diante de uma dramaturgia coletiva, que documenta, informa, com momentos de poesia sem excessos.
Falando em poesia, deve-se destacar uma cena “Campo de Algodão”, escrita pelo dramaturgo e diretor expoente brasileiro; João das Neves.
Em cena, bonecas feitas de fraldas de algodão, como se dessem vida, fossem sementes que trouxessem de volta às inúmeras mulheres exterminadas inconsequente mente.
Cenários e figurinos por Rodrigo Cohen, de correção, sustentando o contexto. Um cenário belo, feito num grande painel ao fundo, com fraldas penduradas numa geometria vazada e criativa, onde são feitas as projeções do filme “Narcocultura”, com imagens do tráfico de drogas.
“DESMONTANDO BONECAS QUEBRADAS” é uma delicada desconstrução do encenar, para se criar uma investigação documentada necessária, artística, numa interatividade total com o público, onde à atriz se imbui, se despe e se veste numa sensível performance, e imbuída de força dramática comovente e expressiva. No meu olhar, Luciana Mitkiewicz, só precisa de um pouco mais de potência vocal, em alguns momentos, para nuançar ainda mais, o que ela faz tão bem com sua emoção. Vai a dica.
Ficha Técnica:
Idealização, criação, atuação: Luciana Mitkiewicz.
Direção: Ysmaille Ferreira.
Cenários e figurinos: Rodrigo Cohen.